João Luiz Mauad - Instituto Liberal
O presidente do conselho do IL, Rodrigo Constantino, escreveu ontem um artigo sobre
a questão do nazismo ser de direita ou de esquerda em virtude do
atentado de um grupo neonazista em Charlottesville. Vale a leitura.
A propósito, escrevi, em 2007, um texto
sobre o mesmo tema; uma resenha do memorável livro A Grande Parada, do
Francês Jean-François Revel, que transcrevo abaixo:
Irmãos Siameses
Dia desses, tive o desprazer de assistir
a trechos da propaganda gratuita do PCdoB na TV. No papel principal
atuava a bela deputada gaúcha Manuela D’Ávila. Abjurava o capitalismo, o
neoliberalismo, a globalização e cantava loas ao modelo socialista – o
único, segundo ela, capaz de promover a justiça social, o fim das
desigualdades e blábláblá. Nenhuma menção, evidentemente, aos
inumeráveis crimes, atrocidades e mazelas econômicas que seu venerado
sistema de organização social produziu mundo afora, durante todo o
século XX.
Enquanto ouvia aquela jovem mulher
gritar o indefectível festival de clichês e jargões, minha mente viajava
pelo passado, numa torrente de memórias e pensamentos dispersos.
Lembrei-me então, com saudade, do brilhante escritor francês
Jean-François Revel, que num de seus últimos livros – A Grande Parada –
traçou o mais completo paralelo que conheço entre os dois modelos
totalitários que mais produziram cadáveres e mutilações em toda a
história, e explicou por que, enquanto o nazismo segue sendo, com
inteira justiça, demonizado por todos os homens de bem, o comunismo, que
comprovadamente produziu muito mais vítimas, permanece idolatrado por
uma multidão de ignorantes, ingênuos e outros tantos hipócritas.
Revel demonstrou, num trabalho magnífico
de pesquisa histórica e jornalística, temperado por sua verve direta e
implacável, como o revisionismo comunista encontra-se disseminado na
literatura, na história, na mídia e na política, especialmente depois da
queda do muro de Berlim. Além disso, mostrou de forma cruel como os
próceres da esquerda – sejam filósofos, políticos, historiadores,
jornalistas e intelectuais em geral – agem para criar um sem-número de
teorias escapatórias para as atrocidades comunistas, a grande maioria
delas propondo-se a tentar desvincular os indeléveis crimes do passado –
e do presente – daquilo que apelidaram de “ideal socialista”.
Em sua magnífica obra, Revel desmonta
cada um dos inúmeros sofismas e falácias da esquerda, além de demonstrar
cabalmente que, malgrado a retórica rebuscada dos seus ideólogos, a
realidade é que “nenhuma das justificativas apresentadas, desde 1917, a
favor do comunismo, resistiu à sua aplicação; nenhum dos objetivos que
ele se propunha atingir foi atingido; nem a liberdade, nem a
prosperidade, nem a igualdade, nem a justiça, nem a paz”. E, no entanto,
essa erva daninha talvez nunca tenha sido tão ferozmente protegida, por
tantos implacáveis defensores, como após o naufrágio soviético.
“Se alguém quiser estudar um sistema
mental que funcione inteiramente dissociado dos fatos e elimine
imediatamente qualquer informação que contrarie sua visão de mundo”,
escreve Revel, “deve estudar a mente dos comunistas. São laboratórios
insuperáveis”. Alguns podem até reconhecer a existência de uns poucos
fatos abomináveis, mas sempre enfatizando que tais fatos não guardam
qualquer relação com a essência do comunismo. Seriam, no máximo, uma
perversão do sistema, mas jamais uma decorrência dele.
A repressão em campos de concentração ou
em cárceres diversos, os processos sumários e fraudulentos, os expurgos
assassinos, as ondas de fome provocadas por programas estupidamente
planejados e pavorosamente executados acompanharam todos os regimes
socialistas, sem exceção, ao longo da história. “Seria fortuita esta
associação?” – questiona o velho Revel. “Será que a verdadeira essência
do comunismo reside no que jamais foi, ou nunca produziu? Que sistema é
esse, que dizem ser o melhor, porém dotado dessa propriedade
sobrenatural de nunca conseguir colocar em prática senão o contrário do
que prega? Que linda cerejeira será essa, na qual, por um acaso
incompreensível, só brotam cogumelos venenosos?”
