O verde que escraviza
A liberdade é inarredável; um paraíso verde, cheio de escravos, é pesadelo com o qual não queremos sonhar
Kátia Abreu - FSP
Todos reconhecem que o
Greenpeace é uma das mais ativas organizações políticas do movimento
ambientalista internacional. Seu diretor-executivo, o ativista
sul-africano Kumi Naidoo, participou recentemente do Global Agribusiness
Forum, promovido por entidades do agronegócio do Brasil.
Seu pensamento, exposto
ali e em uma entrevista concedida ao jornal "Valor Econômico",
despertou-me reflexões preocupantes. Ele representa o que pensa a
comunidade verde na maior parte do mundo. Afinal, a variedade de pontos
de vista não é a regra entre os seus devotos.
Minha preocupação
decorre de dois aspectos do discurso do sr. Naidoo. O primeiro é a
abordagem do problema da mudança climática. Todos sabemos que, por meio
do IPCC --Painel Intergovernamental de Mudanças Climática--, a ONU
patrocina amplo esforço científico para avaliar as possíveis mudanças do
clima, suas causas e modos para mitigá-las.
Esse painel reúne
milhares de cientistas de todo o mundo e emite relatórios periódicos
para fundamentar os debates entre os governos nas Conferências do
Clima.
Questionado sobre esses
relatórios, o sr. Naidoo não usou meias palavras. Disse que "o IPCC é
fundamentalmente uma organização conservadora" e completou:
"Os cenários que coloca
sobre a mesa não são os piores possíveis. Ou seja, qualquer coisa que o
IPCC disser é preciso multiplicar por quatro, para ter um quadro genuíno
das ameaças climáticas".
Os milhares de
cientistas integrantes do IPCC, depois de analisarem cerca de 40 mil
documentos científicos, têm, portanto, menos autoridade que o sr.
Naidoo, que, com a simplificação tão própria da política radical,
determina que se multipliquem por quatro todas as conclusões. E com que
propósito? Semear o terror e vetar, de vez, a intervenção da razão e da
ciência independente
O terror sempre foi a
mais perversa das ferramentas políticas. Nesse caso, é também
contraproducente, pois acaba impedindo a formação de consensos nas
conferências governamentais. A cenografia ambientalista dá mais uma
prova de que seu movimento é um fim em si mesmo e não busca soluções.
Ruim para todos nós.
O pior vem em seguida.
Mirando o agronegócio brasileiro, ele disse que "as grandes fazendas
industriais são menos resistentes aos impactos do clima do que as
pequenas culturas ecológicas; que grandes terras tomadas por
monoculturas e dependentes de fertilizantes e agrotóxicos não são
sustentáveis e que é preciso mudanças radicais e urgentes".
Mais adiante, o sr.
Naidoo afirmou que "a abordagem do setor costuma ser a da monocultura
voltada ao mercado de commodities e ao consumo animal" e prosseguiu: "O
mal está no tamanho da propriedade, que deve ser pequeno, na
especialização produtiva, no uso de adubos e de remédios contra as
doenças e pragas e na produção de plantas para consumo de animais".
Em sua visão peculiar de
paraíso agrícola, não existem grandes áreas de produção. Em cada pedaço
de terra, planta-se a maior variedade possível e não se produz ração
para alimentar bovinos, suínos ou aves, que devem viver ao redor da
casa, comendo ervas e insetos. Aliás, era isso o que existia há 50 ou
100 anos, no Brasil e em boa parte do mundo. Comia-se pouco e mal. Será
esse o futuro que queremos?
Se for essa a escolha,
como fazer a transformação? O Estado tomaria as terras de seus
proprietários para distribuí-las a quem se comprometesse a ser pequeno e
não vender sua produção? O Estado decidiria o que produzir, com que
sementes e com quais técnicas?
Pois bem, estou convicta
de que pessoas livres para escolher não fariam nada disso. Simplesmente
repetiriam o que os agricultores de hoje fazem.
Na utopia passadista do
sr. Naidoo, não há lugar para a liberdade e para o indivíduo. O Estado,
em nome da natureza, tudo dirige e controla. É assim que vamos tornar as
pessoas mais felizes e o mundo melhor? Liberdade é valor inarredável.
Um paraíso verde, cheio de escravos, é pesadelo com o qual não queremos sonhar.
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