segunda-feira, 26 de junho de 2017

Um Brasil morto, outro por parir

Fernando Santos - 27.jun.1985/Folhapress
O então presidente José Sarney posa para foto em São Paulo
O então presidente José Sarney; seus últimos anos registraram baixos índices de popularidade
Vinicius Torres Freire - FSP
É um ano agitado. Os tucanos querem "diretas, já", abreviar o mandato do presidente, eleito apenas como vice, muito impopular, avaliado como ótimo ou bom por apenas 7% do eleitorado, segundo o Datafolha.
O país está em recessão. O governo, do qual os tucanos fazem parte, é tido como corrupto. Investigações concluem que o presidente tinha pleno conhecimento das irregularidades. Protestos da oposição pedem eleições gerais, o presidente fala em "união nacional". A tese das "diretas, já" não cola. Os tucanos rompem com o governo.
O ano era 1988.
Os tucanos eram de fato o "Bloco Independente" do PMDB, que em junho daquele 1988 passaria a ser o PSDB. O presidente era José Sarney; a duração de seu mandato era na verdade estipulada pelas leis da ditadura e estava sendo redefinida pela Constituinte. Um pedido de impeachment de Sarney, derivado de uma "CPI da Corrupção", seria arquivado pela Câmara em 1989, por falta de "provas conclusivas".
Semelhanças entre 2017-18 e 1988-89 proporcionam diversão sinistra.
Neste junho de 2017, apenas 7% do eleitorado considera o governo de Michel Temer ótimo ou bom, diz o Datafolha. Por decurso de prazo, Temer não vai bater o recorde de desprestígio longevo de Sarney, que permaneceu com menos de 10% de "ótimo/bom" por dois anos, de março de 1988 até o fim de seu governo, em março de 1990.
Temer tem ano e meio de mandato, mas pode provocar danos políticos similares aos causados por Sarney. A tese agora já está na boca do povo: o desprestígio terminal das lideranças políticas maiores favorece candidaturas de "outsiders" e aventureiros.
Um "outsider" finalista da eleição de 1989 era um aventureiro, mas o outro era o líder do primeiro partido popular de esquerda do Brasil, Lula do PT (não se faça muxoxo, trata-se de 1989). O PSDB, que não ousava dizer seu nome, mas era o primeiro partido de direita mais ilustrada, começava sua carreira (idem sobre muxoxos).
Éramos infelizes mas não sabíamos durante os governos de PSDB e PT de 1995 a 2010? Ok. Agora, considere-se o que viera antes e o que veio depois. Não é uma justificativa, é uma comparação.
Agora, qual a alternativa?
Mesmo quem sobrou vivo dentro do sistema podre não sai, não se abre para o resto do país a fim de articular alternativa política, uma "solução Macron" (o presidente francês).
Quem está fora, na "sociedade civil", não articula força partidária nova, uma "solução Podemos" (o partido espanhol). Dadas as regras formais e informais da eleição parlamentar, além de escassas condenações judiciais, daí também não virá renovação.
Virá um 1989 piorado? O país é socialmente diferente, o que, porém, não basta para desfazer o sistema político. Votam 70% da população, ante 53% em 1989. Então, 77% do eleitorado tinha apenas ou menos que o ensino fundamental (51%, agora). A renda per capita é 63% maior. A miséria, menos desesperadora. A desigualdade, menor: o rendimento médio dos 10% mais ricos equivalia a 30 vezes o dos 40% mais pobres; agora, a umas 14.
Esse país algo menos selvagem em termos socioeconômicos tem mais recursos e desejos, vide junho de 2013, de rejeitar o sistema político, mas não cria meios políticos de fazê-lo de modo novo.

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