Funaro diz que Temer orientou distribuição de dinheiro desviado da Caixa e sabia de propina na Petrobras
Operador ligado a peemedebistas manifestou 'inteira disposição' para firmar acordo de delação
André de Souza - O Globo
Em depoimento prestado em 14 de junho, o operador Lúcio
Bolonha Funaro afirmou que o presidente Michel Temer orientou a
distribuição de R$ 20 milhões desviados dos cofres públicos para
campanhas eleitorais. Afirmou também que sabia do pagamento de propina
feito pela Odebrecht para conseguir contratos na Petrobras e que atuou a
favor de grupos privados aliados em 2013 durante a tramitação da medida
provisória dos portos no Congresso. Destacou ainda que, entre 2010 e
2014, o esquema do qual participou destinou R$ 100 milhões às campanhas
do PMDB, partido de Temer.
Ele
também manifestou "sua inteira disposição" para firmar um acordo de
delação premiada. E citou outras importantes figuras do PMDB como
beneficiários do esquema. Entre eles: o ministro da Secretaria-Geral da
Presidência, Moreira Franco, os ex-ministros Geddel Vieira Lima e
Henrique Alves, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, e o
vice-governador de Minas Gerais, Antônio Andrade. O depoimento ocorreu
na sede da Polícia Federal (PF), em Brasília, e foi juntado ao inquérito
que investiga Temer no Supremo Tribunal Federal (STF) por corrupção,
obstrução de justiça e organização criminosa.
No depoimento, Funaro contou que duas vice-presidências da
instituição estavam sob influência de Geddel e do PMDB: a de Fundos de
Governo e Loterias (Vifug) e a de Pessoa Jurídica. A Vifug já foi
comandada por Fábio Cleto, que depois se tornou delator. Segundo ele,
Cleto viabilizou desvios no Fundo de Investimentos do Fundo de Garantia
do Tempo de Serviço (FI-FGTS) que teriam beneficiado, por exemplo, a
campanha da chapa vitoriosa da eleição presidencial de 2014, vencida por
Dilma Rousseff, e tendo Temer como seu vice.
"Durante a gestão de Fábio Ferreira Cleto junto a Vifug
foram efetuadas operações perante o FI-FGTS para as empresas BR Vias e
LLX, as quais geraram comissões expressivas, no montante 'total
aproximado de R$ 20 milhões, do qual se beneficiaram principalmente a
campanha do ex deputado federal Gabriel Chalita para prefeito de São
Paulo/SP no ano de 2012, e a campanha para Presidência da República no
ano de 2014, sendo que ambas foram por orientação/pedido do presidente
Michel Temer'", diz trecho do termo de depoimento. Na época, Chalita era
o candidato do PMDB à prefeitura.
Em outro ponto, Funaro afirmou que Cunha e Temer defenderam
interesses de grupos privados aliados na discussão de medida provisória
dos portos, em 2013. Na época, Temer ainda era vice e Cunha deputado
influente na Câmara. Disse ainda que Temer sabia de pagamento de propina
para a Odebrecht conseguir contratos de plataformas da Petrobras
Internacional. Mas, nesse caso, afirmou a informação lhe foi repassada
por Cunha.
Apesar de incriminar Temer, Funaro disse que não tinha
relação próxima com ele, mantendo contato, em vez disso, com Geddel,
Cunha e Henrique Alves. Ele se recordou de três ocasiões em que se
encontrou com Temer: na base aérea de São Paulo, com Eduardo Cunha; numa
reunião de apoio a Chalita à prefeitura de São Paulo, ocorrida numa
igreja da Assembleia de Deuas, com a presença dos bispos Manoel Ferreira
e Samuel Ferreira; e num comício para as eleições municipais de Uberaba
em 2012, com Cunha e Ricardo Saud, executivo do frigorífico JBS.
Funaro disse que trabalhou na arrecadação de fundos das
campanhas do PMDB em 2010, 2012 e 2014. Segundo o termo de depoimento,
ele "estima que tenha arrecadado cerca de R$ 100 milhões para o PMDB e
partidos coligados para as três campanhas acima mencionadas."