É inútil tentar descobrir qual dos
regimes totalitários do século XX foi o mais bárbaro, porque ambos
impuseram a tirania, o pensamento unificado e deixaram como herança uma
montanha de cadáveres. O parentesco do comunismo com o nazismo é, para a
esquerda em geral, um tema sempre delicado e, como qualquer tabu,
sabiamente escamoteado. Por exemplo, quando um ideólogo marxista, como
Stalin, se comporta como um carrasco nazista, a explicação é simples: a
culpa é do personagem e de seu caráter perverso, nunca do sistema.
Stalin seria então um verdadeiro nazista, apenas fantasiado de
comunista.
Para que se tenha uma idéia de como pode
ser dramática a inversão de valores produzida pelos sofistas da
esquerda, quase sempre valendo-se da verborragia “politicamente
correta”, basta lembrar que, aos olhos da maioria do público mundo
afora, os grandes vilões da atualidade, estigmatizados e vitimados pelos
mais sórdidos preconceitos, somos justamente nós, os malvados
anticomunistas – alguns raros e teimosos abnegados, que ainda insistem
na luta para desmascarar os verdugos da liberdade e fulminar seus
sórdidos subterfúgios.
Enquanto isso, do outro lado, os
anjinhos comunistas desfilam sua utopia pelos palanques, pelas salas de
aula, pelas redações dos jornais e pelos púlpitos das igrejas sem que
quase ninguém veja aí qualquer problema. Não importa que o comunismo,
com seu amontoado de trapaças ideológicas, continue matando pessoas no
Tibete, na Coréia do Norte, na China ou em Cuba. Não importa tampouco
que ele continue sendo uma importantíssima ferramenta nas mãos de
tiranos, sempre dispostos a instalar regimes de opressão em nome da
defesa dos oprimidos – como ocorre amiúde em diversos países
latino-americanos atualmente.
Embora seja indelével a identidade e a
afinidade, em essência, entre o comunismo e o nazismo, existe uma
diferença importante a distinguir nos dois modelos. Como muito bem
lembrado por Revel, “Hitler desde sempre demonstrou sua hostilidade à
democracia, à liberdade de expressão e de cultura, ao pluralismo
político e sindical. Além disso, nunca escondeu sua ideologia racista e
(…) anti-semita. Por conseguinte, partidários e adversários do nazismo
situavam-se, desde o começo, de um lado ou de outro de uma linha
divisória traçada nitidamente”. Em resumo, não houve decepções com o
nazismo, já que seu líder cumpriu fielmente o que prometera.
Já o comunismo é diferente, “pois
emprega a dissimulação ideológica, veiculada pela utopia. Promete a
abundância e provoca miséria; promete a liberdade, mas impõe a servidão;
promete a igualdade e leva à mais desigual das sociedades – com a nomenklatura,
classe privilegiada a tal ponto como jamais se conheceu, nem mesmo nas
comunidades feudais. Ele promete ainda respeito à vida humana, mas
realiza execuções em massa; promete o acesso de todos à cultura, mas
leva ao embrutecimento generalizado; promete o “novo homem”, mas o
fossiliza”.
O nazismo, portanto, abriu o jogo desde o
início. Já o comunismo é insidioso e sempre se escondeu atrás da
utopia. “Isso lhe permite satisfazer o apetite pela dominação e pela
servidão sob o disfarce da generosidade e do amor à liberdade, perpetrar
a desigualdade sob o manto do igualitarismo. O totalitarismo mais
eficaz, portanto”, fulmina Jean-François, “… não foi aquele que fez o
Mal em nome do Mal, mas o que faz o Mal em nome do Bem”.
Após a publicação, em 1997, de O Livro
Negro do Comunismo, um trabalho histórico científico que expôs de forma
insofismável os crimes do totalitarismo comunista, a defesa da esquerda
foi muito pouco centrada na materialidade desses crimes, desde então
dificilmente impugnáveis. “Que fez ela, então? Invocou, sobretudo, a
pureza de motivos que havia determinado a sua perpetração. A mesma velha
história! Desde os primeiros instantes da revolução bolchevique,
tivemos que engolir, ad nauseum, essa insípida poção”, resume Revel.
O nazismo e o comunismo cometeram
atrocidades comparáveis, tanto por sua extensão quanto por seus
pretextos ideológicos. Isso não foi, entretanto, resultado de uma
“coincidência fortuita de comportamentos aberrantes”. Ocorreu, muito
pelo contrário, porque ambos comungavam os mesmos princípios e idéias
fundamentais, sedimentados por convicções pétreas, e – mais importante! –
empregavam o mesmo modus operandi. É emblemático o fato – aliás,
inconteste – de que tanto uma ideologia quanto a outra sempre defenderam
– e nunca esconderam isso – a tese de que os fins justificam quaisquer
meios.
