domingo, 30 de setembro de 2012

No gogó da Grande Mãe
Dilma faz políticas públicas com 'broncas e técnica', rainha que bate e afaga, 'braço forte, mão amiga'
Vinicius Torres Freire - FSP
DILMA ROUSSEFF está de novo a ralhar com os bancos. Passa carraspanas diretas e indiretas, talvez até fictícias. "Dá broncas", está "irritada", "brava", como aparece em manchetes e nos vídeos de caricatura em que barbariza ministros.
A presidente é "brava" ou assim é que ela quer que se pareça? Faz parte do seu show? Parece tratar-se de um caso de fome com vontade de comer.
Dilma de fato desce dos tamancos e os atira em subordinados (atenção, é metáfora), muitos dos quais temem a presidente, sendo que uns poucos até se afastaram devido ao assédio desmoralizante.
Mas a braveza é também um dos atributos marquetados da presidente "técnica", "gerente", mas "que lê literatura e vai ao cinema" (tem alma e pensa) e lê mais relatórios que seus subordinados (é profissional competente).
Nua e crua, a braveza de Dilma a transformaria na Rainha de Copas ("cortem as cabeças!"), para o que tem o "physique du rôle", o jeitão para o papel. Mas a presidente também é filha, mãe e avó amorosa (assim aparece); chora em público pelos colegas torturados (não é farsa, mas também é imagem).
Sob o esperto Lula, tornou-se a mãe do PAC. O povo não sabe o que é PAC, mas a ideia sonora de "mãe", a provedora de cuidados, reverberou. A presidente é a mãe durona. Se a nossa não é assim, todos já conhecemos mais de uma delas, mães de parentes e amigos. A gente sabe como é.
Não se trata de rainha do lar, claro. Mas pode ser a rainha da nação, modernizada, "profissional", que porém ainda dá broncas; que provê e cuida de coisas tão presentes no dia a dia como juros do cartão.
Fazer política ou políticas públicas por meio de broncas mistura um pouco as estações da intimidade (da casa, "do lar") com a esfera pública. Mãe, rainha, presidente, gerente.
Muito bem sabe disso João Santana, marqueteiro frequente do petismo-lulismo, grande e sagaz prático de psicologia popular. Pouco depois da eleição de Dilma, Santana deu entrevista a esta Folha em que sugeria o papel de rainha para Dilma.
"Na mitologia política e sentimental brasileira [há] uma imensa cadeira vazia", a "cadeira da rainha", dizia Santana.
A "braveza" não é desprovida de sentido prático. A presidente de fato recorre às carraspanas, reais ou marquetadas, para fazer política econômica.
O governo é mais ou menos adepto de providências da arca do velho em matéria de economia, uma coisa conhecida como "política de rendas", meio fora de moda desde os anos 1970 no mundo inteiro e desde os 1990 no Brasil. Isto é, quer regular uso e preço dos fatores de produção (trabalho e salário, capital e lucros, preços em geral), a fim de controlar a inflação ou melhorar a distribuição de renda, por exemplo.
Aos berros metafóricos, Dilma quer regular o lucro dos bancos e o preço de seus serviços, por exemplo. Por meio de instrumentos mais formais, mas intervencionistas, também segura um preço aqui (juros) a fim de baixar outro ali (o da conta de luz, da qual vai tirar o peso de alguns impostos).
Em parte no gogó, assim a rainha quer colocar a casa em ordem. Com "braço forte, mão amiga", como diz a propaganda do Exército.

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