As deformações no projeto da reforma política
Depois do show de barganhas para a votação da
denúncia a Temer, Congresso exorbita ao deformar propostas a fim de
tornar o sistema político de fato representativo
O Globo
O Congresso continua incansável no trabalho de degradar ainda mais a
imagem dos políticos. Houve aquele festival de fisiologismo nas
barganhas com o Planalto para estancar a acusação da Procuradoria-Geral
da República contra o presidente Michel Temer. Algo como R$ 5 bilhões
ficaram comprometidos em emendas de deputados de todos os partidos. O
Planalto retruca, lembrando que emendas passaram a ser compulsórias.
Meia verdade, porque ficou evidente a relação da manobra com votos dados
para impedir que o Supremo examinasse a denúncia de corrupção passiva.
Inclui-se neste conjunto de obras nada edificante a proposta de
reforma política, em tramitação acelerada na Câmara para ser aprovada
até 7 de outubro, ainda a tempo de vigorar nas eleições do ano que vem. O
prazo é apertado, porque as propostas ainda precisam ir ao Senado e,
por haver projetos de emendas constitucionais, necessitam de votação em
dois turnos, em cada Casa.
Propostas razoáveis estão sendo desidratadas, e ainda há um ataque
bilionário ao Tesouro, com a criação de um fundo eleitoral de R$ 3,6
bilhões, que se soma ao antigo, de R$ 800 milhões, em plena crise
fiscal, desemprego e queda de renda da população. Insano.
A cifra bilionária inicial crescerá à medida que a economia reagir,
pois ele equivale a 0,5% da receita corrente líquida da União. É certo
que democracia tem o custo, mas é preciso baixá-lo. A ausência de
pessoas jurídicas que financiem campanhas, por decisão do Supremo, é a
justificativa para este avanço sobre o Tesouro. Mas ninguém pode
garantir que deixará de existir o caixa 2. Quando vigorava esta
proibição, existia.
Grande demonstração de esvaziamento de um projeto é dada na
instituição de uma cláusula de desempenho, para que apenas partidos com
um mínimo de votos atuem no Legislativo com todas as prerrogativas.
Muito justo, como acontece em fortes e longevas democracias.
A cláusula aprovada em 1995, depois derrubada no Supremo em dezembro
de 2006, pouco antes de entrar em vigor, era de 5% do total de votos
dados a deputados, em no mínimo nove estados. Depois, ministros que
apoiaram a tese da inconstitucionalidade reconhecerem o erro, por
permitir a proliferação de legendas sem qualquer representatividade, que
vivem de barganhas fisiológicas e do dinheiro do fundo
político-eleitoral.
Emenda constitucional aprovada no Senado, e no momento na Câmara,
estabelece cláusula de 2% dos votos, em no mínimo 14 estados. Mas os
deputados acabam de cortar o índice para 1,5%, ou nove deputados
eleitos. Na fórmula inicial, estimava-se que 13 partidos continuariam
representados no Congresso, com as eleições de 2018. Neste pleito, com
1,5%, seriam 18. A cláusula aumentará a cada quatro anos até chegar a
3%, no longínquo 2030. Pairam ainda sobre o sistema eleitoral a ameaça
do distritão — feito sob medida para políticos conhecidos e
personalidades em geral — e a criação de “federações” de partidos, para
congregar legendas pequenas, a fim de que possam cumprir a cláusula. São
criadas já para as campanhas, e nisso fazem lembrar as coligações em
pleitos proporcionais, que transferem voto de eleitor sem que ele saiba.
As coligações acabarão só em 2022. Depois, as “federações” devem
substituí-las, em alguma medida. Tudo tem ares de uma contrarreforma.
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