segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Devagar com o andor
A reforma política que se desenha é um deboche. No Brasil, teria um único objetivo: facilitar a reeleição, e a imunidade parlamentar, de gente mais suja do que pau de galinheiro

Mesmo nas sociedades de classes mais injustas, existem mecanismos que legitimam a dominação, que não se dá apenas pela coerção. Esses mecanismos são, ainda, mais necessários em sociedades complexas como a brasileira, com mais de 200 milhões de habitantes. Por isso, aqui, até a ditadura militar se preocupou em manter aparências. Torturou e assassinou opositores, mas na maior parte do tempo manteve o Congresso aberto, ainda que emasculado.
Verdade que, às vezes, os mecanismos de legitimação beiravam o ridículo, como quando o Congresso era reaberto para docilmente coonestar decisão tomada pelas Forças Armadas, “elegendo” o general escolhido por seus pares para o papel de ditador. Mas cumpriam uma função: procuravam descaracterizar a existência de uma ditadura aberta. O regime era apresentado, dentro e fora do país, como um tipo de democracia, digamos, “relativa”, para usar expressão do general Geisel. O mesmo que, certa vez, mostrou indignação ao ver a “democracia” brasileira comparada à de Uganda.
Pois bem, não vou sugerir a leitura de Antonio Gramsci à turminha braba que hoje governa o país. Seria perda de tempo. Mas não custa lembrar algo.
É preciso que a institucionalidade permita válvulas de escape, minimamente que sejam, para os anseios da sociedade. Vejam: eu disse minimamente. Sei das limitações da democracia num país com tamanhas desigualdades sociais. Sei que o exercício da cidadania política é fortemente limitado para aqueles que não têm pão, trabalho, casa, segurança ou outros direitos mínimos.
Mas é bom não abusar.
Não que a falta de legitimidade leve automaticamente a uma revolução que ponha abaixo as estruturas injustas. Se fosse assim, menos mal. Mas pode levar a explosões sociais descontroladas que radicalizem o clima de barbárie e que não interessam a ninguém. Nem mesmo aos de cima.
Como alguma vez afirmou Artigas, herói uruguaio: “O hay pátria para todos, o no hay pátria para nadie”.
É bom que a cleptocracia instalada no poder e mais preocupada em defender os interesses dos já muito ricos — banqueiros, rentistas, agronégócio —, mais voltada para retirar direitos dos trabalhadores e para barrar as investigações sobre a corrupção, pense nisso.
A reforma política que se desenha — com o tal “distritão”, sistema que existe em apenas quatro países no mundo: Ilhas Pitcairn, Vanuatu, Jordânia e Afeganistão, nenhum deles exemplo de democracia — é um deboche. No Brasil, teria um único objetivo: facilitar a reeleição, e a imunidade parlamentar, de gente mais suja do que pau de galinheiro.
Mesmo o parlamentarismo, que em determinados países pode ser aceitável, hoje em nosso país significaria apenas retirar das mãos do povo o direito de escolher seu governante, deixando-o nas mãos de um Congresso desmoralizado.
O Brasil não é uma republiqueta de bananas. É uma sociedade complexa e diversificada. Não aceitará que as instituições políticas se apartem mais e mais do país real.

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