Distritão cria dilemas insuperáveis para partidos
Marcus Melo - FSP
O distritão é péssimo, mas não pelas razões frequentemente apontadas.
O distritão, ou SNTV (voto único não transferível, como é conhecido
internacionalmente), não levará a campanhas mais caras, desperdício
massivo de votos. Tampouco levará a uma redução no número de partidos,
nem garantirá apenas a sobrevivência dos partidos maiores.
O cientista político americano Gary Cox, em contribuição seminal para a
matemática dos sistemas eleitorais, apresentou a prova formal de que o
SNTV e a representação proporcional baseada no sistema D'Hondt para o
cálculo das sobras do quociente (utilizado no Brasil) produzem
resultados equivalentes.
Ou seja, como temos distritos eleitorais gigantescos (variando de 8 a
70), o distritão na prática levará aos mesmos resultados do atual
sistema.
Os partidos pequenos não serão afetados pelo distritão, salvo se uma cláusula de desempenho for também aprovada. O distritão inibe a renovação dentro dos partidos, mas não afeta a viabilidade de pequenas legendas.
Numerosos trabalhos acadêmicos já foram realizados sobre o distritão. As
causas de sua ineficiência são conhecidas e pouco têm a ver com as
apontadas no debate público. A mais importante é que o sistema cria
dilemas de coordenação quase insuperáveis para os partidos.
Um caso hipotético para ilustrar. Se indivíduos muito populares (por
exemplo o juiz Sergio Moro ou o ex-presidente Lula), capazes de atrair o
sufrágio de 10 ou 20 vezes o quociente eleitoral do Estado de São Paulo
(300 mil), fossem candidatos, suas legendas seriam instadas a convencer
seus eleitores a não votar neles, sob o risco de não eleger vários de
seus parlamentares e no limite ver o número de eleitos se reduzir.
Qualquer voto adicional será um voto perdido, e o número ideal de votos para cada candidato é muito difícil de ser estimado. O partido teria um dilema entre promover certas candidaturas muito populares e ao mesmo tempo reduzir seu apelo.
Essa consequência bizarra –um partido instruir seus eleitores a limitar
os votos nos seus candidatos– cria problemas severos de
responsabilização e de comunicação.
Apenas partidos muito fortes como o Kuomintang de Taiwan ou LDP do
Japão, onde o sistema foi adotado entre 1948 e 1993, puderam mitigar os
problemas.
O Kuomintang instruiu seus eleitores a votar nos 5 candidatos de um
distrito, segundo os últimos números de suas carteiras nacionais de
identidade (se 1 ou 2, vote no candidato X etc.). O risco de
subestimação das respostas é alto e dependerá de disciplina enorme dos
membros.
Esse esforço de coordenação em distritos de grande magnitude como no Brasil criaria problemas insanáveis.
A segunda fonte de ineficiência é a inexistência de agregação de votos,
cujos efeitos sobre os partidos são positivos. As estimativas de votos
desperdiçados que têm sido apresentadas no debate público exageram
enormemente o problema ignorando dois aspectos fundamentais.
Em primeiro lugar, o distritão, se adotado, produzirá uma gigantesca
redução no número de candidaturas (dos quase 7.000 candidatos a deputado
federal para cerca de 700), o que baratearia provavelmente as
campanhas.
Muito provavelmente o número de votos desperdiçados sofreria uma redução
proporcional de em torno de 90%, e consequentemente o número de votos
desperdiçados seria muito baixo.
Em segundo lugar, a mudança da regra eleitoral também produzirá
alteração no comportamento dos eleitores. Eles irão votar apenas em
candidatos viáveis e ajustarão seu comportamento estrategicamente. O
suposto de que as regras mudarão, mas os eleitores não, focaliza o
equilíbrio parcial ignorando o equilíbrio geral do sistema.
Acontece que o distritão não vem sozinho. A proposta também inclui o
megafundo eleitoral e cláusula de desempenho. Combinados, os seus
efeitos são a fórmula perfeita para garantir a perpetuação dos atuais
titulares dos cargos.
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