Reinaldo Azevedo - VEJA
O
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu na sexta uma entrevista
à TV portuguesa RTP, que foi ao ar no sábado (leia post na home). Mesmo
para quem está acostumado a despropósitos; mesmo para quem já disse que
não haveria problemas de poluição na Terra se o planeta fosse quadrado;
mesmo para quem anunciou que cruzaria o Atlântico para chegar aos
Estados Unidos; mesmo para quem já afirmou, na presença do então
presidente americano George W. Bush e das respectivas primeiras-damas,
que pretendia encontrar o “ponto G” da relação entre os dois países;
mesmo para quem já chamou Muamar Kadhafi de “irmão”; mesmo para quem já
disse que, na Venezuela, “há democracia até demais”; mesmo para quem já
recomendou a Obama que copiasse o nosso SUS; mesmo para quem já comparou
a luta por democracia no Irã à reação de descontentamento de uma
torcida quando seu time perde o jogo; mesmo para quem já fez pouco caso
da eleição de um presidente negro nos EUA, afirmando que quer ver é a
eleição de um operário; mesmo para quem já afirmou que o Bolsa Família
deixava o povo preguiçoso (antes de ele próprio se fingir de dono do
Bolsa Família); mesmo, em suma, para quem é autor de uma impressionante
coleção de besteiras, a verdade é que Lula, na entrevista à TV
portuguesa, se excedeu, foi além da conta, num misto de cinismo, de
estupidez e de falta de apreço pela verdade.
Segundo
Lula, “o mensalão teve 80% de decisão política e 20% de decisão
jurídica”. Mais: disse achar que “não houve mensalão”. Afirmou que não
ficaria debatendo decisão da Suprema Corte e anunciou pela undécima vez
que “essa história vai ser recontada”. Para ele, tudo não passou de uma
tentativa malsucedida “de destruir o PT”. Então vamos ver.
Não houve
uma só condenação sem provas no processo do mensalão, como todo mundo
sabe. Só três dos ministros que condenaram mensaleiros — Celso de Mello,
Marco Aurélio e Gilmar Mendes — não foram indicados para a Corte ou
pelo próprio Lula ou por Dilma. O ex-presidente e seu partido, portanto,
não podem nem mesmo se dizer vítimas de uma “tribunal formado por
adversários”. O homem que falava era aquele que teve a publicidade da
campanha paga no exterior, em moeda estrangeira, numa conta que o
marqueteiro Duda Mendonça mantinha fora do país. Origem do dinheiro?
Ninguém sabe. Em duas operações, ficou claro que o Banco do Brasil, por
intermédio do fundo Visanet, foi lesado em R$ 76 milhões. Mais do que
evidências de pagamento, houve as confissões. O próprio então presidente
chegou a dizer em 2005 que houvera sido traído.
É verdade
que uma nova história está sendo contada. Pelos petistas. E não passa de
uma coleção vergonhosa de mentiras, omissões, mistificações, distorções
— escolham aí o substantivo. Prefiram todos. O mais espetacular, e os
portugueses não têm obrigação de saber disso, é que um inquérito, aberto
pela Polícia Federal, investiga a participação do próprio Lula no
mensalão. Foi aberto a pedido do Ministério Público Federal em abril do
ano passado. E o caso diz respeito justamente a… Portugal.
O então
presidente do Brasil teria intermediado a obtenção de um repasse de R$ 7
milhões de uma fornecedora da Portugal Telecom para o PT, por meio de
publicitários ligados ao partido. Os recursos teriam sido usados para
quitar dívidas eleitorais dos petistas. De acordo com Marcos Valério,
operador do mensalão, Lula intercedeu pessoalmente junto a Miguel Horta,
que era o presidente da companhia portuguesa, para pedir os recursos.
As informações eram desconhecidas até 2012, quando Valério — já
condenado — resolveu contar parte do que havia omitido até então. Isso
significa que o homem que concedeu a entrevista ainda pode vir a se
tornar um réu do mensalão.
Lula
exibiu outra característica notável de sua personalidade política —
coisa que, até hoje, o deputado André Vargas, por exemplo, agora sem
partido, ainda não entendeu. No PT, o chefão máximo é sempre inocente.
Queimam-se fusíveis para preservar Lula de uma descarga elétrica fatal.
Indagado sobre a sua proximidade com os mensaleiros presos, não teve
dúvida: “Não se trata de gente da minha confiança”. Entenderam?
Mais: Lula
repetiu à TV portuguesa uma concepção de honestidade já muitas vezes
revelada por ele próprio aqui no Brasil. Prestem atenção! “O importante é
que, quando uma pessoa é decente e honesta, as pessoas enxergam é nos
olhos. Não adianta dizer que o Lula pratica qualquer ato ilícito porque o
povo me conhece”.
Com isso, o
ex-presidente está a afirmar que existe no Brasil a categoria dos
homens inimputáveis, daqueles que serão sempre inocentes, mesmo que
sejam culpados. E, obviamente, ele próprio é um exemplar dessa espécie
superior. Assim, não importa o que o homem público faça ou deixe fazer. O
que interessa é essa relação de confiança olhos-nos-olhos. Se a
população decidir que é inocente, inocente é. É o fim da picada. Já
seria uma coisa estúpida porque esse tipo de comportamento permitiria,
claro!, que muito bandido passasse por inocente. Afinal, quem disse que o
olho revela o criminoso? Mas pode acontecer algo ainda pior: um
inocente que não caia nas graças do povo — ou que caia em desgraça —
também poderia ser considerado culpado sem ser, certo? Corolário da
máxima luliana: ele e seus amigos são sempre inocentes, mesmo quando são
culpados; seus adversários são sempre culpados, mesmo quando são
inocentes.
Lula
também, note-se, está vivendo em outro país; está fora da realidade.
Para espanto dos fatos, afirmou: “Acho engraçado algumas revistas
estrangeiras dizerem que o Brasil não está bem. Em se tratando de
responsabilidade fiscal e de macroeconomia, não tem nenhum país melhor
do que o Brasil. O milagre econômico vai se manter, e o Brasil vai
continuar crescendo”.
Até a
ideia de um “milagre econômico”, o petista copia da ditadura, não
bastasse o ufanismo tosco que o PT passou a incentivar. O país tem uma
das mais altas taxas de juros do mundo e também um dos menores
crescimentos do mundo para países na sua faixa. O déficit nas contas
externas no primeiro trimestre é o maior desde 1970: US$ 25 bilhões. O
déficit projetado no ano é de US$ 80 bilhões, que deve ser o segundo
maior do planeta. Um dos graves problemas do país é justamente a balança
comercial. No ano passado, o resultado negativo do setor industrial
ficou na casa dos US$ 105 bilhões. Não fosse o agronegócio, com um
superávit de mais de US$ 80 bilhões, o país estaria lascado. Segundo
Lula, no entanto, nada há no mundo como o Brasil.
Ufanismo
tosco, megalomania e desapreço pela verdade. Até agora, convenham, ele
tem tudo para achar que essa fórmula dá certo, não é mesmo? Parece, no
entanto, que camadas crescentes da população começam a se dar conta do
engodo.
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