O socialismo, segundo Revel, “não é mais
ou menos de esquerda do que o nazismo”. A característica fundamental de
ambos “é que seus dirigentes, convencidos de serem detentores da
verdade absoluta e de comandarem o curso da história, sentem-se no
direito de destruir os dissidentes, reais ou potenciais, as raças,
categorias profissionais ou culturais, que lhes parecem entravar (…) a
consecução de seus supremos desígnios”.
Por isso, prossegue Revel, “tentar
distinguir entre os dois regimes totalitários, atribuir-lhes diferentes
méritos em função do afastamento de suas superestruturas ideológicas, em
vez de constatar a identidade de seus comportamentos reais é bem
estranho, principalmente vindo da parte dos socialistas, que deveriam
ter lido Marx um pouco melhor. Não se pode julgar, dizia ele, uma
sociedade pela ideologia que lhe serve de pretexto, assim como não se
julga uma pessoa pela opinião que ela tem de si mesma”.
“O próprio Adolf Hitler foi um dos
primeiros a saber captar as afinidades entre o comunismo e o
nacional-socialismo. Ele certamente não ignorava que uma estratégia
política é julgada por seus atos e métodos e não pelos adornos de
oratória ou pelos ‘pompons’ filosóficos que a cercam. Ele declara a
Hermann Rauschning, que o relata em Hitler me disse, livro lançado ainda
em 1939:
“Aprendi muito com o marxismo e não
pretendo escondê-lo (…). O que despertou interesse nos marxistas e me
forneceu ensinamentos foram seus métodos. (…) Todo o nacional-socialismo
está lá contido. Veja bem: os grêmios operários de ginástica, as
células empreendedoras, os desfiles monumentais, os folhetos de
propaganda redigidos em linguagem de fácil compreensão pelas massas.
Esses novos métodos da luta política foram praticamente todos inventados
pelos marxistas. Eu só precisei me apoderar deles e desenvolvê-los para
conseguir assim os instrumentos de que necessitávamos…”.
Pode ser um tanto surpreendente para
alguns – principalmente em virtude da habilidade com que a
intelligentsia esquerdista contorce e escamoteia os fatos históricos –
encontrarmos a mesma linha filosófica em Karl Marx e Adolf Hitler,
contra quem, a propósito, é chocante a ingratidão dos atuais pensadores
socialistas. Num livro de entrevistas de Otto Wagener, também citado por
Revel, Hitler é incisivo:
“Agora que terminou a era do
individualismo, nossa tarefa é encontrar o caminho que leva ao
socialismo sem revolução. Marx e Lênin enxergaram perfeitamente o
objetivo, mas escolheram o caminho errado”.
Se o Führer comungava com Marx a opinião
sobre a necessidade de mutilar o individualismo, não é menos
emblemática a convergência de ambos acerca do anti-semitismo. Num ensaio
muito pouco conhecido – Sobre a Questão Judaica –, mas que Hitler
certamente leu com toda atenção, a ponto de tê-lo praticamente plagiado
em algumas passagens, Karl Marx desfere contra os judeus uma torrente de
insultos coléricos, como estes:
“Qual é a origem profana do judaísmo? A
necessidade prática, a cupidez. Qual é o culto profano do judeu? O
comércio. Quem é o seu Deus? O dinheiro.”
Além disso, para o profeta, o comunismo
seria “a organização social que faria desaparecer as condições para o
comércio e tornaria o judeu inviável”. Vemos aí, claramente, a origem do
ódio incontido – tanto de nazistas quanto de comunistas – ao povo
judeu. Ódio este que, diga-se de passagem, perdura até os dias de hoje.
Judeu ou não, entretanto, é nitidamente o
indivíduo, seja na ideologia nazista ou comunista, quem deve ser
aniquilado. Aniquilação essa que, como ensina Revel, “é a própria
aniquilação do ser humano, que nunca existiu de outra forma, que não
individualmente”.
Muito embora o parentesco entre essas
duas sórdidas ideologias seja incontestável sob muitos aspectos, além da
ululante semelhança entre suas estruturas de poder e seus aparatos
repressivos, permanece latente a recusa sistemática de qualquer paralelo
entre elas. Segundo Jean-François Revel, essa recusa peremptória,
aliada à execração diária de um nazismo dito de direita, “serve de
anteparo protetor contra um exame mais apurado do comunismo”. Ou ainda,
nas palavras de Alain Besançon, citado por Revel: “a hipermnésia do
nazismo desvia a atenção da amnésia do comunismo”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário