terça-feira, 22 de agosto de 2017

O lugar da direita
Bolsonaro seria hoje receptáculo quase exclusivo dos milhões de votos antipetistas; logo, polarizando, com reais chances de chegar ao segundo turno contra Lula 
Carlos Andreazza - O Globo 
Jair Bolsonaro é o único pré-candidato a presidente declaradamente de direita. Mais: é o único em cujo discurso a segurança é tratada como prioridade. Ele é também aquele que bate mais fortemente — e há mais tempo, desde quando não era fácil — em Lula.
A expressiva posição em que aparece nas pesquisas para 2018 decorre da combinação popular entre essas posturas; advém dessa costura de afirmações políticas singulares, cuja tessitura influente — e sem agulhas concorrentes — já se expusera na eleição de 2014, da qual saiu como o deputado federal mais votado do Rio de Janeiro.
O Brasil bem-pensante ainda não atentou para Bolsonaro; mas ele é uma resposta genuinamente brasileira — produto de uma população difusamente conservadora, imposta, porém, a uma agenda progressista que nem raramente abarca as reais preocupações daqueles a quem propagandeia defender.
Aqui não importa o que rigorosamente seja — um militarista, um autocrata. Bolsonaro é uma realidade encaixada no senso comum. Ponto. O entendimento público o absorveu como representante conservador. Trata-se de assimilação incontornável. Sua persona pública é solidamente lida desde esse chão. É a partir daí que concorrerá — e com possibilidades de expandir domínios. Bolsonaro singra sozinho o mar da percepção conservadora — e tanto mais crescerá quanto por mais tempo navegar sozinho. É, pois, o principal beneficiário da sangria em que se desmancham os tucanos.
Aqui tampouco importa o que verdadeiramente seja o PSDB: social-democrata — de centro-esquerda, portanto. Como consequência de ações econômicas de natureza liberal (o programa de privatizações, por exemplo), ainda que feitas sem convicção ideológica por Fernando Henrique Cardoso, o establishment político deu ao partido a casinha da direita, a direita permitida, oficial — e é com o PSDB que Bolsonaro, cedo ou tarde, disputará eleitores.
Disputará?
Seria nada mais que a disputa decisiva, se estiver certa a análise, à qual me alinho, de que estão plantadas as condições para que o próximo presidente ascenda do campo da direita — precisamente, do que se chama de centro-direita, terreno vago há anos. Direitista solitário na corrida, e ainda que deliberadamente afastado do centro, Bolsonaro é o maior favorecido pela inexistência de representação conservadora moderada no Brasil.
Ele está em campanha e, sem rivais, avança para consolidar seu alcance sobre as direitas. (Ou será apenas a esquerda a ter esquerdas?) Sem que haja ainda quem batalhe pelo latifúndio eleitoral que cultiva sem precisar de cercas, Bolsonaro seria hoje receptáculo quase exclusivo dos milhões de votos antipetistas; logo, polarizando, com reais chances de chegar ao segundo turno contra Lula.
Em política, não existe vácuo — não um que espere pela maturidade do PSDB. Assim, alguns espaços que — quase por inércia — sempre foram do partido, mas que estão negligenciados pela inação tucana, vão ora ocupados, talvez ainda provisoriamente, pelo movimento do novo ator em que Bolsonaro consiste. Sem adversários à direita, ele se alastra e se apropria. A política também tem sua modalidade de usucapião.
O PSDB ainda não atentou para Bolsonaro; mas a presença competitiva do deputado é fato novo contra a acomodação alienada do partido — resposta eleitoral brasileira a quem repetidamente rejeita representar o brasileiro real, defendendo o parlamentarismo na TV enquanto o cidadão, diariamente extorquido por milicianos, depende da boa vontade de traficantes para sobreviver.
Bolsonaro fala diretamente a esse indivíduo — e prospera. Os tucanos mal falam entre si — e se atrasam em erros sucessivos. Nada mais precisaria ser escrito a respeito se considerarmos que a guerra no PSDB pela candidatura presidencial provavelmente se estenderá até a data última das convenções partidárias em 2018. No curso desses longos meses de fratricídio, também é provável que o partido, enchendo novamente o tanque petista, continue a assumir erros e a se desculpar em rede nacional, e que o faça — a pouco mais de um ano das eleições — sem mostrar outra liderança que não a de um senhor de idade como FHC. Nesse período, é certo que o PSDB permanecerá no governo Temer dessa forma frouxa, covarde, que não cerra fileiras com o presidente, a quem critica em horário nobre, mas em cuja administração mantém ministérios — o que é a própria definição da falta de caráter, daí porque também firme opção pela irrelevância no debate público.
Nesse conjunto miserável, tragados pela incapacidade crônica de o PSDB compreender sequer modestamente o momento histórico, são grandes as chances de Geraldo Alckmin e João Doria se negarem, como se têm negado, a assumir declaradamente o lugar que o eleitorado implora a que alguém ocupe, o, repito, da centro-direita — lá de onde qualquer um dos dois (o mesmo serve ao Partido Novo) empurraria e restringiria Bolsonaro a seu extremo natural.
Esse é o lugar para 2018. Mesmo que sem convicção, mesmo que sem ser, aquele que se vestir de centro-direita vencerá. Sozinho, como se vê, Bolsonaro nem precisaria se fantasiar.

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