O termo de depoimento mostra ainda que Funaro "manifesta a
sua inteira disposição para celebrar acordo de colaboração". Para isso
"já vem trabalhando, juntamente com sua defesa técnica, em anexos com
fatos para apreciação da Justiça a fim de auxiliar nas investigações".
Funaro também contou que o atual ministro da
Secretaria-Geral da Presidência da República, Moreira Franco, atuou num
esquema irregular na Caixa Econômica em 2009. Na época era
vice-presidente da instituição financeira. Funaro não detalha valores,
mas diz que Cunha também foi beneficiado. Segundo ele, em troca houve
ajuda à empresa Cibe junto ao Fundo de Investimentos do Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço (FI-FGTS), ligado à Caixa.
"Os pagamentos foram feitos em espécie não se recordando dos
valores neste momento, mas que posteriormente irá apresentá-Ios", diz
trecho do termo de depoimento, acrescentando que os representantes da
empresa se reuniram em Brasília com Cunha e Moreira Franco.
O operador também afirmou que Antônio Andrade, atual
vice-governador de Minas, foi nomeado ministro da Agricultura para atuar
a favor do grupo do PMDB na Câmara. Funaro disse que foi ele próprio
quem sugeriu a Cunha a indicação de alguém para a pasta, a fim de obter
influência no órgão.
Funaro estima ter pago R$ 20 milhões a Geddel a título de
comissão de operações que ele teria viabilizado na Caixa Econômica
Federal, banco no qual o ex-ministro já foi vice-presidente. Ele contou
até um caso em que não houve pagamento de propina a Geddel porque o
valor liberado era baixo. Foi um crédito de R$ 60 milhões para o grupo
controlador da companhia aérea Gol. Além disso, disse Funaro, o
empresário Henrique Constantino, da família dona da empresa, já tinha
emprestado seu avião particular algumas vezes ao ex-ministro, o que
contribuiu para não haver propina no negócio.
O operador também contou que foi ele quem apresentou Geddel
ao empresário Joesley Batista, do grupo J&F, dono do frigorífico
JBS, quando o ex-ministro ainda era vice-presidente da Caixa. Isso
porque a J&F tinha interesse em conseguir empréstimos na instituição
financeira. Depois disso vieram várias liberações de crédito para
diversas empresas do grupo. Afirmou também que Joesley e Geddel se
falavam, mas quando se tratava de definir o pagamento de propina, a
conversa passava por Funaro.
O operador afirmou ainda que deixou um saldo credor de
aproximadamente R$ 48 milhões com Joesley Batista. Depois, quando soube
da delação do empresário, entrou com uma ação de cobrança no valor de R$
32 milhões contra a Eldorado Brasil, empresa de celulose do grupo
J&F. Os outros R$ 16 milhões já estavam em execução contra a J&F
desde 2016.
OUTRO LADO
O advogado de Temer, Antonio Mariz, não quis comentar o depoimento de Funaro:
— Eu não conversei com o presidente sobre isso e não sei do que se trata.
Antônio Andrade destacou que o próprio Cunha foi contra sua indicação para ministro da Agricultura:
— Quem me indicou foi Michel Temer. Eduardo Cunha era contrário à minha indicação.
A defesa de Henrique Alves não quis se manifestar. O GLOBO
não conseguiu entrar em contato com Geddel Vieira Lima, Gabriel Chalita,
Antônio Andrade e Moreira Franco. Também não conseguir falar com a
defesa de Cunha, preso desde outubro do ano passado em Curitiba em
decorrência da Operação Lava-Jato.
Em nota, o ministro Moreira Franco negou as acusações de
Funaro. "Que país é esse, em que um sujeito com extensa folha corrida
tem crédito para mentir? Não conheço essa figura, nunca o vi. Ele terá
que provar o que está dizendo. Isso é a mostra da inconsequência dos
tempos que vivemos", diz o texto.
O Grupo Comporte, do qual a BR Vias faz parte, disse, em
nota, que reafirma que "segue colaborando com as autoridades para o
total esclarecimento dos fatos".
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