Olavo de Carvalho - Diário do Comércio, 2 de janeiro de 2006
Durante décadas os regimes comunistas e
islâmicos praticaram a tortura em massa de prisioneiros políticos,
usando métodos que iam das camisas-de-força e choques elétricos até à
mutilação e à morte. A quase totalidade dos intelectuais esquerdistas e a
mídia chique (a começar, entre nós, pela Folha de S. Paulo , nos EUA pelo New York Times ,
na Inglaterra pela BBC) não apenas se omitiram de denunciar esses
crimes, ao menos com alguma ênfase, mas na maioria dos casos se
esforçaram para minimizá-los e até para ocultá-los por completo.
Bastou, porém, a notícia de que os
militares americanos gritavam com terroristas iraquianos presos, vestiam
calcinhas nas cabeças deles para humilhá-los ou os obrigavam a ouvir
CDs de heavy metal, para que uma onda gigante de protestos
varresse o planeta, gritando contra a “tortura” e apresentando-se com
ares de nobilíssimo apelo aos mais altos sentimentos da humanidade.
São justamente os mais cínicos e brutais
que com maior facilidade envergam o manto da autoridade moral,
impressionando pelas caretas de compunção e dignidade em que só a parte
sonsa da platéia não reconhece o fingimento, a macaqueação histriônica,
as lágrimas de crocodilo.
Não espanta que o modelo supremo de
virtudes cultuado por essa gente seja Noam Chomsky, um monstro de
mendacidade capaz de fazer a apologia do regime Pol-Pot no auge da
matança sistemática de dois milhões de civis e logo em seguida acusar de
genocídio nazista o seu próprio país por conta de feitos macabros
incomparavelmente mais modestos praticados, aliás, nem mesmo pelos EUA,
mas por um seu aliado remoto, a Indonésia (ele insiste nisso num recente
artigo da revista inglesa Prospect).
Os critérios perversos instituídos pelos
Chomskys na mídia internacional, onde pelo menos encontram alguma
oposição, são copiados servilmente pelos jornais brasileiros, onde
praticamente ninguém os contesta. Com exceções que se tornam tanto mais
honrosas porque se contam nos dedos, jornalismo, no Brasil, é militância
esquerdista e nada mais. Militância esquerdista subsidiada por
empresários covardes, irresponsáveis, oportunistas. Sobretudo incultos,
incapazes de informar-se por si próprios e por isto dependentes dos
gurus esquerdistas a quem entregam o poder total sobre suas redações,
tratam com devoção subserviente e pagam salários indecentemente
elevados.
Nessas condições, não há critério de honestidade jornalística que sobreviva.
Argemiro Ferreira, o correspondente da Globonews
em Nova York, tem a imensurável cara de pau de negar que haja um
esforço organizado para erradicar o cristianismo da cultura americana, e
atribui a inocentes considerações mercadológicas a substituição do
tradicional “Merry Christmas” por “Happy Holidays” nos cartazes do
Walmart, do Target etc., substituição que na verdade atendeu a pressões
crescentes exercidas pela ACLU e por outras organizações anti-religiosas
desde há mais de cinco décadas. Ele está tão satisfeito com a própria
ignorância que chega a escrever que os evolucionistas “não vetam a
teoria bíblica ou intelligent design , mas acham que deve ser
ensinada na aula de religião, não de ciências”. Bem pago para viver nos
EUA e informar-se do que aí se passa, não sabe sequer que aulas de
religião não existem no ensino público americano. E depois disso ainda
se sente à vontade para chamar de “semi-analfabeto” o comentarista da
Fox News, John Gibson, que comparado a ele é Isaac Newton.
Alberto Dines, como comentei na semana
passada, proclama que a direita católica domina os jornais, mas
desafiado por Diogo Mainardi a citar um potentado católico imperando
sobre alguma redação, não consegue encontrar um só. Mainardi, em
resposta, mencionou dúzias de comuno-petistas nos altos postos da mídia.
Como reage Dines agora? Confessa a derrota? Nada. Acusa o adversário de
fazer “perseguição macartista” aos senhores da mídia, como se a
desproporção numérica entre um só Mainardi e a multidão dos que o odeiam
já não bastasse para mostrar quem é o perseguidor, quem o perseguido.
A entrega das redações ao guiamento desses
iluminados explica por que a circulação dos jornais diários continua
mais ou menos a mesma dos anos 50, enquanto a população do país dobrou, o
analfabetismo foi praticamente erradicado e o número de revistas
empresariais e especializadas quase centuplicou. A TV, é claro, tem
outros atrativos, inclusive a exploração sexual, e vive deles. Mas
jornais não sobrevivem à ocultação ideologicamente seletiva das
noticias.
