Caridade com chapéu alheio
O Estado de S.Paulo
Desde o grande terremoto que devastou o Haiti, em 2010, o
Acre se converteu na principal porta de entrada de um significativo
fluxo de imigrantes haitianos ilegais. O direito internacional e a lei
brasileira não reconhecem esses clandestinos como refugiados - e,
portanto, como candidatos a visto permanente. Mas o governo federal
petista criou instrumentos para regularizar a presença deles no País e
decidiu não repatriar aqueles que entram de forma irregular, o que serve
como um convite para a imigração em massa. Já chegam a 20 mil os
haitianos que ingressaram no Brasil pelo Acre. Como as cidades acrianas
que os receberam não têm condições de suportar esse aumento
populacional, o governo estadual encontrou uma forma simples de resolver
o problema: enviar os haitianos para outros Estados.
Nas últimas semanas, 400 deles chegaram a São Paulo - sem nenhum
aviso prévio por parte do governo acriano, que financiou as viagens,
feitas inclusive em aviões da Força Aérea Brasileira. A maioria procurou
a ajuda de parentes e amigos que já vivem na capital paulista, mas 100
deles pediram abrigo na Casa do Migrante, no Glicério. Mantido pelos
padres da Igreja Nossa Senhora da Paz, o local tem capacidade para
apenas 100 pessoas. A situação dos imigrantes é, portanto, precária.
Com razão, a secretária paulista de Justiça e Defesa da Cidadania,
Eloisa de Souza Arruda, se mostrou indignada. Chamou de "desleal" o
secretário de Justiça e Direitos Humanos do Acre, Nilson Mourão, por não
tê-la informado antes sobre o embarque dos haitianos. "Esse secretário
Nilson Mourão não procurou seu equivalente em São Paulo, que, por acaso,
sou eu, para providenciar os cuidados adequados. Procurou o padre da
pastoral e avisou que 'alguns' haitianos chegariam aqui. Chegaram 400",
queixou-se Eloisa. Para ela, "nos padrões internacionais, isso poderia
ser classificado como deportação forçada".
Como resposta, o governo acriano, que é do PT, apontou um "viés
político" na reação da administração tucana de São Paulo. Para o
secretário Mourão, os paulistas tentam "transformar um problema
humanitário, de tão fácil solução para o Estado mais rico da Federação,
em uma crise". Já o governador Tião Viana preferiu dizer, numa
argumentação rasteira, que a reclamação é fruto de racismo da "elite
paulista", que quer "assegurar seu território livre de imigrantes do
Haiti".
Ao contrário do que dizem os petistas, o problema não se resolveria
com a caridade do "Estado mais rico" do País. A situação chegou ao ponto
atual graças à inabilidade do governo federal. Em lugar de lidar com os
imigrantes ilegais conforme a legislação em vigor, segundo a qual o
deslocamento por desastre natural não configura motivo para a concessão
de visto de refugiado, a administração petista inventou um instrumento
improvisado chamado "visto humanitário".
A intenção do governo era mostrar que o Brasil, na era petista, era
diferente dos países ricos, que expulsam os imigrantes ilegais. Mas o
golpe de propaganda não funcionou. As exigências para obter o tal visto
são tantas - passaporte em dia, atestado de bons antecedentes,
comprovante de residência e o pagamento de uma taxa de US$ 200, além de
um mês de espera para que a documentação seja emitida - que a maioria
dos haitianos que pretendem vir ao Brasil prefere pagar aos "coiotes" no
Peru e no Equador para ajudá-los a entrar clandestinamente no País.
Como a situação no Acre tornou-se insustentável graças a essa
política tão marqueteira quanto desastrada, o governo petista local
preferiu a solução "provisória, paliativa e descoordenada", nas palavras
de Camila Asano, da ONG de direitos humanos Conectas: livrar-se dos
imigrantes.
A crise gerada pela imigração em massa dos haitianos no Norte do
Brasil não pode ser agravada por políticas irresponsáveis dos governos
envolvidos. É preciso ter consciência dos deveres humanitários, mas
também é preciso saber que as leis que limitam a entrada de estrangeiros
devem ser cumpridas, pois o preço a ser pago pela leniência travestida
de solidariedade é rateado por toda a sociedade.
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