sexta-feira, 13 de julho de 2012

UNIÃO EUROPEIA SOFRE COM O CONTRABANDO DE...CIGARROS

Bolsos vazios inflam o mercado negro de cigarros na Europa
Stephen Castle e Doreen Carvajal - NYT
Quando o navio Sophie Maersk chegou ao porto britânico de Felixstowe, carregava dois contêineres de 12 metros supostamente cheio de brinquedos e tartarugas de pelúcia. Mas a carga não era nenhuma brincadeira de criança.
Os contêineres na verdade estavam cheios com mais de 20 milhões de cigarros ilícitos contrabandeados por um grupo improvável que incluía um consultor de recrutamento, o dono de uma companhia de andaimes e um empresário milionário de reciclagem de plásticos em Dubai que entrou numa fase difícil por causa da crise econômica europeia.
“Ele emprestou dinheiro e pegou o caminho errado”, disse um advogado numa audiência aberta este ano, desculpando-se pelo líder da quadrilha, Paul O'Meara, 48, de Suffolk, Inglaterra, acrescentando que ele “vivia a boa vida”, mas perdeu tudo, e então arriscou sua reputação “como resultado, de fato, do colapso financeiro.”
Durante anos, funcionários da lei e traficantes brincam de gato e rato na Europa, onde os cigarros de contrabando são escondidos em toda parte desde carregamentos de móveis até árvores de natal. Mas a crise econômica europeia que já dura quatro anos está expandindo o mercado negro de cigarros, roubando das nações da União Europeia uma arrecadação valiosa e atraindo uma nova classe de contrabandistas.
Em maio, um juiz da Inglaterra repreendeu Terry Nolan, um homem cego que mora em Yorkshire e que foi condenado depois que investigadores encontraram mais de 200 mil cigarros contrabandeados que ele estava escondendo, alguns atrás de uma parede falsa no seu quintal. Nolan se recusou a revelar a fonte, alegando ter medo de represálias e recebeu uma sentença suspensa de cinco meses depois de declarar-se culpado de sonegar mais de US$ 150 mil em impostos.
“Você tem 61 anos e, exceto uma sentença por porte de maconha na juventude, passou os últimos 40 anos cumprindo a lei”, disse-lhe o juiz David Tremberg no tribunal, decretando um toque de recolher e uma multa de US$ 1.000. “Numa época em que o bolso público está prestes a quebrar, este negócio rouba o país um dinheiro muito necessário.”
De fato o impacto da perda de arrecadação de impostos é enorme, especialmente uma vez que a UE é em parte financiada pela alfândega, 75% dos quais são repassados para o bloco por seus estados-membros.
“O prejuízo: 1 bilhão de euros em falta no orçamento da UE e até 9 bilhões de euros em falta nos estados-membros”, de acordo com Jens Geier, integrante alemão do Parlamento Europeu, que teme que o volume de cigarros contrabandeados indique uma estrutura séria de crime organizado por trás desses ilícitos vendedores comuns.
Os fatos sobre o contrabando são encontrados nos lugares menos importantes: o lixo. Em pesquisas anuais, financiadas por companhias de cigarros, pesquisadores vão para as principais cidades das nações europeias e coletam pacotes de cigarros amassados. Esses pacotes são analisados por laboratórios para determinar quantos são comprados legalmente e quantos são falsificados. Algumas caixas são produzidas com tanta meticulosidade na China, Dubai ou leste europeu que contêm carimbos de impostos falsos de diferentes países.
Os últimos resultados da busca no lixo mostraram que a concorrência no mercado negro aumentou para níveis recordes. Na Espanha, as vendas ilícitas aumentaram 300% no ano passado para mais de 4,6 bilhões de cigarros. Na região de Andaluzia, os cigarros de contrabando comandam 20% de todo o mercado.
Na Irlanda, os contrabandistas são concorrentes robustos das companhais legais de cigarros, atingindo mais de 17%. No geral, o mercado negro de cigarros continua numa ascensão contínua pelo quinto ano consecutivo, chegando a 10% do consumo ou 65 bilhões de cigarros, de acordo com um relatório anual divulgado em junho pela KPMG para a Philip Morris International.
O contrabando floresceu em particular em países onde o preço de um maço de cigarros passou os US$ 10, como resultado do aumento de impostos e bolsos mais apertados.
“Em tempos de crise econômica, especialmente longas crises econômicas como a que a Europa está experimentando agora, as pessoas têm menos dinheiro disponível e estão particularmente interessadas em produtos mais baratos”, diz Simeon Djankov, vice-primeiro-ministro e ministro das finanças da Bulgária. Lá, diz ele, o mercado de cigarros contrabandeados mais do que dobrou entre 2008 e 2010.
Em Dublin, Benny Gilsenan fez sua própria pesquisa. Quando a economia da Irlanda começou a afundar em 2008 depois da explosão da bolha imobiliária do país, Gilsenan observou que os clientes regulares estavam sumindo de sua loja, Benny's, há 40 anos um ponto fixo no bairro.
Então ele perguntou a um antigo cliente, que ele viu fumando a poucos metros de distância. O homem explicou a matemática para ele.
Eu vendo um pacote por 9,20 euros, enquanto eles podem comprar um por 3,20”, disse Gilsenan, observando que suas vendas caíram 40% nos últimos quatro anos e resultaram na demissão de dois funcionários. Desde então, ele e outros lojistas formaram um grupo chamado Varejistas Contra o Contrabando e estão pressionando por penalidades mais rígidas para os contrabandistas.
O caso de contrabando nas tartarugas de brinquedo foi planejado por O'Meara, o empresário que embarcou no que os promotores chamam de uma “massiva operação de contrabando internacional”.
Entre os sete homens, sentenciados no início deste ano, nenhum era fichado por contrabando, de acordo com Paul Barton, diretor-assistente de investigações criminais na Britain’s HM Revenue & Customs.
De acordo com investigadores e registros dos tribunais, o golpe da tartaruga começou em algum momento em 2009, quando O'Meara estava se debatendo com dívidas e começou a trabalhar para estabelecer uma transportadora chamada Vincent Logistics, que os promotores descreveram como uma companhia de fachada. Ele recebeu ajuda financeira de outro membro da quadrilha de contrabando, Robert Doran, 47, um empresário milionário de Dubai.
A perda de impostos potencial da operação seria de mais de US$ 5 milhões para o governo britânico, de acordo com Barton, que disse que a operação havia sido planejada em cinco meses e era tão bem organizada que os envolvidos divulgavam os cigarros em revistas. No final, ela custou-lhes sentenças na prisão, de dois a quatro anos e meio.
Apesar da emergência dos contrabandistas de classe média, investigadores acreditam que por trás deles á organizações criminosas. O contrabando de tabaco é menos lucrativo do que o de narcóticos, mas é atraente porque aqueles que são pegos recebem sentenças de prisão bem mais curtas.
Enquanto os governos se preocupam com a perda de arrecadação, os funcionários da lei querem saber se os lucros do contrabando são reinvestidos em outras atividades criminosas.
“Muitas pessoas percebem isso como um tipo de fraude à la 'Robin Hood' e acham que as pessoas comuns nas ruas, que têm menos dinheiro hoje em dia, estão ficando com os benefícios”, diz Austin Rowan, chefe da unidade responsável pelo contrabando de cigarros do OLAF, o escritório anti-fraude da UE. “Mas este comércio está financiando organizações que estão envolvidas em outras atividades, inclusive no tráfico de drogas.”
Tradutor: Eloise De Vylder

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