quinta-feira, 26 de junho de 2008

NOVO ENIGMA PARA ÉDIPO

"É coisa? - Não. Está vivo? - Sim. É vegetal? - Não. É animal? - Sim. Rasteja? - Às vezes, nem sempre. Qual é a sua postura? - De pé. Voa? - Cada vez mais. Assobia? - Às vezes. Ruge, muge, late, ladra, uiva, ulula? - Sim, quando quer, por imitação. Sabe fazer ninhos para a cria? - Constrói todo o tipo de alvéolos trêmulas. Cava túneis subterrâneos? - Cada vez mais, porque voa e tem medo. Alimenta-se de frutas, de plantas? - Sim, porque é frágil. E de carne? - Muitíssimo, porque é cruel. Fala? - Demais: suas palavras enchem a terra inteira de barulho. É, portanto leão, tigre e ao mesmo tempo gado e ao mesmo tempo papagaio gato cachorro macaco toupeira e castor? - Sim sim sim sim tanto isso tudo quanto ele mesmo e todos os outros. Vive à noite ou de dia? - Vive à noite e de dia. Dorme às vezes de dia e trabalha à noite porque teme os próprios sonhos. Pode ver e ouvir? - Vê tudo ouve tudo, mas tapa os ouvidos. Que faz quando trabalha? - Ergue altas muralhas para ocultar o sol. Fala, canta, resmunga para encobrir o estrondo do trovão. E quando não está fazendo nada? - Esconde-se. Treme com todos os membros sem saber por quê. Dirige-se rumo a algo, alguém? - Pensa que sim, finge ser chamado, escolhido, coroado. É mortal? - Julga-se imortal, mas morre. Gosta da morte? - Detesta-a, não a compreende. Que faz contra a morte detestada? - Multiplica-a dentro e fora de si por toda a terra no mar e no ar, espalha-a nutre-se de vida, isto é, de morte. Com todo esse massacre, que quer ganhar? - Pensa perder de vista o fim, borrar o horizonte. Que espera afinal? - Sua morte, sua própria morte. E quando sua própria morte enfim chega? - Não a reconhece: pensa que é vida e prosternado chora." Jean Tardieu (1903/1995)