quinta-feira, 17 de agosto de 2017

As fraldas do Congresso Nacional
No momento em que o déficit fiscal atinge aproximadamente R$ 160 bilhões, a criação do FFD é um acinte
Gil Castello Branco - O Globo
O americano Roger von Oech, considerado um especialista em inovação, costuma repetir frase curiosa: “Quem gosta de mudança é bebê molhado”. Em sendo assim, os brasileiros estão ansiosos para que lhes troquem as fraldas.
Os sinais são evidentes. A pouco mais de um ano das próximas eleições para a Presidência da República, governos estaduais e Congresso Nacional, 94% dos eleitores não se sentem representados pelos políticos em quem votaram (Instituto Ipsos). A estatística é confirmada por pesquisa da Ideia Big Data, na qual 79% dos entrevistados afirmaram que gostariam de ver cidadãos, de fora da política, candidatos em 2018. Em outra indagação, 59% dos cidadãos disseram que gostariam que o(a) próximo(a) presidente do Brasil não fosse nem do PMDB, nem do PSDB e nem do PT. Essas respostas, dentre muitas outras, caracterizam a rejeição quase generalizada à classe política, independentemente de partido.
Os nossos parlamentares, porém, insistem em legislar conforme os próprios interesses pessoais e partidários, ignorando, completamente, o que pensam os eleitores. E tome casuísmo! A reforma eleitoral atualmente debatida na Câmara dos Deputados, por exemplo, decorre de ato do presidente da Casa, de 4 de maio de 2017, que criou uma Comissão Especial destinada a proferir parecer à Proposta de Emenda à Constituição nº 77-A, de 2003! Estão discutindo em quatro meses tema que não avançou em 14 anos. E tudo tem que ser às pressas, até no máximo o fim de setembro, para que as regras já possam valer no próximo ano! Regras que os beneficiem, é claro...
Na discussão da reforma eleitoral, ao invés de debaterem a redução do custo das campanhas, propõem a criação do FFD, o Fundo Especial de Financiamento da Democracia, no montante de 0,5% da receita corrente líquida apurada no ano anterior, o que irá somar cerca de R$ 3,6 bilhões nas bases atuais com a receita murcha. Quando a economia voltar a crescer, o valor subirá automaticamente. A “bolada” será distribuída pelo Tribunal Superior Eleitoral aos órgãos de direção nacional dos partidos, que estabelecerão os critérios para a repartição do dinheiro. Ou seja, os atuais caciques — em sua maioria atolados na Lava-Jato — irão escolher a quem destinar os recursos.
E, pasmem, a esse valor se somariam os R$ 800 milhões (R$ 819,1 milhões em 2017) do Fundo Partidário hoje existente e a renúncia fiscal para que TVs e rádios transmitam o horário eleitoral (cerca de R$ 600 milhões, em anos eleitorais). É oportuno lembrar que, segundo o TSE, as eleições gerais de 2014 custaram aproximadamente R$ 5,1 bilhões, sem contar o caixa 2 e as propinas. Não por acaso, se somarmos o FFD, com o Fundo Partidário e com a isenção fiscal do horário eleitoral, chegaremos a cerca de R$ 5 bilhões. A pretensão dos políticos, portanto, é apenas substituir o financiamento privado pelo público, em montante semelhante. A ideia predominante parece ser “mudar” para tudo permanecer como está. As eleições brasileiras estão entre as mais caras do mundo.
No momento em que o déficit fiscal atinge a aproximadamente R$ 160 bilhões, a criação do FFD é um acinte. Com R$ 3,6 bilhões é possível construir 1.895 creches, que atenderiam 300 mil crianças, ou 1.018 escolas com capacidade de atender 439 mil alunos por turno! Na área da saúde, o Fundão dos políticos corresponderia à construção de 2.571 Unidades de Pronto Atendimento (UPA) ou à aquisição de 29.328 ambulâncias. Em outra comparação, em 2016 o gasto integral da União com saneamento urbano e rural foi de R$ 3,2 bilhões, valor R$ 400 milhões inferior às cifras do tal FFD. Na verdade, o fundo que as excelências pretendem para financiar a política, bancado ou não por emendas parlamentares, é um verdadeiro escárnio com a democracia. Enquanto isso, dirigentes dos partidos voam em jatinhos alugados, e a isenção fiscal banca propagandas repetidas em horário nobre da TV.
Com a dinheirama do novo fundo associada ao “distritão”, os atuais mandatários, que já possuem exposição na mídia e têm boas relações com os caciques partidários, levariam vantagem sobre os novos candidatos. Mudar para quê, devem pensar os políticos?
A indignação dos brasileiros, entretanto, é enorme. Se não está nas ruas, está presente nas redes sociais e na alma. As consequências, muito provavelmente, serão vistas nas próximas eleições. Voltando aos bebês, não custa lembrar a frase atribuída a Eça de Queiroz: “Políticos e fraldas devem ser trocados de tempos em tempos, pelo mesmo motivo”. Assim seja, em 2018!

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