Continuando a análise das dissintonias entre os
diversos órgãos de combate à corrupção, temos diante de nós mais
exemplos, que têm sido recorrentes, de dissintonia dentro do próprio
pleno do Supremo Tribunal Federal. As decisões de mandar para casa com
tornozeleira eletrônica o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures, e devolver o
mandato do senador Aécio Neves, que tantas reações negativas provocaram
na opinião pública, contém incoerências que geram insegurança jurídica,
além do descrédito na Justiça.
Nos dois casos, os vídeos mostrando malas de dinheiro sendo
distribuídas a um primo do senador Aécio Neves e ao próprio Loures,
depois de designado pelo presidente Temer como pessoa de sua mais alta
confiança, com quem o empresário Joesley Batista poderia tratar de todos
os assuntos, inclusive “enviar através dele” alguma coisa, fazem com
que a opinião pública não entenda a decisão da Justiça.
A decisão
monocrática do ministro Marco Aurélio Mello de devolver ao senador Aécio
Neves o direito de exercer o mandato, que havia sido suspenso por outro
ministro, Luis Edson Fachin, revela não apenas uma contradição entre os
membros da nossa mais alta Corte, como salientou ontem o jurista
Joaquim Falcão, como também uma contradição do próprio ministro Marco
Aurélio.
Também a liberação do ex-deputado Rodrigo Rocha Loures pelo relator
Luis Edson Fachin é incoerente com o seu despacho em que determinou a
prisão do mesmo Loures, semanas atrás. E também a decisão de impedir que
Aécio Neves continuasse exercendo o mandato de senador tinha falhas
técnicas.
O ministro Edson Fachin não aceitou mandar prender o senadortucano,
como pedia o Procurador-Geral da República Rodrigo Janot, porque, pelo
parágrafo 2º do Artigo 53 da Constituição, um parlamentar só pode ser
preso em flagrante de crime inafiançável, e com o consentimento do
Congresso.
O afastamento do mandato é uma medida cautelar alternativa à prisão
prevista no Código de Processo Penal, e já que a prisão era ilegal, não
deveria o ministro ter utilizado uma pena alternativa.
Por seu lado, o ministro Marco Aurelio Mello já havia
monocraticamente mandado retirar da presidência do Senado Renan
Calheiros, no final do ano passado, alegando que não poderia exercer um
cargo que está na linha de substituição do presidente da República, pois
se tornara réu num processo no Supremo.
Na ocasião, o ministro Marco Aurélio foi muito criticado por seus
pares e pelos parlamentares, justamente por estar se intrometendo em
assunto interno do Congresso. O ministro Gilmar Mendes chegou na ocasião
a dizer que ele deveria sofrer impeachment. Não custa lembrar, já que
estamos falando sobre incoerências e dissintonias entre os membros do
Supremo, que naquela ocasião o plenário já havia alcançado uma maioria
que entendia que um réu não poderia assumir a presidência da República, e
foi com base nessa decisão que Marco Aurélio deu a liminar afastando
Renan.
Pois diante da crise institucional implantada, já que Renan
recusou-se a cumprir a determinação do STF, três ministros reajustaram
seus votos e o Supremo encontrou uma saída que, para garantir a
estabilidade, sacrificou a coerência da nossa mais alta Corte. Decidiu
que Renan poderia continuar à frente do Senado, mas não poderia assumir a
presidência da República. O que era uma distinção do cargo, passou a
ser questão pessoal.
Para sua decisão agora sobre Aécio Neveso mesmo Marco Aurélio
considerou que o afastamento do senador é uma medida que coloca em risco
a harmonia entre os poderes Legislativo e Judiciário. Por isso,
entendeu que caberia somente ao próprio Senado afastar Aécio.
É possível concordar-se com o ministro Marco Aurélio quando ele diz
que o senador Aécio Neves tem o direito de manobrar para trocar o
ministro da Justiça, ou trabalhar para anistiar o Caixa 2 eleitoral ou
aprovar a lei de abuso de autoridades, pois são tarefas inerentes ao
mandato parlamentar.
São projetos recrimináveis, na mais perfeita acepção da velha
política que trabalha em favor da blindagem de políticos que cometeram
ilegalidades. Mas são medidas dentro do plano legislativo, que podem
merecer a desaprovação dos cidadãos, nunca uma acusação criminal.
Já a revogação da prisão preventiva do Rodrigo Rocha Loures não se
compreende à luz da própria argumentação no decreto da prisão, em que
Fachin asseverou ser "imprescindível a decretação de sua prisão
preventiva para garantia da ordem pública e preservação da instrução
criminal".
De lá para cá, a situação jurídica do Loures se agravou, passando de
investigado a acusado, e a instrução criminal sequer começou. Assim,
como se compreender a revogação da prisão cautelar? A decisão
revogatória não apontou nenhum fato novo que a amparasse.
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