Um déficit preocupante
O Estado de S.Paulo
Com um buraco de US$ 6,25 bilhões na conta corrente em
março, o Brasil continua exibindo um mau desempenho nas transações
internacionais, como indica o relatório sobre o setor externo publicado
sexta-feira pelo Banco Central (BC). Os números ficaram próximos dos
previstos, segundo o chefe do Departamento Econômico da instituição,
Tulio Maciel. Surpresa, mesmo, só ocorrerá se as exportações avançarem,
nos próximos meses, muito mais do que indicam as projeções. A piora do
comércio exterior, com exportações estagnadas e importações em alta, foi
a causa principal da sensível deterioração das contas externas nos
últimos anos. Essa é mais uma consequência dos erros acumulados na
política econômica e agravados a partir de 2011.
O BC projeta para 2014 um superávit comercial de US$ 8 bilhões, mais
que o triplo do contabilizado oficialmente no ano passado (US$ 2,55
bilhões). Ainda será um resultado medíocre. Somado ao saldo positivo
previsto para as transferências unilaterais (US$ 3,1 bilhões), ainda
será muito inferior ao necessário para compensar o rombo estimado para
as contas de serviços e de rendas. O resultado será um déficit de US$ 80
bilhões, muito parecido com o de 2013, de US$ 81,07 bilhões.
Para esse resultado as contas externas ainda terão de melhorar
consideravelmente. No primeiro trimestre houve um déficit comercial de
US$ 6,07 bilhões e o saldo negativo na conta corrente chegou a US$ 25,19
bilhões, mais um recorde negativo. Em 12 meses o buraco chegou a US$
81,56 bilhões, soma equivalente a 3,64% do Produto Interno Bruto (PIB).
Desde agosto do ano passado, como lembrou Maciel, esse déficit
acumulado em 12 meses tem-se mantido perto de 3,6% do PIB, com pequenas
oscilações. Mas a pior notícia é outra. Desde março de 2013 o
investimento estrangeiro direto recebido em 12 meses tem sido
insuficiente para cobrir o déficit.
A cobertura tem sempre ocorrido sem perda de reservas, mas tem
dependido em proporção significativa de outros tipos de financiamento,
menos vinculados à produção, mais voláteis e muito mais sujeitos a
mudanças repentinas de humor nos mercados financeiros. Capitais
destinados a investimentos diretos - novos empreendimentos,
capitalização ou compras de empresas - tendem a permanecer muito mais
tempo no País. O déficit em conta corrente continua e continuará sendo
coberto, insistem os economistas e diretores do BC, sem dificuldades.
Mas a qualidade do financiamento, é preciso reconhecer, tem-se
deteriorado.
Nos 12 meses terminados em março, o investimento estrangeiro direto
chegou a US$ 64,96 bilhões, US$ 16,6 bilhões a menos que o necessário
para cobrir o buraco. As projeções para o ano indicam investimentos
diretos no valor de US$ 63 bilhões. Recursos de outro tipo serão
necessários para compensar os US$ 17 bilhões restantes do déficit em
conta corrente.
Com mais de US$ 370 bilhões de reservas cambiais, o governo tem
exibido tranquilidade em relação às contas externas. Não há risco
iminente, portanto, de crise cambial, embora o previsível aperto no
mercado financeiro, em consequência da mudança na política monetária
americana, justifique alguma preocupação. Mas o quadro é de fato muito
mais preocupante do que as autoridades admitem.
Uma economia saudável e com grandes projetos de investimento pode
precisar de recursos externos para sustentar sua demanda total. Nesse
caso, a aceleração será facilitada por um déficit em conta corrente -
moderado e administrável, naturalmente. Não é o caso do Brasil, onde o
excesso de demanda está associado ao consumo tanto privado quanto
público. O investimento tem-se mantido muito baixo há muitos anos.
Longe de refletir dinamismo e vigor, o déficit brasileiro em conta
corrente é sintoma de uma economia cheia de distorções, com muito mais
incentivos ao consumo do que ao investimento, indústria estagnada e um
péssimo ambiente de negócios, como indicam todas as pesquisas
internacionais de competitividade. Nesse quadro, o buraco em conta
corrente é mais um sinal de vulnerabilidade visível para todos, menos,
aparentemente, para o governo.
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