PF reconhece erros em análise de troca de telefonemas na Lava Jato
Rubens Valente - FSP
A Polícia Federal reconheceu ao STF (Supremo Tribunal Federal) ter
cometido erros na tabulação e análise de ligações telefônicas derivadas
da quebra de sigilo em inquérito aberto como desdobramento da Operação
Lava Jato.
A apuração, iniciada em 2015 a partir da delação do empreiteiro da UTC
Engenharia Ricardo Pessoa, investiga, entre outros pontos, se o ministro do TCU (Tribunal de Contas da União) Raimundo Carreiro
recebeu R$ 1 milhão, por intermédio do advogado Tiago Cedraz, filho do
então presidente do tribunal, Aroldo Cedraz, para uma decisão favorável à
UTC em processo no TCU. O caso no tribunal poderia comprometer obras da
usina nuclear Angra 3. São investigados no mesmo inquérito os senadores
Renan Calheiros (PMDB-AL), Romero Jucá (PMDB-RR) e Edison Lobão
(PMDB-MA).
A delegada da PF responsável pelo caso, Graziela Machado da Costa e Silva, é a mesma que desqualificou, em relatório, a delação premiada do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado.
Em junho, ela entregou um relatório conclusivo de 238 páginas ao STF
para apoiar a abertura de uma ação penal –o pedido ainda está sob
análise na PGR (Procuradoria-Geral da República). Um dos pontos
realçados pela delegada foi o aparentemente enorme fluxo de telefonemas
entre diversos dos investigados.
Após ter acesso ao relatório, a defesa do advogado Tiago Cedraz
advertiu a PF sobre falhas na identificação da posse e uso dos
terminais telefônicos e afirmou que "a análise da delegada, com todo o
respeito, encontra-se comprometida por graves equívocos,
consubstanciados sobremaneira pela completa confusão na identificação
dos usuários de diversas linhas cujos sigilos foram afastados".
Segundo a defesa, um telefone fixo atribuído a Tiago na verdade pertence
ao pai, Aroldo, "há mais de 15 anos", sendo o número de sua casa; um
celular atribuído ao ministro era "uma linha adquirida através de plano
familiar", tendo "sido sempre utilizada pela esposa do ministro"; e
outro celular atribuído ao ministro "sempre foi de utilização exclusiva
da filha caçula do ministro", irmã de Tiago.
'ERROS GROSSEIROS'
Com a falha na identificação dos usuários das linhas, a PF passou a
considerar como conversas entre Aroldo e Tiago, segundo argumentou a
defesa de Tiago, "todas as chamadas efetuadas do celular do ministro
para sua própria residência, do gabinete do ministro para sua própria
residência, do celular da esposa do ministro para a residência do casal,
do celular da filha do ministro para a casa dos pais Aroldo e Eliana,
do escritório/celular de Tiago para o celular de sua mãe e, por fim, do
escritório/celular de Tiago para o celular de sua irmã".
A defesa também apontou "erros grosseiros" na identificação de números
enviados pelo TCU e no usuário de um número pertencente ao escritório de
Tiago.
"As ligações que a Polícia Federal afirma terem sido realizadas a partir
do gabinete do ministro Raimundo Carreiro, foram, na verdade,
originadas do gabinete do ministro Aroldo Cedraz. Esse avassaladora
confusão fez com que as ligações efetuadas do gabinete do ministro
Cedraz para a sua própria residência, linha que a Exma. delegada
erroneamente atribuiu ao requerente [Tiago], fossem computadas como
chamadas telefônicas entre Raimundo Carreiro e Tiago Cedraz", diz a
defesa.
A partir daí, a PF passou a reavaliar o material e emitiu dois ofícios
ao STF no último dia 10. Em ofício intitulado "comunicação importante
acerca de erro material no relatório de análise" da PF, a delegada
Graziela levou ao ministro relator do caso no STF, Edson Fachin,
observações sobre seis pontos do relatório que ela havia entregue em
junho.
Houve uma série de deficiências na análise. O telefone fixo que aparecia
cadastrado como sendo da casa de Aroldo Cedraz foi considerado como
sendo de Tiago, mas na verdade continuava sendo o da residência do
ministro. A PF havia apontado 14.321 registros entre os dois
interlocutores, o que insinuava uma estranha troca de informações entre
ministro e advogado. Porém ocorre que, conforme esclareceu a defesa,
eram ligações do ministro para sua própria casa, e não para o filho
advogado.
