O caso dos favelados no Rio de Janeiro: agressão, ressentimento ou alienação?
Sergio de Mello - IL
Theodore Dalrymple deixa claro que o problema não é a discriminação
em si mesma. O problema é que autênticas discriminações preconceituosas
despertam o sentimento generalizado de injustiça em massa, o que acaba
gerando uma mudança de sentido na palavra e, por consequência, no
imaginário ou subconsciente popular, alienando-o, impedindo toda e
qualquer discriminação ou preconceito legítimo de parte de pessoas
bem-intencionadas. Por resultado, tem-se que o taxado de preconceituoso
vira mesmo um preconceituoso sem o ser, sendo condenado sumariamente e
sem qualquer tipo de defesa.
Chega a ser trágico um mesmo fato ser interpretado de forma tão
diferente ou tão contrária, por seres humanos que se dizem tão
temperados e equilibrados. É impressionante existirem versões tão
diferentes para um mesmo caso. É que a diferença está no coração de cada
um. É que a sujeira está no coração e não na mente. Aqueles menos
suscetíveis ao engano pensam muito, e refletem, antes de lançar qualquer
interpretação errônea, enquanto os do senso comum se deixam levar pela
massa.
Um colégio pediu para que seus alunos do 4º ano viessem vestidos de
“favelados do Rio de Janeiro” para um evento em um determinado dia.
Claro que isso viralizou na internet e acabou gerando
descontentamento por parte de todos, inclusive de quem não tem nada a
ver com o caso. Depois, o colégio se desculpou e informou que o evento
desse ano teria como tema a Cidadania Solidária, que versa sobre
desigualdades sociais, tendo ocorrido um mero equívoco na escolha das
palavras. Ainda, a escola disse que o evento tem por fim expor
movimentos de cidadania e que o título foi baseado na música dos
Paralamas do Sucesso chamada “Alagados” que se refere à Maré, uma das
maiores favelas do Rio de Janeiro. Essa notícia foi veiculada também
pelo portal G1.
Ainda de acordo com a notícia veiculada pelo portal G1, alguns pais
de alunos não se sentiram ofendidos, porque não viram qualquer resquício
de preconceito. Enquanto outros sim sob o argumento de que já foram
vítimas de preconceito antes.
Será que todo aquele que grita negro!, gay!, é racista ou homofóbico?
Será que esse grito, que parece ser de ofensa, criminosa, diga-se de
passagem, realmente reflete a verdadeira intenção do seu agente
perpetrador ou mais é o que vê ofendido já alienado pela vitimização?
Será que não é o imaginário corrompido do suposto ofendido? Reflete mais
o que pensa o ofensor ou mais o que sente o ofendido? O ofensor assim
agiu porque é mesmo racista ou homofóbico ou para que o ofendido apenas
se sinta agredido?
Hoje tudo vira preconceito. O sentimento de injustiça retroalimentado
por grupos é tão forte que nada fica de fora de mantos protecionistas
políticos. Aí, um simples ato, até mesmo um pequeno equívoco, acaba se
tornando o mais hediondo de todos os delitos contra a pessoa humana. Até
explicar que focinho de porco não é tomada, reputações foram
aniquiladas nesse cenário grotesco de vida ou morte entre estranhos que
são farinha do mesmo saco. A propósito, lembrando que por natureza todos
são iguais, mesmo que a vontade ideóloga diga o contrário.
Por outro lado, buscando sempre os dois lados da balança, pelo que se
lê dos textos que veicularam a notícia, se pode dizer que existe
preconceito na situação, esse sentimento também deveria ser visto por
outro lado. Ou seja, houve separação entre favelados, que deveriam vir
vestidos de bermuda, chinelo, boné e óculos escuros, e médicos,
advogados e empresários. E apenas quem foi que se sentiu ofendido? Os
ditos favelados. Os outros não. Autêntica separação de classes, com
aquele velho e conhecido propósito maniqueísta, colocando os favelados
do lado do bem e todo o resto (pessoas mais abastadas) do lado do mal.
Mas quem se sentiu ofendido? Lógico que aqueles que se dizem
representantes do lado do bem, os favelados!
Não se pode deixar de reconhecer que a escolha “favelados do Rio de
Janeiro”, especificamente “favelados”, foi um tanto quanto imprudente,
no mínimo. Digo imprudente porque o responsável por esse escolha, com
esse nome, deveria primeiro ver que estamos em tempos de modernidade,
que é praticamente preconceituosa com “preconceitos” que mais são
tradições e princípios do que repúdio a contrários. Assim, poderia ter
evitado isso tudo com escolha de nome menos impróprio. Para esses e
outros imprudentes, um alerta sério: nossa sociedade se diz plural, mas
não é! O dever ser constitucional do pluralismo social ainda não existe,
e todos que estão do lado do “bem” são aceitos e os do lado do mal,
não!
A modernidade é um sério problema civilizatório de nossos dias
atuais. Já não vem de hoje que a somatização das mazelas da modernidade,
em cada pessoa, em cada grupo, está mais para a destruição do que para a
construção e edificação humanas. O resultado disso tudo, a abolição do
homem, que até mesmo serviu de lastro para o título de uma grande obra,
de um grande homem de Deus, C.S. Lewis, confirma que as previsões, para
alguns profecia, para outros conspiração ou astrologia, ou constatações
fáticas de quem pensa em si e no legado civilizatório, paulatinamente
estão se cumprindo. Não há como negar que o mundo hoje está de pá
virada, de cabeça para baixo. E a grande maioria dos seres viventes,
meros seres viventes, acham isso tudo a coisa mais bonita do mundo.
Coitados, ledo engano!
Creio, vejo e sinto que um dos maiores problemas do atual Estado e
sociedade moderna é o preconceito. Não digo o preconceito naquela
inspiração divina de Theodore Dalrymple, de ele sendo um fenômeno
necessário e tendo que ser defendido por todos para uma vida melhor,
para a conservação de nossos bens sociais mais valiosos, princípios
morais, tradições, costumes, etc. Afirmo, em relação a esse texto, sobre
o preconceito como ele se dá nas vítimas, como ele se apresenta e se
manifesta naquelas que se dizem as próprias vítimas desse mal social.
Será que o preconceito estão tão generalizado assim?
Não ouso dizer, e nem penso assim, que preconceito não existe.
Preconceito existe e está na nossa cara. Porém, ele não é tão monstruoso
assim, não existe em todas as pessoas e em todas as manifestações
taxadas com esse tipo de crime. Além disso, e o que é pior, serve de
instrumental de ataque para uma agenda política e cultural bem
estruturada e armada contra os contrários ao senso comum. Quando ele
serve a pessoas ou grupos como uma pauta de conduta humana, aí poderemos
sentir que ele é socialmente nocivo. Em vez de ajudar, ele acaba
destruindo as relações sociais que devem ser sadias. Nesse ponto, creio
ser verdade o que já quase virou um ditado popular: a sociedade está
doente! Eu digo que está doente, em parte e olhando por cima, por causa
do preconceito.
Como disse, de fato, o preconceito existe. Mas, na grande maioria dos
casos, a vítima é mais criada ou institucionalizada pela política e
cultura protecionista do que uma autêntica ofendida. A sensação de
ofensa vem mais do imaginário do ofendido, que hoje está alienado, do
que de um legítimo sentimento de injúria.
Se alguém dissesse que em julho é frio aqui no Brasil e em janeiro é
quente, todo santo ano fazendo isso para mostrar que não tem preconceito
algum, não tem nada de arraigado ou de costume, a consequência é que
esse sujeito acabaria sendo taxado de louco. Louco sim, preconceituoso
jamais!
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