A mágica de Cristina
O Estado de S.Paulo - Editorial
No mundo da fantasia da presidente Cristina Kirchner, quem ganha 13 pesos por
dia, o equivalente a R$ 5, já não é mais considerado pobre na Argentina. É o que
mostra o mais recente cálculo do Instituto Nacional de Estatística e Censo
(Indec), o órgão que desde 2007, na presidência de Néstor Kirchner, torce
números para servir aos interesses populistas da Casa Rosada.
Para considerar verdadeira a última projeção publicada pelo Indec, seria preciso aceitar que uma família argentina típica, com quatro pessoas, conseguiria pagar suas contas, alimentar-se, vestir-se, manter a saúde, estudar e ainda divertir-se com 1.555 pesos (R$ 673) mensais, como mostra o Clarín (24/9). Esse critério sugere que seria possível fazer todas as refeições do dia com 6 pesos (R$ 2,50). Não parecem números razoáveis, sob qualquer ponto de vista, mas são justamente esses dados que o governo de Cristina usa para vangloriar-se de ter reduzido a pobreza para menos de 6,5% da população, tornando a miséria praticamente inexistente - mesmo num país que está em crise crônica.
A diferença entre os delírios oficialistas de Cristina e o mundo real impressiona. Tomando-se a inflação real, e não a oficial, uma família argentina precisaria de 3.600 pesos (R$ 1.560) mensais para deixar de ser pobre. Com isso, o porcentual de pobres na Argentina saltaria dos alegados 6,5% para 21,9%, segundo levantamento da Universidade Católica Argentina. Em números absolutos, significa que o governo argentino quer suprimir, numa canetada, 6 milhões de pobres das estatísticas, reduzindo o total para parcos 2,6 milhões. Em sua defesa, o Indec alega que a linha de pobreza que utiliza é meramente "teórica", mas o fato é que ela é explorada para respaldar o discurso sobre o alegado sucesso das políticas sociais de Cristina.
Tal manipulação dos índices econômicos já se tornou a marca da Argentina kirchnerista - a ponto de a revista The Economist ter anunciado, em fevereiro, que não publicaria mais a inflação oficial do país, num texto sob o sugestivo título Não minta para mim, Argentina. A distorção no cálculo da inflação, por exemplo, prejudica não somente a estimativa da linha de pobreza, mas também a projeção sobre o próprio crescimento do país. Ao considerar uma inflação de 10% anuais, o governo induziu ao cálculo de que o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 2,5% no primeiro semestre em relação a igual período de 2011. Mas analistas mostram que essa expansão provavelmente não superou 1%, porque é preciso levar em conta uma alta de preços muito mais acentuada - a média das consultorias independentes é de inflação de 23,4% neste ano.
A discrepância entre os números explica por que, desde 2009, o governo dos Kirchners acusa as empresas que tentam calcular a inflação real de especular no mercado usando o aumento do custo de vida. Mais de uma dezena delas teve seu funcionamento prejudicado em razão de processos judiciais movidos pela Casa Rosada. Periodicamente, porém, o governo argentino passa o vexame de ser admoestado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que divulga as estimativas de inflação do país com ressalvas. Há poucos dias, o FMI expressou "preocupação" com as estatísticas oficiais da Argentina e cobrou que elas fossem melhoradas "sem mais demora".
Não se pode menosprezar o esforço, ainda que por meio de assistencialismo, para tirar milhões de pessoas da miséria. A Universidade Católica Argentina - a mesma que verificou as distorções nos números de Cristina - atesta que o índice de pobreza recuou de 26,9% em 2007 para 21,9% em 2011, e o de indigência caiu de 8,1% para 5,4% no mesmo intervalo, o que é um grande avanço, considerando-se que o desastre econômico do início deste século fez a pobreza chegar a 45% no país. No entanto, na ânsia de supervalorizar seu governo na área social, Cristina abusa da prestidigitação estatística, que faz desaparecer os pobres. Algo semelhante ocorre no Brasil, onde, segundo a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, já é considerado de "classe média" quem ganha pouco menos de R$ 10 por dia, ou apenas R$ 291 por mês. A diferença é que, aqui, os números não são falsificados.