ANÁLISE
A delegada concedeu: "Essa intensidade de ligações entre pai e filho
pode ser alterada com a revisão do relatório, dimensionando em maior ou
menor escala". Para explicar a origem do problema, a delegada argumentou
que Tiago havia fornecido à PF anos atrás, para a retirada de seu
passaporte em 2012, o número telefônico que foi considerado como seu
para a análise do inquérito.
Também notas fiscais oriundas da Receita Federal mostraram o mesmo
número associado a Tiago. Porém, o advogado se casou em 2014 e trocou de
endereço, segundo a defesa. "Portanto, as análises foram realizadas com
as informações até então disponíveis e, durante a instrução da ação
penal, caso seja iniciada com o recebimento da denúncia, poderá se
sujeitar ao contraditório e ampla defesa."
Em outro ponto que merece correção, a delegada afirmou que houve "erro
material na alimentação dos extratos telefônicos encaminhados pelo
Tribunal de Contas da União" e também poderá "ser dimensionada em maior
ou menor escala" a intensidade dos contatos telefônicos entre Tiago Cedraz e o ministro Raimundo Carreiro.
O relatório da PF falava em "centenas de contatos ao longo dos anos de
2012 e 2014". Um relatório anterior, de 2016, havia falado em 55
ligações. Agora todo o levantamento deverá ser refeito para se chegar ao
número mais próximo da realidade, o que a PF ainda não apontou.
Da mesma forma, outro dos pontos importantes do relatório da delegada
está comprometido. Ela havia apontado um fluxo de telefonemas em datas
próximas da votação, no TCU, do processo de interesse da UTC Engenharia.
"Os contatos identificados entre Tiago Cedraz, Aroldo Cedraz, Felipe
Carreiro e a UTC Engenharia em determinadas datas do julgamento do
processo (irregularidades na pré-qualificação) podem ser alterados",
escreveu a delegada.
PLANILHAS
Embora tenha reconhecido os equívocos, a delegada Graziela voltou a
defender as conclusões gerais do seu relatório anterior. "A dinâmica de
pagamento de propina a agentes públicos e agentes políticos não segue um
'cronograma' definido que traga uma relação lógica de causa e
consequência, como um contrato com cláusula de sucesso, em que o agente
público praticou um ato e na sequência é remunerado."
Em outro ofício ao STF, a PF deu mais detalhes sobre a origem de um dos
erros. O GINQ (Grupo de Inquéritos do STF), unidade da PF especializada
em investigações sobre autoridades com foro privilegiado, apontou que o
TCU não encaminhou à PF em formato de planilha o registro das ligações
entre os ministros Aroldo e Carreiro. Isso levou a PF a ter que elaborar
uma planilha "de forma braçal", concluída em outubro de 2016.
Na checagem da planilha feita pela PF a partir da manifestação da defesa
de Tiago, entretanto, os policiais constataram "uma discrepância no que
se refere ao terminal" que originou as chamadas telefônicas, pois "nos
arquivos do TCU o ramal correspondente a cada ministro não precisava
[não batia] com a informação lançada na planilha elaborada".
"A falha se deu no decorrer da elaboração da planilha antes de deixá-la
em condições do tratamento necessário para a importação de seu conteúdo
para a base de dados da investigação, por erro humano, de tal forma que,
em que pese a data, hora, duração e o terminal do destino estarem
corretos, foi lançado no campo destinado ao terminal de origem a troca
dos terminais dos ministros", diz a PF no ofício.
Em nota divulgada nesta quinta-feira (17), o ministro Carreiro afirmou
ter encaminhado ao STF a comprovação da origem de depósitos que somaram
R$ 568 mil de 2012 a 2014. No mesmo relatório dos erros dos telefonemas,
a PF havia classificado o valor como "de origem desconhecida".
"Há ainda pagamentos efetuados pelo TCU, que a Polícia Federal
identificou erroneamente como sendo do Senado; valores estornados; e
depósitos individuais de R$ 60 a R$ 300 feitos por 26 pessoas físicas
para a compra e distribuição de cestas básicas a pessoas carentes, na
época do Natal e do Ano Novo", afirmou o ministro do TCU.
Na nota, Carreiro "rebate a acusação de que teria agido para proteger ou
defender interesses de empreiteiras em obras de Angra 3. De acordo com o
ministro, o acórdão relativo a esse processo foi aprovado por
unanimidade pelo plenário do TCU, com o endosso do Ministério Público de
Contas, o que evidencia sua isenção na conclusão do voto".
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