terça-feira, 31 de janeiro de 2012

GUERRA CONTRA OS VÂNDALOS

Em guerra contra o establishment de São Paulo, com tinta preta na mão
Simon Romero - NYT
As autoridades desta megacidade travam há anos uma guerra contra o que chamam de “poluição visual”, proibindo outdoors, demolindo prédios abandonados e planejando remover coisas desagradáveis aos olhos, como o elevado conhecido como Minhocão.
Mas a batalha para limpar a vasta paisagem da cidade se mesclou com o conflito social mais profundo entre os ricos e pobres, onde os revoltados e marginalizados atacam em uma forma de expressão sem igual em outras cidades.
Agindo contra o establishment, os jovens se armam de tinta preta, rolos, latas de spray e grande dose de ousadia pessoal. O alvo deles: a paisagem que a sociedade busca tanto recuperar.
“Nós praticamos guerra de classes e há baixas na guerra”, disse Rafael Guedes Augustaitiz, 27 anos. “Eles nos comparam a bárbaros e pode haver um pouco de verdade nisso.”
Augustaitiz faz parte de uma subcultura que executa uma forma de grafite descrita por um acadêmico como um “alfabeto voltado para invasão urbana”. Ela envolve quase completamente alguns prédios públicos de São Paulo, edifícios residenciais, até mesmo monumentos públicos, com letras que lembram as antigas runas escandinavas.
Os praticantes mais ousados colocam em risco suas vidas, escalando as fachadas dos prédios à noite para pintar suas marcas no alto dos arranha-céus escurecidos pela poluição. Alguns já morreram após caírem de alturas assustadoras.
Sua forma de grafite, chamada de pichação, reflete a decadência urbana e as profundas divisões de classe que definem grande parte de São Paulo, uma cidade com uma população metropolitana que se aproxima de 20 milhões. Ela é apenas um lembrete dos males sociais que o boom econômico do Brasil até o momento ainda não conseguiu resolver, e talvez possa estar até mesmo acentuando, apesar dos recentes avanços na redução da desigualdade de renda.
Neste mês, os brasileiros ficaram aturdidos com os confrontos em São José dos Campos, uma cidade industrial a 80 quilômetros de São Paulo, quando a polícia realizou a reintegração de posse de uma propriedade invadida, expulsando 6 mil moradores do local.
A fúria em torno do episódio e a remoção violenta pelas forças de segurança, neste mês, dos viciados em crack de uma região do centro de São Paulo conhecida como Cracolândia, resultou em um forte protesto na semana passada contra o prefeito da cidade, Gilberto Kassab. Seu carro foi atacado com ovos enquanto ele fugia.
“É positivo ver outros reagindo com indignação contra nossa elite”, disse Djan Ivson Silva, 27 anos, um líder de equipe de pichação. “Nós corremos riscos para lembrar à sociedade que esta cidade é uma agressão visual para começar, e hostil a todos que não são ricos.”
Manter essa vantagem é essencial para os autodescritos subversivos, que buscam em parte sua legitimidade underground de seus choques com a corrente principal do mundo das artes.
Enquanto outras formas de grafite de São Paulo adquiriam respeitabilidade como arte de rua, exibidas em galerias daqui e do exterior, a pichação permanece desafiadoramente de fora dessas convenções, provocando reações viscerais daqueles cansados de seus rabiscos por toda a cidade.
“Eles fazem os prédios parecerem grotescos e as paredes parecerem repulsivas”, disse Telma Sabino, 45 anos, uma secretária, ecoando o sentimento antipichação de muitos outros paulistanos.
Mas a pichação fascina os acadêmicos da cultura urbana, que a estudam desde que surgiu aqui nos anos 80. Eles dizem que ela difere notadamente de outras formas de grafite urbano de todo o mundo, inspiradas pelas inscrições coloridas de Nova York dos anos 70.
Frequentemente aplicando tinta preta com rolos em vez de usar o spray mais caro, os pichadores foram influenciados pelas capas de discos de bandas estrangeiras como Iron Maiden e AC/DC, por sua vez influenciadas pelas letras góticas e runas vikings, disse François Chastanet, um acadêmico francês e autor de um livro sobre pichação.
O resultado é uma escrita em código com letras pretas inclinadas verticalmente, frequentemente indecifráveis pelos não praticantes. Chastanet disse que se maravilha com a capacidade desse sistema de inscrições ilegais acabar ocupando vastas áreas da metrópole.
“Para os moradores de São Paulo, ela pode contribuir para um mal-estar, mas temos que ver que sua enormidade é uma maravilha urbana”, disse Chastanet.
As equipes de pichação frequentemente contam com 10 membros, a maioria jovens da periferia pobre de São Paulo, pintam frases curtas como “Terrorismo Poético” ou seus próprios nomes, como “Zé”. Suas pichações raramente apresentam declarações políticas explícitas. Às vezes os pichadores apenas rabiscam o nome da equipe, como “Cripta”. Essas equipes geralmente se organizam em associações maiores chamadas “grifes”, que podem abranger até 50 equipes diferentes.
As grifes, com nomes como “Os + Imundos” ou “Os Registrados no Código Penal”, competem umas com as outras na pintura de prédios cobiçados. Suas brigas de rua são violentas e podem terminar em morte. Essas guerras, como são chamadas por aqueles que participam delas, podem durar anos.
As equipes de pichação não se consideram grafiteiros, já que o grafite colorido – na visão deles ao menos– é uma forma menor de expressão, fácil de fazer na rua e frequentemente aceita pela cena de arte comercial.
Algumas pessoas no mundo da arte acham difícil entender o apelo da pichação, especialmente depois que as equipes ganharam proeminência quando invadiram a Bienal de Arte de São Paulo e a Choque Cultural, uma proeminente galeria para artistas de rua, estragando obras originais.
Outros críticos da pichação questionam se a prática é tão politizada quanto alguns líderes de equipe dizem ser, sendo apenas uma forma vazia de expressão que simplesmente degrada a cidade, em vez de explorar novas formas de melhorá-la.
Um documentário de 2009, “Pixo”, explorou o mundo desses pichadores. O diretor João Wainer acompanhou as equipes que escalavam os edifícios pelo lado de fora, sem uso de equipamento.
“Eu fiquei apavorado de que um deles cairia para a morte diante de mim”, disse Wainer.
Nenhum morreu na ocasião. Mas a disseminação da forma de grafite de São Paulo para outras cidades brasileiras – a pichação apareceu até mesmo no ano passado no braço do Cristo Redentor, o símbolo do Rio de Janeiro– tem resultados em novos relatos desses acidentes.
Em Campinas, uma cidade próxima de São Paulo, um jovem de 18 anos morreu de ferimentos na cabeça depois de cair de um prédio onde fazia uma pichação. Em outro episódio na cidade de Belo Horizonte, um vigia noturno matou a tiros um homem que estaria se preparando para fazer uma pichação. A sociedade derrama poucas lágrimas por essas mortes.
Mas em um desdobramento que chocaria muitos paulistanos, até mesmo alguns na própria cena da pichação, o mundo da arte estrangeiro está começando a abraçar a prática. Uma equipe daqui foi convidada a participar da Bienal de Arte Contemporânea de Berlim.
Isso é demais para Luiz Henrique do Vale Salles, 40 anos, um lavador de carros que costumava ganhar US$ 20 por dia para limpar muros pichados. Ele disse que seus atormentadores pichavam suas marcas nos prédios que ele tinha acabado de esfregar. Ele odiava seu trabalho.
“Eu me sentia péssimo como limpador do estrago deles”, ele disse.
Tradutor: George El Khouri Andolfato

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