quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Judeus brasileiros preferem Israel, perto da guerra, a Brasil fracassado

Arquivo pessoal
27/11/2016 MUNDO Familia de David Zeituoni em Israel. Foto: Arquivo pessoal
David Zeitouni (esq.), que se mudou com sua família do Brasil para Israel em 2016
Clóvis Rossi - FSP
Na comunidade judaica de São Paulo, circula já há algum tempo uma charge que mostra Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva agitando bandeirinhas de Israel, com a legenda: "Muito obrigado. Conseguiram em alguns anos o que a Agência Judaica não conseguiu em décadas".
É uma alusão ao fato de que a partir de 2014, explodiu a emigração de judeus brasileiros para Israel, proeza não obtida pela Agência Judaica, exatamente a encarregada de estimular a aliá, um termo que significa ascensão espiritual mas é mais comumente usado como emigração para Israel.
Os números são eloquentes e contam uma triste história da crise brasileira e de seus efeitos: em 2015, 496 judeus brasileiros partiram para Israel ou 77% mais do que no ano anterior. Em 2016, foram mais ainda (684). E, este ano, até maio, 346 ou 29% mais do que no mesmo período de 2016.
É claro que há emigração de brasileiros para outros países, em especial Estados Unidos e Portugal, mas o fenômeno entre os judeus chama a atenção por duas particularidades: primeiro, a sólida implantação no Brasil de uma comunidade de aproximadamente 110 mil pessoas, a maioria em São Paulo.
"Nós fomos muito bem recebidos no Brasil e devemos nossa lealdade à esta nação", disse Bruno Laskowsky, presidente da Federação Judaica de São Paulo, ao jornal digital "Times of Israel".
Sair de um lugar em que foram bem recebidos para um país que está tecnicamente em guerra com dois países (Líbano e Síria) dos quatro com os quais tem fronteiras é um passo que exige alto grau de angústia na terra em que se vive.
Falar "tecnicamente em guerra" parece apenas um rótulo burocrático, mas senti na pele o grau de hostilidade do Líbano, ao pedir visto de entrada no país, anos atrás, para cobrir visita oficial do então chanceler Celso Amorim.
Entreguei o passaporte no consulado, o funcionário do guichê sumiu com ele para uma sala interna e voltou muito tempo depois com a negativa: não podia dar o visto porque meu passaporte tinha um carimbo de Israel, "país inimigo".
Se negam visto a um jornalista de país amigo (do Líbano e de Israel), fica fácil imaginar a hostilidade em relação aos judeus habitantes do vizinho "país inimigo".
A angústia que sentem os judeus no Brasil é causada pela "falta de perspectivas profissionais, queda no nível de vida, falta de segurança, uma visão diferenciada de valores (lá, cada um vale pelo que é, não pelo que tem)", diz a jornalista Silvia Perlov, assessora de imprensa do Congresso Judaico Latino-Americano.
Ela própria confessa estar pensando em emigrar, ainda mais depois que três amigas de sua sobrinha de 16 anos partiram para Israel.
A queda no nível de vida aparece em caso contado pelo blogueiro Sergio Beni Luftglas, que faz também bicos como figurante em novelas e filmes: a produtora de um filme com temática judaica lhe pediu que conseguisse judeus para figuração. "Choveram candidatos para o bico de R$ 150 a diária", relata Sergio.
É compreensível, portanto, que a comunidade busque um país como Israel, mesmo sabendo que por lá acontecem quase diariamente atentados a faca ou usando veículos contra judeus só por serem judeus.
Mas também nesse capítulo, Israel leva vantagem: "Israel tem baixo nível de violência, com apenas dois homicídios por 100 mil habitantes", disse o cônsul em São Paulo, Dore Goren, ao "Times of Israel" (em São Paulo, maior concentração de judeus, o índice é seis vezes maior).
Tudo somado, fica claro que a profunda crise brasileira produziu um efeito menos presente nas manchetes mas que é igualmente revelador: de país de acolhida, o Brasil está se tornando país de emigração. Ou, posto de outra forma, está fracassando.

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