sexta-feira, 27 de julho de 2012

OS ALEMÃES E O MEDO DE HOSPEDAR NEONAZISTAS

Hoteleiros alemães temem hospedar neonazistas e recebem apostila sobre possíveis cuidados
Jochen-Martin Gutsch - Der Spiegel
Muitos hoteleiros no leste da Alemanha querem evitar atender neonazistas. Mas grupos astutos de extrema direita costumam reservar lugares usando organizações de fachada para evitar serem reconhecidos. Agora, uma nova iniciativa do Estado de Brandenburgo tem como objetivo ajudar o setor de hospitalidade a identificar hóspedes indesejados.
Olaf Lücke, o diretor administrativo da Associação de Hotéis e Restaurantes do Estado de Brandenburgo, no leste da Alemanha, conta brevemente a "História de Grünheide" como uma forma de ilustrar o problema que o setor enfrenta.
Em Grünheide, perto de Berlim, há um estabelecimento chamado Hotel Seegarten. Um dia, o dono recebeu um pedido de informações de uma "agência de vinhos" interessada em alugar espaço para uma conferência em janeiro de 2012. O hoteleiro ficou entusiasmado, porque os invernos costumam não ter muitos hóspedes. Quando os homens amigáveis da "agência de vinhos", cerca de cem ao todo, apareceram no hotel em meados de janeiro, havia algo de estranho em relação à coisa toda: eles estavam acompanhados por vans da polícia. Mais incomum ainda era o fato de que ninguém falava sobre vinho, e que tudo se tornou muito político.
Na verdade os homens amigáveis eram do Partido Nacional Democrático de extrema direita da Alemanha (NPD). A coisa toda foi excessivamente desagradável para o hoteleiro, que de repente se viu com mais de cem neonazistas em seu hotel. O que fazer? Mandá-los todos embora? Se ele fizesse isso, poderia ser processado por danos morais.
Então não fez nada, e a associação estadual do NPD na Saxônia fez sua recepção de ano novo no Hotel Seegarten. O incidente causou certa agitação em Grünheide, e quando tudo acabou a questão na mente de todos era como evitar que este tipo de coisa aconteça no futuro. Em outras palavras: como um hotel ou restaurante se mantém livre de nazistas em Brandenburgo?
Reconhecendo extremistas de direita
Olaf Lücke, o homem da associação de hotéis, bate os dedos numa pequena brochura sobre a mesa à sua frente. "Todos os donos de restaurantes e pousadas agora receberão estas orientações", diz Lücke. Martina Münch, ministra da educação do Estado, está sentada ao lado dele. "Ninguém é obrigado a atender extremistas de direita", diz Münch.
Mas para evitar atender extremistas de direita, você precisa ser capaz de reconhecê-los antes de mais nada. É então que entra a brochura que Lücke e Münch estão apresentando à Chancelaria do Estado de Potsdam. O título é "Como Não Ser Enganado Por Extremistas de Direita: Um Guia Para o Setor de Hotéis e Restaurantes."
Nas páginas 6 e 7, há uma lista de símbolos – alguns mais obscuros que outros – para ajudar usuários a identificar os neonazistas de forma mais eficiente. O triângulo de Gau, por exemplo, era um sinal triangular preto usado durante a era nazista para identificar quem o usava como membro de um subgrupo específico de uma organização. Eles são proibidos na Alemanha desde 2002. Outros símbolos incluem "o sol negro", o "tríscele" a "suástica negativa" e a "suástica invertida".
Os donos de estabelecimentos de Brandenburgo de repente tiveram que aprender muita coisa. Além de cursos de contabilidade e higiene da cozinha, eles precisam saber as peculiaridades do antigo alfabeto rúnico e outros símbolos germânicos.
As "férias regulares da comunidade de extrema direita" estão descritas na página 11. De acordo com esta lista, as reservas de hotel para 18 de janeiro devem ser vistas com suspeita, porque é o dia em que os neonazistas celebram a "fundação do Reich Alemão, em 18 de janeiro de 1871". Outro dia para se precaver é 15 de fevereiro, que marcou o "início do bombardeio de Cottbuts (uma cidade em Brandenburgo) pelos Aliados". Também há o 24 de setembro, "o aniversário da morte de Ian Stuart Donaldson, fundador do Sangue e Honra."
O mergulho nos símbolos é inevitável. Não se espera que os neonazistas, afinal de contas, sejam abertos em relação às suas conexões. Eles não aparecem na recepção e dizem: "Heil Hitler, meus amigos e eu gostaríamos de alguns quartos de não fumantes para o povo alemão, o Reich e o Führer!" Mesmo que isso tornasse as coisas mais fáceis.
"Não é tão simples"
O diretor da associação de hoteis, Lücke, menciona que são "impostores" que fazem as reservas. Há organizações extremistas de direita com nomes despretensiosos como "Sociedade para a História e a Cultura". Mas, sobretudo, a situação legal não está clara. Será que um hoteleiro pode dispensar hóspedes de extrema-direita? Ou simplesmente recusar que eles entrem?
"Não é tão fácil", diz Lücke. O Tribunal Federal de Justiça (BGH) estabeleceu um precedente numa decisão tomada em março. O ex-líder do NPD Udo Voigt reservou um quarto num hotel spa de Brandenburgo, esperando passar alguns dias relaxando. Antes que ele chegasse no hotel, entretanto, foi informado que havia sido expulso das dependências. Isso é legal?
Em sua decisão, o BGH argumentou que os hoteleiros podem rejeitar extremistas de direita por causa de suas visões políticas. Mas um hoteleiro é obrigado a honrar uma reserva uma vez que seja confirmada, exceto em circunstâncias extraordinárias, como quando os hóspedes estão causando distúrbios ou agitação. Este não foi o caso do ex-líder do NPD, Voigt.
"A coragem civil é necessária", diz o ministro da Educação Münch. "Você precisa tomar uma posição", diz Lücke, coçando a cabeça.
O guia fornece muitas sugestões para escrever contratos e cláusulas de cancelamento. No final, entretanto, uma dá a impressão de que os hoteleiros estão mais ou menos por conta própria, armados apenas com a coragem de suas convicções.
O NPD é um partido registrado. Policiais protegem as demonstrações dos extremistas de direita. Infelizmente, o NPD não pode ser banido, por uma série de razões, dizem os políticos alemães. O resultado é que os políticos do NPD também têm cadeiras em alguns parlamentos alemães. Mas espera-se que os hoteleiros de Brandenburgo – mais ou menos por conta própria – evitem que pessoas como Udo Voigt relaxem em suas saunas, fora de sua própria coragem civil.
"O guia não nos ajudará a resolver problema", diz o diretor da associação de hoteis Lücke, enquanto faz suas malas.
Tradutor: Eloise De Vylder

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