segunda-feira, 19 de janeiro de 2009
FERREIRA GULLAR
O AÇÚCAR
O branco açúcar que adoçará meu café
nesta manhã de Ipanema
não foi produzido por mim
nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.
Vejo-o puro
e afável ao paladar
como beijo de moça, água
na pele, flor
que se dissolve na boca. Mas este açúcar
não foi feito por mim.
Este açúcar veio
da mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira,
dono da mercearia.
Este açúcar veio
de uma usina de açúcar em Pernambuco
ou no Estado do Rio
e tampouco o fez o dono da usina.
Este açúcar era cana
e veio de canaviais extensos
que não nascem por acaso
no regaço do vale.
Em lugares distantes, onde não há hospital
nem escola
homens que não sabem ler e morrem
aos vinte e sete anos
plantam e colhem a cana
que viraria açúcar.
Em usinas escuras
homens de vida amarga
e dura
produziram este açúcar
branco e puro
com que adoço meu café esta manhã em Ipanema.
Este poema é uma das pérolas do mar de pérolas compostas por esse autor.
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