domingo, 29 de julho de 2012

EUA: educação cara e desemprego minam chances de novas gerações
Muitas famílias estão usando aposentadoria para fechar a conta, o que aumenta insegurança
Fernanda Godoy/Flávia Barbosa - O Globo
NOVA YORK e WASHINGTON — Bill e Dorothy Vernon casaram-se dez anos após a quebra da Bolsa de 1929. Nas três décadas seguintes, quando os Estados Unidos agregavam famílias à classe média na velocidade de sua expansão industrial, o policial e a dona de casa, de origem humilde e sem diploma, viveram o sonho americano. Compraram uma casa no subúrbio de Detroit e um carro, criaram filhos que foram mandados à universidade e planejaram a aposentadoria que lhes garantiu a velhice tranquila. Susan Bailey, 54 anos, a filha caçula, relembra a história dos pais e decreta: a terra das oportunidades não existe mais.
Susan não é uma pessimista nata, muito menos seu marido, o engenheiro ambiental William, de 56 anos. Seu desencanto com o futuro expressa o abalo coletivo da fé na ideologia que historicamente une os EUA: a de que qualquer um, se estudar e trabalhar, pode subir degraus na escada social. Hoje, 73% dos americanos dizem que isso será mais difícil, ou impossível, para as gerações que estão chegando ou ainda chegarão à vida adulta.
- A minha geração foi à universidade e conseguiu a casa própria, mas suamos mais para pagar a universidade dos filhos e para poupar para a aposentadoria. Olho para minha enteada e meus seis sobrinhos e vejo que nenhum deles vai viver a vida de seus pais e avós. Os bons empregos simplesmente não estão disponíveis para eles - diz.
De sua casa no subúrbio de Charlotte, na Carolina do Norte, Susan e William acompanharam o encolhimento do parque industrial do estado e do Michigan, onde foram criados. Testemunharam um dos fenômenos que explicam a redução gradual das chances de mobilidade social desde o fim dos anos 1970: o desaparecimento dos empregos na indústria, que hoje ocupam um quinto dos americanos.
- No século XX, mesmo se o indivíduo não tivesse a melhor educação e um diploma, com um emprego numa fábrica ele podia realizar esse sonho do subúrbio. Essas vagas desapareceram. De um lado, há um seleto grupo de diplomados que vão para as áreas de alta tecnologia e finanças. Do outro, uma massa na economia de serviços sem competências desenvolvidas para ascender à classe média - diz o historiador Michael Ross, da Universidade de Maryland, que ministra um curso sobre a história do sonho americano.
O historiador Jim Cullen, autor de “The American dream: a brief history of an idea that shaped a nation” (“O sonho americano: uma breve história de uma ideia que moldou uma nação”) lembra que empresas como Google e Facebook empregam centenas de pessoas, enquanto Henry Ford empregava centenas de milhares.
“É assustador não ter poupança ou carreira”
Isso significa que, na economia americana pós-industrial, a expertise necessária para um emprego bem remunerado praticamente só pode ser adquirida em um ambiente universitário. O problema é o custo da educação superior, que sobe há mais de uma década e aumentou 22% nos últimos três anos, abocanhando parte da poupança dos pais e deixando um rastro de dívidas de crédito universitário que já superam US$ 1 trilhão.
Muitas famílias estão usando a poupança da aposentadoria para fechar a conta, o que aumenta a sensação de insegurança em uma economia na qual a oferta de previdência pública e privada é cada vez mais limitada. Essa é uma angústia que William Bailey carrega: não sabe como ajudar a filha a pagar pela faculdade de Medicina que ela, aos 24 anos, decidiu fazer:
- Por quanto tempo mais terei que trabalhar? Como cuidarei da minha velhice?
A socióloga Katherine Newman, professora da Univesidade Johns Hopkins e autora de “The accordion family”, que trata do fenômeno da volta dos jovens para a casa dos pais após a faculdade, afirma que o estouro da bolha do mercado imobiliário em 2007/2008 foi um complicador. Além disso, inviabilizou o acesso da maior parte dos jovens ao financiamento da casa própria — alicerce da mobilidade social:
- Os americanos estavam tomando empréstimos tendo como garantia o valor crescente de suas casas, e financiando coisas como os estudos dos filhos. Quando o mercado imobiliário entrou em colapso, essa engrenagem também foi por terra.
Há também a realidade do mercado de trabalho para os jovens, que amargam taxa de desemprego de 12% (a geral é de 8,2%). Graduada em Música pela Universidade do Arizona, onde estudou com ajuda de bolsa, Amy Swietlik, de 25 anos, trabalha numa loja de equipamentos musicais:
- É assustador saber que não tenho poupança ou carreira, apesar de ter mestrado, que não posso pensar em ter uma casa. Isso é desencorajador.

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