Os interesses que adulteram a reforma política
Políticos dão grandes demonstrações de
criatividade ao incluir na proposta uma série de dispositivos cujo
objetivo é atender a grupos que atuam nas legendas
O Globo
As negociações sobre a reforma política transcorrem de forma intensa,
porque tudo precisa estar aprovado até 7 de outubro, para vigorar em
2018. E ideias variadas vão se sucedendo. Para acomodar diversos
interesses e apressar as votações, os políticos têm dado grandes
demonstrações de criatividade. Por isso, o Congresso terminou se
afastando da única via sensata: que seria uma reforma tópica, centrada
no estabelecimento de cláusula de desempenho, para acabar com a
proliferação de partidos com acesso a todas as prerrogativas das grandes
e médias legendas; e a extinção das coligações em pleitos
proporcionais, a fim de só serem eleitos candidatos escolhidos de fato
pelo eleitor, e não mais por sobras de votos destinados a nomes
conhecidos, os chamados “puxadores”. Tiririca e outros famosos.
Ajuda a decifrar toda esta barafunda a confissão esclarecedora feita
pelo deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), irmão de Geddel, à “Folha de
S.Paulo”, de que esta reforma intrincada serve apenas de biombo para os
políticos conseguirem dinheiro de financiamento de suas campanhas.
Ou seja, o centro de tudo seria o tal fundão, o fundo de
financiamento da “democracia”, instrumento que empurra para o já
sobrecarregado contribuinte a conta de R$ 3,6 bilhões, o equivalente a
0,5% da receita corrente líquida da União. Assim, com a recuperação da
economia, a cifra subirá.
Diante da esperada reação negativa à proposta, passou-se a dourar a
pílula. Uma última versão do fundo retira do projeto cifras e
percentuais e joga a decisão para a Comissão Mista de Orçamento do
Congresso. Lá, por certo, o lobby dos políticos espera agir para aprovar
os bilhões desejados. Não importam a crise fiscal, o desemprego e a
queda da renda familiar.
Há, ainda, a pressão dos interesses de pequenas legendas, que leva a
que se adultere a PEC dos senadores tucanos Ricardo Ferraço (ES) e Aécio
Neves (MG), segundo a qual haverá uma índice mínimo para os partidos
atingirem de 2% dos votos nacionais dados para eleger os deputados.
Acaba, ainda, com as coligações em pleitos proporcionais. Mas não só
reduziram o percentual para 1,5%, pelo que se sabia até ontem, como, por
meio de “federações de partidos”, recriaram as coligações.
Há ainda o distritão, para facilitar a reeleição do atual Congresso, e
ainda inventaram o “semidistritão”, com a possibilidade troncha de ser
contabilizado o voto na legenda. Um monstrengo.
No filão dos “semi”, surgiu o “semipresidencialismo”, depois de
conversas no fim de semana de que participaram três presidentes: Michel
Temer, da República; Rodrigo Maia, da Câmara; e Gilmar Mendes, do
Tribunal Superior Eleitoral, também ministro do Supremo. Não é má ideia o
Congresso ter mais poderes. Mas só quando os partidos estiverem
fortalecidos. Esta reforma, porém, vai em sentido oposto.
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