sexta-feira, 21 de novembro de 2014

A política do lodo
Juan Ramón Ferrer Mateo - El País
Hoje em dia os políticos podem ser classificados em três classes perfeitamente nítidas: os que têm uma profissão, procuram a política para prestar serviço e depois regressam à mesma; os que não têm outra profissão além da política, isto é, só sairão se for a empurrões e que para se manter estão dispostos ao que for preciso; e os que, tendo uma profissão, descobriram na política sua segunda carreira, sua nova "vocação", à qual não pensam em renunciar por nada do mundo, decidiram aposentar-se nela sem voltar a sua primeira vocação.
Alfonso Grau Alonso está neste último grupo. Conheci-o lá pelo ano de 1986, quando ele negociava em nome da CSIF [Central Sindical Independiente y de Funcionarios] o regulamento de acesso à função pública, enquanto eu o fazia em nome da UGT [Unión General de Trabajadores].
Já na prefeitura, em uma das primeiras comissões da Fazenda, nas quais coincidimos por duas legislaturas (2003-2011), tive de lembrar-lhe que, embora ele não se lembrasse, eu sim me lembrava daquelas negociações de 86 no Conselho de Administrações Públicas. Que não atuasse com exagerado histrionismo em suas intervenções, que ali todos nos conhecíamos ou pelo menos deveríamos nos lembrar mutuamente. Ponho como testemunha Senent e o resto da comissão.
Para minha surpresa, descobri que, na mesma época em que conheci Grau, a CSIF o conheceu com mais precisão, profundidade e detalhe, tanto que Grau teve de abandonar (!) a formação, evento/momento que aproveitou para se transformar em político do Partido Popular (PP), e até hoje.
Os que tivemos a infelicidade de vê-lo atuar no hemiciclo a cada última sexta-feira do mês nos plenários municipais conhecemos bem seus ardis oratórios que emprega sem piedade nem contemplações, não importa quem tenha pela frente no hemiciclo ou acima, nos assentos de convidados, quando representantes de coletivos civis que solicitaram a palavra para tal ou qual ponto da ordem do dia, palavra que não podem negar sem se autodenunciar, mas que tentam achatar e quase sempre coroam com êxito suas pretensões.
Grau emprega a demagogia de forma compulsiva, adiantando que não tem escrúpulos, que é forte com os frágeis e frágil com os fortes. É um vantagista do debate político, provando que não tem classe.
Parece que todas essas habilidades ele pôs em ação em 15 de novembro, em um programa de televisão, com a esperança de que os 1.500 quilômetros que nos separam fossem suficientes para manter-me ignorante de suas declarações.
Aqui manifesta sua afeição ao vantagismo, ignorando o que é a sociedade da informação, que apesar dessa distância costumo ver os programas de televisão produzidos na Espanha, assim como leio regularmente a imprensa espanhola e ouço as rádios espanholas, todos e cada um dos dias. Grau tem uma mentalidade tão do século 19 quanto seu muito cuidado aspecto, ignora que existe a internet, o streaming e que as notícias não têm barreiras fronteiriças por direitos autorais, tampouco o horário de transmissão.
Recebi dezenas de avisos sobre suas declarações, o mais chocante é que, além disso, desde 13 de novembro estou em Valência, a 500 metros de seu escritório. Não há nada a ocultar. O Valencia Turismo Convention Bureau (VTCB) é uma fundação, inicialmente privada, promovida pelo último governo socialista da cidade, presidido pela prefeita Clementina Ródenas.
Materialmente implementada pelo último conselheiro socialista da Fazenda, Joan Ballester, na qual os patronos privados eram maioria, aportavam os fundos na mesma proporção em que participavam e se tomavam as decisões, como é exigível, segundo essa participação/aportação. Nada a objetar, e durante anos funcionou sem sobressaltos nem alarmes com governos socialistas e conservadores.
O conflito começa quando alguém toma decisões sobre atividades e iniciativas "borderline" da legalidade e, não podendo materializá-las por nenhum instrumento municipal, decide fazê-lo mediante o VTCB ainda privado. O problema é que os desembolsos têm de ser feitos pelo VTCB, mas os patronos privados não podem nem querem, nem muito menos estão dispostos a aportar os fundos, que certamente não lhes sobram, para financiar as aventuras e fantasias ancoradas, e que já deitam raízes, no "Salón Pompeyano".
A solução de Grau é promover uma estrutura organizativa mediante a qual a prefeitura aportava o grosso dos fundos, mas a exigência de mantê-la como fundação privada, isto é, fora do alcance e da lupa da IGAE (Intervenção Geral da Administração do Estado), idealizou que a estrutura de participação fundacional continuaria sendo privada enquanto a aportação financeira arrasadoramente majoritária o seria a cargo da prefeitura, entidade vampirizadora da estrutura privada para conseguir seus fins que sob o regime jurídico público lhe teria resultado impossível. A IGAE esteve e está obstinadamente pela declaração da Fundação VTCB como setor público valenciano, quer dizer, parte da Prefeitura de Valência.
