segunda-feira, 28 de abril de 2014

Um déficit preocupante
O Estado de S.Paulo
Com um buraco de US$ 6,25 bilhões na conta corrente em março, o Brasil continua exibindo um mau desempenho nas transações internacionais, como indica o relatório sobre o setor externo publicado sexta-feira pelo Banco Central (BC). Os números ficaram próximos dos previstos, segundo o chefe do Departamento Econômico da instituição, Tulio Maciel. Surpresa, mesmo, só ocorrerá se as exportações avançarem, nos próximos meses, muito mais do que indicam as projeções. A piora do comércio exterior, com exportações estagnadas e importações em alta, foi a causa principal da sensível deterioração das contas externas nos últimos anos. Essa é mais uma consequência dos erros acumulados na política econômica e agravados a partir de 2011.
O BC projeta para 2014 um superávit comercial de US$ 8 bilhões, mais que o triplo do contabilizado oficialmente no ano passado (US$ 2,55 bilhões). Ainda será um resultado medíocre. Somado ao saldo positivo previsto para as transferências unilaterais (US$ 3,1 bilhões), ainda será muito inferior ao necessário para compensar o rombo estimado para as contas de serviços e de rendas. O resultado será um déficit de US$ 80 bilhões, muito parecido com o de 2013, de US$ 81,07 bilhões.
Para esse resultado as contas externas ainda terão de melhorar consideravelmente. No primeiro trimestre houve um déficit comercial de US$ 6,07 bilhões e o saldo negativo na conta corrente chegou a US$ 25,19 bilhões, mais um recorde negativo. Em 12 meses o buraco chegou a US$ 81,56 bilhões, soma equivalente a 3,64% do Produto Interno Bruto (PIB).
Desde agosto do ano passado, como lembrou Maciel, esse déficit acumulado em 12 meses tem-se mantido perto de 3,6% do PIB, com pequenas oscilações. Mas a pior notícia é outra. Desde março de 2013 o investimento estrangeiro direto recebido em 12 meses tem sido insuficiente para cobrir o déficit.
A cobertura tem sempre ocorrido sem perda de reservas, mas tem dependido em proporção significativa de outros tipos de financiamento, menos vinculados à produção, mais voláteis e muito mais sujeitos a mudanças repentinas de humor nos mercados financeiros. Capitais destinados a investimentos diretos - novos empreendimentos, capitalização ou compras de empresas - tendem a permanecer muito mais tempo no País. O déficit em conta corrente continua e continuará sendo coberto, insistem os economistas e diretores do BC, sem dificuldades. Mas a qualidade do financiamento, é preciso reconhecer, tem-se deteriorado.
Nos 12 meses terminados em março, o investimento estrangeiro direto chegou a US$ 64,96 bilhões, US$ 16,6 bilhões a menos que o necessário para cobrir o buraco. As projeções para o ano indicam investimentos diretos no valor de US$ 63 bilhões. Recursos de outro tipo serão necessários para compensar os US$ 17 bilhões restantes do déficit em conta corrente.
Com mais de US$ 370 bilhões de reservas cambiais, o governo tem exibido tranquilidade em relação às contas externas. Não há risco iminente, portanto, de crise cambial, embora o previsível aperto no mercado financeiro, em consequência da mudança na política monetária americana, justifique alguma preocupação. Mas o quadro é de fato muito mais preocupante do que as autoridades admitem.
Uma economia saudável e com grandes projetos de investimento pode precisar de recursos externos para sustentar sua demanda total. Nesse caso, a aceleração será facilitada por um déficit em conta corrente - moderado e administrável, naturalmente. Não é o caso do Brasil, onde o excesso de demanda está associado ao consumo tanto privado quanto público. O investimento tem-se mantido muito baixo há muitos anos.
Longe de refletir dinamismo e vigor, o déficit brasileiro em conta corrente é sintoma de uma economia cheia de distorções, com muito mais incentivos ao consumo do que ao investimento, indústria estagnada e um péssimo ambiente de negócios, como indicam todas as pesquisas internacionais de competitividade. Nesse quadro, o buraco em conta corrente é mais um sinal de vulnerabilidade visível para todos, menos, aparentemente, para o governo.

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