quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Democracia, moral e reforma política
Não deve haver lugar para iniciativas que facilitem a reeleição, contrariando o sistema democrático. Ato parlamentar em causa própria foge à diretriz constitucional
 
O Congresso Nacional saiu fora (sic) da órbita e ultrapassa os limites do justo ou razoável quando, com o objetivo de aprovar uma autorreforma, usurpa a soberania do povo e fere o artigo 1º da Constituição Federal, cujo sistema de representação, segundo o Artigo 14, só poderá ser alterado por plebiscito. O “distritão” ou “semidistritão”, ao incentivar o descasamento entre a representatividade social e a parlamentar, contribui para a confusão geral por facilitar a reeleição de deputados. A Câmara parece com um tio às vezes ranzinza, mas essencialmente generoso com seus afilhados. Como todo mundo espera, afinal entrega os pontos e passa o dinheiro, dá a autorização ou concede bênçãos e, então, volta à cadeira de balanço para outro ano de sonolência, interrompido apenas por um olhar ocasional à rua e um resmungo de dúvida se fez a coisa certa.
Por textos constitucionais expressos, a nossa ordem política tem que se basear na liberdade, na ordem social e econômica, na justiça e no trabalho. Não deve haver, assim, lugar para iniciativas que visam a facilitar a reeleição de deputados, atitude que contraria o sistema democrático. Todo ato parlamentar em causa própria foge à diretriz constitucional e cria o fermento da revolta, que cresce no espaço escuro formado pelo desnível entre o plano da lei e o plano da realidade.
Na base da organização política, fixamos os princípios da ordem social, irremovível fenômeno do nosso tempo. Na justiça social, na liberdade de iniciativa, na valorização do trabalho, na ética devemos assentar as instituições nacionais. Vivemos, hoje, uma crise que indica o esgotamento do Estado brasileiro: a insustentabilidade do contrato social da Constituição; a captura do Estado por grupos empresariais e corporativos; a ineficiência estrutural na gestão pública, potencializada pela corrupção em larga escala e o declínio da confiança no Congresso.
O sistema político, como conhecemos, entrou em falência. O chamado “presidencialismo de coalizão”, no seu colapso, trouxe à luz um Estado aparelhado por gangues entre ideológicas e morais. Procuremos com serenidade o ponto de convergência dessas linhas de ideias, que se transformaram perigosamente em linhas de interesse. Nessa conjuntura está a posição reclamada pelo pensamento e pela justiça. Poderá se dizer que aí está uma solução de meio-termo, odiosa aos olhos dos arrebatados e por demais serena numa hora dominada pelos ímpetos do fanatismo e de interesses de toda ordem. Mas tenhamos coragem de assumir a posição intermediária, não pela passividade dos que não querem combater, mas pela disposição de não eliminar de nosso país valores que, de um e outro lado, se afirmaram nos espíritos e aí deitaram raízes profundas. É dever de todos os responsáveis lutar contra o progressivo esvaziamento da democracia de seu conteúdo moral, com risco de transformá-la no reino da demagogia e da corrupção, que são irmãs pela sua mesma origem na impostura e ora falam aos ingênuos pela mentira das promessas, ora falam aos fracos pela mentira do dinheiro.
Daí o erro de consequências sinistras dos que esvaziam a ordem democrática do sentido ético, atentos à organização de interesses particulares, e não à ordem social. O distritão ou qualquer modelo semelhante não é adotado em nenhuma democracia avançada e não deve ser adotado por ser espúrio e imoral.

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