Para considerar verdadeira a última projeção publicada pelo Indec, seria preciso aceitar que uma família argentina típica, com quatro pessoas, conseguiria pagar suas contas, alimentar-se, vestir-se, manter a saúde, estudar e ainda divertir-se com 1.555 pesos (R$ 673) mensais, como mostra o Clarín (24/9). Esse critério sugere que seria possível fazer todas as refeições do dia com 6 pesos (R$ 2,50). Não parecem números razoáveis, sob qualquer ponto de vista, mas são justamente esses dados que o governo de Cristina usa para vangloriar-se de ter reduzido a pobreza para menos de 6,5% da população, tornando a miséria praticamente inexistente - mesmo num país que está em crise crônica.
A diferença entre os delírios oficialistas de Cristina e o mundo real impressiona. Tomando-se a inflação real, e não a oficial, uma família argentina precisaria de 3.600 pesos (R$ 1.560) mensais para deixar de ser pobre. Com isso, o porcentual de pobres na Argentina saltaria dos alegados 6,5% para 21,9%, segundo levantamento da Universidade Católica Argentina. Em números absolutos, significa que o governo argentino quer suprimir, numa canetada, 6 milhões de pobres das estatísticas, reduzindo o total para parcos 2,6 milhões. Em sua defesa, o Indec alega que a linha de pobreza que utiliza é meramente "teórica", mas o fato é que ela é explorada para respaldar o discurso sobre o alegado sucesso das políticas sociais de Cristina.
Tal manipulação dos índices econômicos já se tornou a marca da Argentina kirchnerista - a ponto de a revista The Economist ter anunciado, em fevereiro, que não publicaria mais a inflação oficial do país, num texto sob o sugestivo título Não minta para mim, Argentina. A distorção no cálculo da inflação, por exemplo, prejudica não somente a estimativa da linha de pobreza, mas também a projeção sobre o próprio crescimento do país. Ao considerar uma inflação de 10% anuais, o governo induziu ao cálculo de que o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 2,5% no primeiro semestre em relação a igual período de 2011. Mas analistas mostram que essa expansão provavelmente não superou 1%, porque é preciso levar em conta uma alta de preços muito mais acentuada - a média das consultorias independentes é de inflação de 23,4% neste ano.
A discrepância entre os números explica por que, desde 2009, o governo dos Kirchners acusa as empresas que tentam calcular a inflação real de especular no mercado usando o aumento do custo de vida. Mais de uma dezena delas teve seu funcionamento prejudicado em razão de processos judiciais movidos pela Casa Rosada. Periodicamente, porém, o governo argentino passa o vexame de ser admoestado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que divulga as estimativas de inflação do país com ressalvas. Há poucos dias, o FMI expressou "preocupação" com as estatísticas oficiais da Argentina e cobrou que elas fossem melhoradas "sem mais demora".
Não se pode menosprezar o esforço, ainda que por meio de assistencialismo, para tirar milhões de pessoas da miséria. A Universidade Católica Argentina - a mesma que verificou as distorções nos números de Cristina - atesta que o índice de pobreza recuou de 26,9% em 2007 para 21,9% em 2011, e o de indigência caiu de 8,1% para 5,4% no mesmo intervalo, o que é um grande avanço, considerando-se que o desastre econômico do início deste século fez a pobreza chegar a 45% no país. No entanto, na ânsia de supervalorizar seu governo na área social, Cristina abusa da prestidigitação estatística, que faz desaparecer os pobres. Algo semelhante ocorre no Brasil, onde, segundo a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, já é considerado de "classe média" quem ganha pouco menos de R$ 10 por dia, ou apenas R$ 291 por mês. A diferença é que, aqui, os números não são falsificados.
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