Contas maquiadas, de novo
O Estado de S.Paulo
Começou mais cedo neste ano a maquiagem das contas
públicas, truque usado de forma cada vez mais escancarada pelas
autoridades federais. Para fechar o balanço de março com superávit
primário de R$ 3,12 bilhões, o governo central contabilizou R$ 2,99
bilhões de dividendos e R$ 10,5 milhões de receitas de concessões, além
de R$ 2,4 bilhões da taxa de fiscalização da Anatel. Sem os dois
primeiros componentes da maquiagem, o resultado primário - antes do
pagamento de juros - teria sido praticamente nulo. Sem o terceiro, teria
ficado no vermelho. O truque serviu também para tornar menos feios os
números do primeiro trimestre, mas ainda foi insuficiente para ocultar a
degradação das finanças federais.
As contas oficiais do governo central mostram um superávit primário
de R$ 13,05 bilhões acumulado de janeiro a março. Esse resultado, 34,63%
menor que o do primeiro trimestre do ano passado, já bastaria para
mostrar o agravamento de um quadro fiscal já muito ruim em 2013. Mas o
cenário real é ainda mais preocupante.
Isso fica evidente quando se eliminam do cálculo as receitas
extraordinárias. Só de dividendos o Tesouro acumulou nos primeiros três
meses R$ 5,89 bilhões. Esse valor é 667,6% maior que o registrado entre
janeiro e março de 2013. Essa diferença basta para denunciar o truque. A
receita de concessões, de R$ 765,3 milhões, foi 152,4% maior que a de
igual período de 2013. A soma dos dois itens (R$ 6,65 bilhões) equivale a
51% do resultado primário contabilizado para o governo central -
Tesouro, Previdência e Banco Central (BC).
A piora das contas federais ocorreu apesar do aumento da arrecadação.
A receita total do trimestre, de R$ 305,94 bilhões, foi 11,8% superior à
de um ano antes. A receita líquida - depois das transferências a
Estados e municípios - chegou a R$ 248,33 bilhões e ficou 10,6% acima da
contabilizada no trimestre inicial de 2013. Mas o aumento das despesas
chegou a 15,1%. A folha de salários e encargos consumiu R$ 5,71 bilhões a
mais que no ano anterior, com expansão de 12,3%. À Conta de
Desenvolvimento Energético (CDE) foram destinados R$ 2,77 bilhões, para
cobertura parcial dos custos da desastrosa política de tarifas adotada
pela presidente Dilma Rousseff. Nos primeiros três meses de 2013 nenhum
centavo havia sido gasto com essa conta. O total aplicado no Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC), R$ 15,45 bilhões, foi 56,8% superior
ao dos primeiros três meses do ano anterior. Mas a diferença, de R$ 5,6
bilhões, foi menor que o aumento da folha de pessoal.
As contas consolidadas do setor público, divulgadas pelo BC, também
continuam em mau estado. O resultado primário do governo central, dos
governos de Estados e municípios e das estatais chegou a R$ 25,63
bilhões no primeiro trimestre. O acumulado em 12 meses, de R$ 86,22
bilhões, correspondeu a 1,75% do Produto Interno Bruto (PIB) estimado. A
meta do ano é um superávit primário equivalente a 1,9% do PIB. Esse
resultado, a julgar pelos números conhecidos até agora, dependerá de
mais arranjos contábeis.
Os cálculos do BC, baseados nas necessidades de financiamento do
setor público, produzem números ligeiramente diferentes daqueles
divulgados pelo Tesouro. Pelos valores consolidados, o superávit
primário do governo central, de R$ 12,32 bilhões, correspondeu a apenas
44% da meta fixada para o primeiro quadrimestre, de R$ 28 bilhões. Para
atingir essa meta o governo central teria de conseguir só em abril um
saldo primário de R$ 15,68 bilhões. O resultado consolidado do primeiro
trimestre foi parcialmente salvo pelos governos estaduais e municipais,
com superávit de R$ 13,19 bilhões, quase igual ao de um ano antes e
superior, em 2014, ao do governo central.
O secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, prometeu um
resultado bem melhor em abril. Mas números melhores num ou noutro mês
fazem pouca diferença. Para deter a indisfarçável deterioração das
contas públicas, o governo teria de mudar sua política, agir com
responsabilidade e aumentar drasticamente sua eficiência. Para isso,
teria de violar os padrões de governo consolidados em mais de uma
década.
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