Mundo maravilhoso
Duas dicas que você não encontrará em nenhum jornal brasileiro:
1) Ramsey Clark, o ex-procurador geral que
está atuando voluntariamente na defesa de Saddam Hussein, foi advogado
do governo comunista do Vietnã do Norte na época em que este torturava
prisioneiros americanos a granel. Depois trabalhou também para a
ditadura dos aiatolás do Irã, e organizou uma campanha em favor de
Slobodan Milosevic. A revista Salon publicou sua biografia sob
o título “Ramsey Clark, o melhor amigo dos criminosos de guerra”. A ONG
que ele fundou, International Action Center, é constituída quase que
inteiramente de membros do Workers World Party, marxista-leninista.
2) O Canadá acaba de se tornar o paraíso
dos pedófilos. A idade mínima para o cidadãozinho poder ser convidado,
sem crime, para participar de qualquer atividade sexual, incluindo
sadomasoquismo, foi baixada para 14 anos. Prestem atenção: a liberação
mundial da pedofilia está no programa das ONGs milionárias e se tornará
realidade antes de transcorrida uma década. O filme em louvor de Alfred
Kinsey, estrelado por Liam Neeson, já é pura preparação psicológica das
massas para que aceitem isso sem reclamar. As pesquisas de Kinsey foram
patrocinadas pela Fundação Rockefeller, que as impôs como verdade
científica a todo o establishment universitário. Hoje sabe-se
que Kinsey era pedófilo praticante, que abusou até de recém-nascidos e
que subsidiou as “pesquisas de campo” feitas por um criminoso de guerra
nazista, contratado por ele para ter relações sexuais com meninos e
depois descrever suas reações. Descobriu-se também que suas descrições
do comportamento sexual dos americanos não se basearam em pesquisas com
pessoas comuns, mas com estupradores e molestadores de crianças, sendo
depois falsamente apresentadas como retratos fiéis da média normal dos
cidadãos. Em suma, Kinsey era um monstro, um psicopata perigoso. Depois
de todas essas descobertas, jamais seriamente contestadas, fazer um
filme glorificando o sujeito é, obviamente, estratégia de
dessensibilização.
Presunção afirmativa
No jornal O Globo do último dia
24, Letícia Sardas, desembargadora no Tribunal de Justiça do Estado do
Rio de Janeiro, atribui aos juízes a função de “ transformar direitos”
por meio de “ações afirmativas” e, assim, “reescrever a história do ser
humano, colocando as novas questões de acordo com nossa experiência e
sensibilidade”.
Essa senhora já está grandinha o bastante
para saber que “transformar direitos”, assim como instituí-los e
revogá-los, é função de legisladores eleitos pelo povo e não de qualquer
funcionário público que se arrogue essa função.
Do mesmo modo, “colocar as novas questões
de acordo com a nossa experiência e sensibilidade”, na medida em que
dessa discussão podem nascer ou perecer, ampliar-se ou restringir-se
direitos, é também incumbência do Parlamento eleito. A tarefa dos juízes
começa justamente quando essa discussão terminou.
Funcionários públicos que prometem eliminar
as injustiças sociais foram Robespierre e Lênin, Stalin e Hitler, Mao e
Pol-pot. O Brasil não chegou a tanto, mas já tem Letícia Sardas.
Não há desigualdade maior que a do
funcionário que se investe da autoridade de definir a seu belprazer sua
própria função, seus próprios poderes e seus próprios direitos, enquanto
todos os demais funcionários e cidadãos devem ater-se ao que lhes
prescreve a lei. Se, por exemplo, os jornalistas, num acesso de
autoadoração grupal semelhante àquele em que se embriagam certos juízes,
resolvessem decretar que a função do jornalismo não é contar o que se
passou ontem, mas “reescrever a história de acordo com a nossa
experiência e sensibilidade” (e não tenho dúvidas de que muitos fazem
precisamente isso), a população perceberia imediatamente estar lidando
com charlatães ambiciosos. Por que o critério deveria ser diferente com
juízes que, de repente, decidem criar e revogar direitos como se fossem
legisladores?
Guerras culturais
“O segredo é da natureza mesma do poder”,
dizia René Guénon. Quem ignore essa regra hoje em dia está condenado a
servir de instrumento cego e dócil para a realização de planos políticos
de enorme envergadura que lhe permanecem totalmente invisíveis e
inacessíveis. Isso é particularmente verdadeiro no caso das chamadas
“guerras culturais”, cujos movimentos, sutis e de longuíssimo prazo,
escapam à percepção não só das massas como da quase totalidade das
elites políticas, econômicas e militares. Todos sofrem o seu impacto e
são profundamente alterados no curso do processo, inclusive nas suas
reações mais íntimas e pessoais, mas geralmente atribuem esse efeito à
espontaneidade do processo histórico ou a uma fatalidade inerente à
natureza das coisas, sem ter a menor idéia de que até mesmo essa reação
foi calculada e produzida de antemão por planejadores estratégicos.
