domingo, 8 de julho de 2012

SÓ QUEM CONHECE AS DORES DA ALEMANHA (WEIMAR) SABE O QUE UMA ECONOMIA DESCONTROLADA PODE CAUSAR

Aula de alemão
Aldo Pereira - FSP
Alemães já viram no que pode dar a irresponsabilidade fiscal: bombardeio, dor, fome. Talvez você não se lembre dessa aula, mas Merkel foi a outra escola
A guerra acabaria em maio de 1945. Mesmo assim, na noite de 13 de fevereiro roncaram sobre a elegante cidade de Dresden centenas de quadrimotores ingleses, primeira leva duma operação meticulosamente planejada.
Primeiro, bombas demolidoras de alta potência removeriam telhados, portas e janelas. Depois, correntes de ar e línguas de fogo geradas por explosões de 200 mil bombas incendiárias fariam passar um hálito do inferno por dentro das edificações esburacadas.
Perfeito. Na culminância da conflagração, tripulantes de bombardeiros sentiram o calor das labaredas a mais de dois quilômetros de altura.
A segunda leva de bombardeiros ingleses atacaria três horas depois, com intenção astuta de desorganizar as operações de bombeiros e ampliar o incêndio.
Sobrara pouco a ser demolido ou incendiado, mas, como remate, no dia 15 centenas de bombardeiros dos EUA descarregaram mais 800 toneladas de bombas sobre as ruínas.
Extraordinárias minúcias de planejamento precederam a destruição de Dresden e dezenas de milhares dos civis que ali viviam.
Com dados compilados por anos de espionagem, estrategistas das forças aéreas aliadas computaram estimativas de tudo que pudesse concorrer para incineração mais eficiente de moradias e seus ocupantes: tamanho de escadarias de madeira (tipicamente, a maioria dos prédios de apartamentos não tinha elevador), número e tamanho de móveis, objetos inflamáveis como cortinas, almofadas, livros, brinquedos (sim, o alvo abrangia crianças), roupas e demais conteúdo de armários.
Quantas bombas, então, de magnésio? De fósforo. De térmita. Das pequenas, claro, para gerar milhares de focos de incêndio dispersos e simultâneos.
Outras cidades, entre elas Colônia e Hamburgo, sofreram devastação igual. Mas o furor vingativo não arrefeceu nos dois anos subsequentes ao fim da guerra.
Em ação conjunta, forças de ocupação americanas, inglesas e soviéticas arrebanharam as populações de cidades do leste da Alemanha, como Breslau e Danzig, ao longo da fronteira com a Polônia, e as despejaram nas ruínas a oeste.
Motivo da deportação em massa: dar a poloneses uma faixa de território alemão para compensar a faixa de território polonês que a União Soviética anexara. Breslau e Danzig passaram a ser, respectivamente, como são, as cidades polonesas de Wroclaw e Gdansk.
A limpeza étnica estendeu-se aos Sudetos, borda setentrional e ocidental do que é hoje a República Tcheca em sua fronteira com a Alemanha. Segundo incertas mas plausíveis estimativas, meio milhão dos 12-14 milhões de deportados pereceu de frio, privações e trabalhos forçados em campos de concentração.
(Sim, Auschwitz 1 e Theresienstadt continuariam a funcionar por alguns anos após a guerra, com outros inquilinos e sob nova direção.)
Não há conta de quantas mulheres foram submetidas a estupro, muitas vezes grupal.
Todo alemão sabe que na raiz do desvario nazista está a mais célebre inflação da história, no curso da qual, dependendo do dia -e da hora- em 1923 você precisaria de 200 bilhões de marcos para comprar o pão que em 1914 teria custado 13 pfennig ("centavos").
Causa principal: esforço de pagar reparações de guerra impostas pelos vencedores da Primeira Guerra Mundial. Foi explorando tal abuso e descrédito do governo que Hitler assumiu o poder por via constitucional legítima.
Você talvez não se lembre da aula de história que menciona esse episódio. Mas Angela Merkel estudou noutra escola. Daí a intransigência alemã em resistir à irresponsabilidade fiscal de seus parceiros.
ALDO PEREIRA, 79, é ex-editorialista e colaborador especial da Folha

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