Pão atrai a morte de civis na Síria
Antonio Pampliega - El Pais
O suor escorre pela testa sulcada de Mohamed enquanto vai misturando a farinha com óleo e água em uma banheira esbranquiçada, com uma cadência quase hipnótica. O calor que desprende o forno transforma a padaria em um inferno. Meia dúzia de homens se esforça para ter tudo preparado, mas "ultimamente temos problemas de abastecimento. Não recebemos farinha e óleo suficientes para preparar o pão", confessa Abu Salem, o dono dessa padaria situada no bairro de Yasser. "Temos mais procura de pão que oferta. As pessoas madrugam para poder levá-lo; muitas vão embora de mãos vazias depois de esperar horas", admite.
Reina o silêncio na rua. São 6 da manhã. À direita, vão se colocando os homens e à esquerda, as mulheres, a maioria de preto absoluto. "Hoje uma sacola custa cerca de 50 libras sírias (aproximadamente R$ 1,30); há dois dias, por 50 libras nos davam 20 pães. O preço do pão não parou de subir desde que começou a guerra em Alepo", queixa-se Abdalla. "Sem trabalho, sem economias... O que será de nós quando não tivermos dinheiro nem para o pão?", pergunta-se.
Vários soldados do Exército Livre Sírio (ELS), com arcaicos fuzis Kalashnikov, colocam as pessoas em fila. Transformaram-se em autoridade e são os que põem ordem nas padarias. "O pão é nossa vida, não sabemos comer sem pão... Na Europa vocês usam garfos; aqui nosso garfo é o pão. Chegou um momento em que havia brigas entre vizinhos porque alguns ficavam sem pão", afirma Fayez Shooib. "Agora os rebeldes vigiam as padarias para evitar brigas."
As padarias se transformaram em um dos alvos prioritários do regime de Assad, porque as pessoas as procuram em massa todos os dias. Há uma semana um morteiro caiu perto de uma padaria no bairro de Shaar. Matou dez civis e feriu mais de uma centena. "Vamos mudando as padarias periodicamente para dificultar que o exército as localize e comece a bombardeá-las. Em toda a cidade atacaram mais de uma dúzia; e algumas - as de maior afluência - são constantemente atingidas. Há uma que bombardearam até cinco vezes nos últimos dois meses", diz um membro do ELS.
Abu Salem abre duas pequenas janelas de onde despacha seus clientes. Os nervos começam a aflorar entre as pessoas que se aglomeram em torno dos pequenos guichês, com o dinheiro na mão e pedindo sacolas e mais sacolas de pão em voz alta. "Cada dia podemos chegar a produzir milhares de pães... Em outras partes da cidade estão até o meio-dia fabricando sem descanso", explica Abu Salem. "Há uma crise do pão."
Mas o problema do pão começa a contagiar outros produtos de primeira necessidade; no mercado de Yasser, encontrar leite para os bebês se transformou na busca do Graal. "Começamos a necessitar de azeite, leite... mas por enquanto não estamos sofrendo o desabastecimento de outras cidades sitiadas", afirma Abderraman. "Mas o pior está por vir se a situação não mudar nos próximos meses... quando chegar o inverno é que deveremos ter medo; aqui faz muito frio e não temos combustível para as estufas", comenta. Esse morador imaginou inclusive queimar os móveis ou os livros para poder aquecer sua família, ou mesmo fugir para a Turquia ou o Líbano.
A guerra se prolonga e recrudesce em todo o país, não só na frente de Alepo. A contagem diária de vítimas mortais pela repressão do regime de Bashar Assad na revolta que vive a Síria há 18 meses alcançou na madrugada da última quinta-feira (27) números nunca vistos. Pelo menos 343 pessoas morreram na quarta-feira (26) na Síria, informa Ana Carbajosa, de Jerusalém, no que representa a jornada mais sangrenta desde o início do conflito no país árabe, segundo denunciaram os Comitês de Coordenação Locais (CCL).
O maior número de mortos foi registrado em Damasco e seus subúrbios, com 162 vítimas. A chacina mais numerosa ocorreu no distrito de Thiabieh, na capital, com 107 mortos.
A ONU advertiu que o número de refugiados procedentes da Síria poderia alcançar 700 mil antes do fim do ano, um número muito superior às estimativas. Atualmente, 294 mil pessoas deixaram o país e se encontram em campos de refugiados na Turquia, Jordânia e Líbano.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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