Epidemia de balas perdidas precisa ser contida
É fundamental planejar as ações, usando
inteligência e cooperação com outros órgãos, inclusive federais, como já
foi feito, para combater o tráfico de drogas
O Globo
Uma adolescente de 14 anos é a mais recente vítima da epidemia de balas
perdidas que aflige o Rio. Na manhã de ontem, ela estava dentro do
Colégio Estadual Ricarda Leon, em Belford Roxo, na Baixada Fluminense,
quando foi atingida nas costas, tendo o pulmão perfurado. A PM alegou
que, no momento em que a menina foi ferida — ela está internada no
Hospital Geral de Nova Iguaçu —, traficantes trocavam tiros numa favela
da região.
Menos de 24 horas antes, um outro episódio chocara a cidade. No fim
da tarde de anteontem, Vanessa Vitória dos Santos, de 10 anos, morreu
após ser atingida por um tiro na cabeça quando estava dentro de casa, na
comunidade Camarista Méier, onde está instalada uma das 38 Unidades de
Polícia Pacificadora do estado. Segundo vizinhos, policiais perseguiam
bandidos quando a menina foi baleada. O subcomandante da UPP, tenente
Marco Luiz, ficou ferido na ocasião.
Os dois casos se somam a outro episódio dramático ocorrido nos
últimos dias. Na Favela do Lixão, em Duque de Caxias, Claudineia dos
Santos Melo, que estava grávida, foi alvejada por uma bala perdida que
atingiu também seu bebê, Arthur. Claudineia está internada no Hospital
Moacyr do Carmo, e Arthur luta pela vida no Hospital Estadual Adão
Pereira Nunes. Segundo os médicos, o bebê sofreu lesões graves. Ainda
não se sabe de onde partiu o tiro.
O caso de Claudineia, por si só, já deveria ter levado as autoridades
do estado a reverem sua política de segurança e as estratégias da
polícia — se é que elas existem. Independentemente da origem do disparo,
não há argumentos que expliquem o fato de um bebê se tornar vítima da
violência antes mesmo de nascer. Esta é uma marca indelével no sangrento
prontuário do Rio.
A sucessão de tragédias faz com que a violência se banalize. E, tão
chocante quanto as histórias ouvidas a cada dia, é a letargia do governo
para impedir essa fábrica de balas perdidas.
A tática de confrontos tem se revelado desastrosa. Tampouco
resolverá blindar paredes ou levantar muros de escolas, até porque
crianças têm de se deslocar até elas. Desde o início do ano letivo, a
violência provocou o fechamento de 379 das 1.537 escolas da rede
municipal ao menos uma vez.
A polícia precisa ter um levantamento sobre os casos de balas
perdidas, para saber onde, quando e por que acontecem. De modo que possa
agir a partir de uma base. É fundamental também planejar as ações,
usando inteligência e cooperação com outros órgãos, inclusive federais,
como já foi feito, no combate ao tráfico. O projeto das Unidades de
Polícia Pacificadora, que privilegiava o policiamento de proximidade, em
detrimento dos confrontos, tem de ser urgentemente recuperado.
E o governo federal precisa fazer a sua parte. Afinal, as armas que
alimentam a guerra do Rio entram no estado por fronteiras, portos e
aeroportos vulneráveis. Muitas vezes pela porta da frente.
Acima de tudo, estado e União precisam agir. O que até agora não têm feito.
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