A idéia de ter sido usado inconscientemente
por outro mais esperto é tão humilhante que cada um instintivamente a
rejeita indignado, sem notar que a recusa de enxergar os fios que o
movem o torna ainda mais facilmente manejável. O medo de ser
ridicularizado como crédulo é um poderoso estimulante da ingenuidade
política, e na guerra cultural a exploração desse medo se tornou um dos
procedimentos retóricos mais disseminados, erguendo uma muralha de
preconceitos e reflexos condicionados contra a percepção de realidades
que de outro modo seriam óbvias e patentes.
Uma longa tradição de lendas urbanas em
torno de “teorias da conspiração” também ajudou a sedimentar essa
reação. A guerra cultural não é, evidentemente, uma “conspiração”, mas a
sutileza das suas operações, raiando a invisibilidade, faz com que a
impressão confusa suscitada pelo conceito em quem ouça falar dele pela
primeira vez seja exatamente essa, produzindo quase infalivelmente
aquele tipo de resposta que mereceria o nome de suspicácia ingênua, ou
incredulidade caipira.
Outra dificuldade é que as armas usadas na
guerra cultural são, por definição, uma propriedade quase monopolística
da classe dos intelectuais e estudiosos, escapando não só à compreensão
como aos interesses do cidadão comum, mesmo de elite, não envolvido em
complexos estudos de história literária e cultural, filosofia,
lingüística, semiologia, arte retórica, psicologia e até mesmo
sociologia da arte. Em todo o Congresso Nacional, na direção das grandes
empresas e nos comandos militares não se encontrará meia dúzia de
portadores dos conhecimentos requeridos para a compreensão do conceito,
quanto mais para a percepção concreta das operações de guerra cultural.
Sobretudo em países do Terceiro Mundo, a formação das elites governantes
é maciçamente concentrada em estudos de economia, administração,
direito, ciência política e diplomacia. Para esses indivíduos, as letras
e artes são, na melhor das hipóteses, um adorno elegante, um
complemento lúdico às atividades “peso-pesado” da política, da vida
militar e da economia. Suas incursões de fim de semana em teatros e
concertos podem alimentar conversas interessantes, mas jamais lhe darão
aquela visão abrangente do universo cultural sem a qual a idéia mesma de
uma ação organizada e controlada sobre o conjunto da cultura de um país
(ou mais ainda de vários) seria impensável. De fato, para essas
pessoas, ela é impensável. A cultura lhes aparece como o
florescimento autônomo e incontrolável de “tendências”, de impulsos
criativos, de inspirações multitudinárias que expressam o “senso comum”,
o fundo de opiniões e sentimentos compartilhados por todos, a visão
espontânea e “natural” da realidade. Que, para o estrategista da guerra
cultural, o “senso comum” seja um produto social como qualquer outro,
sujeito a ser moldado e alterado pela ação organizada de uma elite
militante; que sentimentos e reações que para o cidadão comum constituem
a expressão personalíssima da sua liberdade interior sejam para o
planejador social apenas cópias mecânicas de moldes coletivos que ele
mesmo fabricou; que a direção de conjunto das transformações culturais
não seja a expressão dos desejos espontâneos da comunidade mas o efeito
calculado de planos concebidos por uma elite intelectual desconhecida da
maioria da população – tudo isso lhe parece ao mesmo tempo um insulto à
sua liberdade de consciência e um atentado contra a ordem do mundo tal
como ele a concebe. Mas essa reação está em profundo descompasso com o
tempo histórico. A característica essencial da nossa época é justamente a
transformação cultural planejada, e quem não seja capaz de percebê-la
estará privado da possibilidade de lhe oferecer uma reação consciente:
por mais dinheiro que tenha no bolso ou por mais alto cargo que ocupe na
hierarquia política, jurídica ou militar, estará reduzido à condição de
“massa de manobra” no sentido mais desprezível do termo. O sonho dos
iluministas do século XVIII – uma sociedade inteira à mercê dos planos
da elite “esclarecida” – tornou-se realizável dois séculos depois graças
a três fatores: a expansão do ensino universitário, criando uma massa
de intelectuais sem funções definidas na sociedade e prontos para ser
arregimentados em tarefas militantes; o progresso dos meios de
comunicação, que permite atingir populações inteiras a partir de uns
poucos centros emissores; e a enorme concentração de riquezas nas mãos
de alguns grupos oligárquicos imbuídos de ambições messiânicas.
Explicarei mais sobre isso nos próximos artigos.
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