quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

AS TREVAS DO ISLÃO

Diplomacia pisoteada
SAMY ADGHIRNI DE TEERÃ - FSP

Um iraniano que invadiu a embaixada britânica em Teerã e um israelense que viu sua representação ser violada no Egito relatam os episódios, reveladores da radicalização dos conflitos no Oriente Médio
Minha história Jafar, 23
RESUMO - O estudante de arquitetura e militante pró-regime Jafar (nome fictício), 23, é um dos iranianos que invadiram a Embaixada do Reino Unido em Teerã em 29 de novembro, em protesto contra novas sanções econômicas ao Irã.
O ataque levou ao fechamento da representação britânica e agravou a crise, alimentada pelo programa nuclear iraniano, entre o Irã e as potências ocidentais.
Eu estava saindo da aula na faculdade de arquitetura quando recebi de um colega um panfleto convocando para uma manifestação, dois dias depois, na frente da Embaixada britânica.
O panfleto dizia que seria um protesto pelo primeiro aniversário do assassinato do mártir Majid Shahriari, um dos nossos melhores cientistas [nucleares], por agentes israelenses e britânicos.
Também havia muita raiva por conta das novas sanções ocidentais impostas ao Irã. Na falta de embaixada dos EUA ou de Israel, a raiva foi direcionada à do Reino Unido.
No fim da tarde do dia 29, um amigo me ligou avisando que havia muita tensão na frente da embaixada. Fui imediatamente para lá.
Ao chegar, soube que estudantes que haviam invadido o prédio estavam presos por policiais dentro da representação. Na frente, cerca de 300 jovens exigiam a libertação dos colegas.
A tensão aumentava à medida em que cada vez mais gente chegava no local.
Um dos estudantes que estavam perto do portão passou mal e quando a polícia tentou abrir passagem para tirá-lo de lá, abriu-se uma brecha e centenas de pessoas invadiram o complexo.
Fui empurrado para dentro pela maré humana e logo me vi no meio de uma confusão generalizada. Pessoas iam de sala em sala destruindo computadores e quadros de parede, pisoteando objetos, documentos e CDs.
Como estava muito frio, alguém acendeu uma fogueira. No meio da fumaça e do barulho infernal daquela confusão, um dos estudantes sentou num piano e começou a tocar. Foi surreal.
Não destruí nada, mas fiquei enojado com coisas que vi, como uma foto da rainha Elizabeth ao lado do xá [Reza Pahlevi, derrubado pela revolução islâmica, em 1979].
Em uma das salas havia uma placa que dizia: "aqui estiveram reunidos Churchill, Roosevelt e Stálin". Eles provavelmente estavam tentando definir o futuro do Irã no lugar dos iranianos.
Nos acusam de ter violado a Convenção de Viena, que veta invadir embaixadas.
Mas, primeiro, nem eu nem ninguém aqui assinou a tal convenção.
Segundo, a embaixada vive violando a convenção ao se meter em assuntos internos do Irã.
No início do século 20 impuseram acordos injustos para explorar nosso petróleo.
Em 1953, ingleses e americanos derrubaram o premiê democraticamente eleito, Mohammed Mossadegh.
Em 2009 fizeram de tudo para emplacar o candidato do Ocidente, inventando histórias sobre fraude na eleição.
Até recentemente o site da embaixada divulgava mensagens pró-oposição.
Muita gente diz que a invasão da embaixada foi coordenada pelo governo iraniano. Mas posso garantir que, ao contrário da tomada da embaixada americana em 1979, foi uma reação espontânea. Não sou partidário da violência e acho que a explosão de fúria na embaixada aquele dia teria sido evitada se o Irã tivesse rebaixado antes o nível das relações com o governo britânico.
Mas é bom que o Reino Unido tenha sido colocado para correr.
Apesar de tudo, meu sonho é estudar arquitetura em Londres. Não vejo contradição nisso. Meu problema é com o governo britânico, não com o país em si.

Minha história
Itzhak Levanon, 67
MARCELO NINIO DE JERUSALÉM - FSP
RESUMO - Último embaixador de Israel no Egito da era Hosni Mubarak (deposto em fevereiro), Itzhak Levanon, 67, encerrou sua carreira diplomática com uma experiência dramática. Na madrugada de 10 de setembro, deixou o país num avião militar, resgatado pelo seu governo. Horas antes, a embaixada israelense no Cairo fora invadida por uma multidão enfurecida, apesar de os países terem acordo de paz.
Era uma sexta-feira, eu estava sozinho em casa. Na embaixada haviam ficado somente os seis seguranças. A mesa estava posta, mas o jantar ficou intocado.
Desde maio, o ritmo dos protestos contra a embaixada havia aumentado. Arrancaram a bandeira uma vez, em outra a queimaram. Em consequência, um muro foi erguido em volta do prédio.
No dia da invasão, Israel não era o alvo inicial. O plano [dos manifestantes] era ir até a praça Tahrir protestar contra os militares.
No caminho, elementos palestinos convocaram os manifestantes a levar marretas para derrubar o muro em torno da embaixada.
Foram 13 horas muito difíceis, de tensão, gritos, telefonemas sem parar. Eu via tudo ao vivo pela TV Al Jazeera e os seguranças no prédio completavam o relato. O clima era ameaçador.
Jamais pensei que conseguiriam invadir a embaixada. Havia muito Exército em volta e geralmente os soldados dispersavam os protestos com facilidade. Naquele dia, isso não ocorreu.
Num certo momento, o chefe da segurança fez um apelo dramático: "Itzhak, eles entraram, faça tudo o que você puder." Disparei telefonemas para todos os que podiam ajudar, entre Cairo, Jerusalém e Washington.
Tudo passa pela cabeça. O medo é enorme. Eu funcionava na base da adrenalina. Aquele era o lugar em que eu passava 10, 12 horas por dia. Minha cabeça estava a mil. Até que às 4h nos retiraram do país num avião militar.
Aquilo não poderia ter acontecido. Todo país tem a responsabilidade de proteger as embaixadas. Até a invasão, minha experiência tinha sido surpreendentemente boa. Me avisaram que seria difícil, porque assim havia sido com meu antecessor. Eu cheguei pronto para o pior. O que eu vivi foi o oposto.
Eu ia à ópera, shoppings, cafés, restaurantes. Fui muito bem recebido, e o fato de falar árabe fez toda a diferença. Sabia as piadas, os provérbios, conheço a mentalidade. Pessoalmente foi uma experiência muito rica.
Já no lado profissional, a situação não era nada boa. Havia dois níveis. Com [o ex-ditador Hosni] Mubarak e os ministros, a relação era ótima. Com níveis inferiores do governo, sindicatos, imprensa, intelectuais, nada. Não quiseram relação comigo.
Mubarak não se esforçou para mudar isso. Quando era conveniente, me abraçava, tirava fotos. Quando não, achava motivos para barrar minhas iniciativas. Sempre buscou se posicionar no meio.
Não acredito que o acordo de paz entre Israel e o Egito esteja em risco. A maioria dos egípcios entende que a anulação do acordo significa voltar ao estado de guerra. Isso ninguém quer.
A situação interna no Egito não é fácil. A Irmandade Muçulmana [vitoriosa em recente eleição parlamentar] não é a mesma de quando foi fundada, em 1928. É o novo islã político, que entende onde vive. Tem suas posições, mas é lúcida.
A hostilidade aos judeus e a Israel faz parte da cultura árabe. É desagradável dizer isso, mas se o Corão chama os judeus de macacos, o que podemos esperar?

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