Denúncia de fiscal originou investigação sobre empresas de carne
Funcionário procurou a PF com provas de irregularidades e pagamento de propina
Thiago Herdy - O Globo
A denúncia de um fiscal agropecuário federal do Paraná, que sofreu uma
série de punições de seus superiores por não participar de esquema de
corrupção, foi a origem da investigação que resultou na prisão de
executivos das maiores empresas processadoras de carne animal no país e
as revelações sobre a venda de carne imprópria para consumo humano, deflagradas nesta sexta-feira pela Operação Carne Fraca.
Daniel
Gouvêa Teixeira era lotado na Superintendência Federal da Agricultura
no estado do Paraná, como chefe substituto do Serviço de Inspeção de
Produto de Origem Animal (Sipoa) e constatou que funcionários do órgão
eram transferidos para outras unidades de atuação para atender ao
interesse de fiscalizados, sempre “empresas de grande capital”, segundo
ele.
Mesmo
afastado do local original de trabalho por ter denunciado uma chefe,
durante as atividades de fiscalização verificou que havia um esquema de corrupção envolvendo frigoríficos de carne suína. As irregularidades incluíam o aproveitamento de animais mortos (e não abatidos) para produção de linguiça (o que é ilegal), comercialização de certificados sanitários e pagamento de propina a fiscais e agentes de inspeção.
Há pouco mais de dois anos Teixeira entregou às autoridades gravações
de reuniões da diretoria da empresa Peccin Agroindustrial, frigorífico
de Curitiba especializado na fabricação de linguiças, salames e outras
carnes preparadas. E também provas de que os chefes do serviço de
inspeção faziam “acerto” para que a empresa continuasse atuando “às
margens da ilegalidade”.
Foi Teixeira, também, quem entregou provas sobre irregularidades
envolvendo a empresa Souza Ramos, fornecedora de merenda escolar para
unidades educacionais do Paraná. E ainda suspeitas de enriquecimento
ilícito do então superintendente do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento no Paraná, Daniel Gonçalves Filho, que ocupou cargo entre
2007 e 2016. Gonçalves Filho era sócio de empresas e dono de imóveis e
carros de luxo, incompatíveis com a sua renda, segundo as investigações.
Os relatos de Teixeira levaram a PF a iniciar uma série de
depoimentos com ex-funcionários das empresas suspeitas, que corroboraram
o que havia sido denunciado. O fiscal voltou a ser ouvido em depoimento
durante as investigações, ocasião em que revelou o nome de outras
empresas suspeitas de irregularidades, como Novilho Nobre, Mastercarnes,
Madero e BRF S.A.
Chamados
a prestar esclarecimentos, executivos de empresas alegaram terem sido
“vítimas de exigências de fiscais federais”, como pagamento de propina
regular entre R$ 2 mil e R$ 5 mil, para continuarem funcionando. A
empresa Madero colaborou com a investigação e apresentou gravação em
vídeo de um agente de inspeção levando alimentos produzidos pela fábrica
que acabara de fiscalizar.
A PF obteve na Justiça autorização para realizar interceptações
telefônicas e quebrar os sigilos bancário e fiscal de dezenas de
investigados. Descobriram que agentes corruptos se valiam de familiares
para ocultar a propina recebida de corruptores e que muitos deles
falavam com políticos, embora as conversas não tenham sido consideradas,
por si só, “indícios de ilicitude”, segundo relatório da PF.
“O mesmo não pode se dizer em relação a alguns assessores
parlamentares, pois pelas conversas interceptadas, há forte suspeita de
atuarem em conjunto com servidores do Mapa em benefício próprio ou
visando a proteção de empresas”, escreveu o delegado Maurício Moascardi
Grillo, no relatório da PF que motivou a ação.
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