Que ninguém creia que os socialistas éramos tão inteligentes, nós não o vimos até que alguém externo pôs em antecedentes a conselheira do PSOE responsável por Turismo na legislatura 2007-2011 e que não a concluiu ao ser catapultada para a Delegação do Governo. Antecedentes cujo custo deve ser relacionado nas faturas apresentadas à intervenção municipal para justificar o destino da subvenção do trimestre "n" e poder receber/reclamar a do trimestre "n+1".
Nunca se pretendeu a maldade do VTCB, como tampouco é intrinsecamente bom, o é em função de como se faz funcionar e para que se faz servir.
Evidentemente, enquanto o PP não pôs suas mãos nela para encobrir suas atuações "borderline" da lei, nunca houve qualquer incidente desse tipo. Lembro-me disso quando no final dos 80 eu mesmo promovi a constituição do TISSAT, com 48% de capital público para garantir que se movesse com as regulamentações estritas do direito mercantil. Nunca na época de governos socialistas houve sombra em suas atuações industriais e empresariais, foi preciso esperar a chegada do PP ao poder e que também metesse suas mãos nela para que o TISSAT se relacionasse muito estreitamente com César Augusto Tauroni e sua plêiade de empresas.
A prefeitura costuma enquadrar os orçamentos a marteladas. A prática contábil atual: orçar os gastos por baixo do necessário em vista da série histórica e os ingressos um pouco acima do previsível, também em vista da evolução histórica da matrícula e não cobrados; a fim de igualar ambos, ingressos previstos e os gastos autorizados ao aprovar o orçamento.
Habitualmente, a cada ano o Grupo Socialista faz reclamações ao Orçamento fundadas nesse falso equilíbrio entre ingressos previstos e gastos autorizados. De cada verba na qual se haviam observado modificações orçamentárias no exercício anterior, isto é, havia-se aumentado seu crédito por manifesta insuficiência do inicialmente aprovado. Investigavam-se por sua vez os pagamentos pendentes e os extraorçamentários produzidos ao longo do exercício, as famosas faturas nas gavetas.
A reclamação ao orçamento se faz verba a verba, das relevantes e inequivocamente mal orçadas sem possibilidade de que possa chegar a ser suficiente por qualquer outro meio, calculando a suficiência no gasto anterior (dotação inicial mais incrementos, mais crescimento do gasto em virtude das revisões de preços, mais pagamentos pendentes por insuficiência orçamentária, mais faturas nas gavetas segundo sua série histórica). A diferença entre essa quantia e a inicialmente orçada é a que se reclama todo ano entre o Plenário de apresentação do Orçamento e o de aprovação do mesmo. Desnecessário dizer que com maiorias absolutas do PP nos dois períodos em que tive a responsabilidade, nunca foi aprovada qualquer reclamação.
Nessas reclamações eram habituais verbas como as de contratação de recolhimento de lixo, sinalização de vias públicas, corte e poda de árvores, eletricidade (iluminação pública, colégios públicos, instalações municipais), remoção de veículos, serviços postais, telefone, conservação da iluminação pública, expropriações e as espetaculares subvenções à EMT, onde começam as empresas e organismos; Fundação Desportiva Municipal, Fundação de Cinema e assim até chegar e incluir em seu caso o VTCB até a modificação de seus estatutos. Para 2011 foram solicitados 149 milhões de euros adicionais para um total de 28 verbas orçamentárias. Para 2010 foram pedidos 168,5 milhões de euros para 25 verbas orçamentárias. Para 2008, 138,2 milhões de euros para 26 verbas. Para 2007, 87,6 milhões de euros para 36 verbas. Não disponho à mão do resumo para 2009.
O que é evidente é que o conselheiro da Fazenda da oposição não promove nem pode promover moção específica para o VTCB quando em sua primeira legislatura havia um conselheiro específico de Turismo e na segunda também.
Não se explica que o senhor Grau, com 20 anos de experiência na prefeitura e vice-prefeito, confunda uma reclamação ao orçamento com uma moção, apesar de falar em "moção ao Orçamento", salvo que queira confundir os leigos na matéria. Mais adiante, aceita que é de 2004. Não sei se me cita porque não estou sob nenhuma suspeita, logo ele tampouco, ou porque não tem melhor justificativa e se dá a circunstância de que o conselheiro da Fazenda desde junho de 2003 era eu. Em todo caso, se o senhor Grau crê que invocar-me é sua melhor defesa, além de compadecê-lo, lhe sugiro que deveria fazê-lo saber não ao juiz instrutor, senhor Castro, senão ao que veja a causa se chegar a afetá-lo. 
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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