Stéphanie Le Bars e Piotr Smolar - Le Monde
É uma iniciativa fora do comum, que traduz uma preocupação urgente em evitar qualquer início de crise entre a França e a Rússia. A Direção de Negócios do presidente russo e o Ministério das Relações Exteriores francês publicaram um comunicado em conjunto, na quarta-feira (21), a respeito do projeto de uma catedral ortodoxa em Paris, no Quai Branly, à margem do Sena. Nesse texto, Moscou aceita “a suspensão provisória do pedido de autorização para construção”, que deveria ser examinado até o dia 29 de novembro pela administração da região de Île-de-France. Isso para “culminar o mais breve possível em um projeto mais conforme às expectativas e às exigências específicas associadas a esse projeto”.
Por trás dessas declarações duramente negociadas pelas duas partes se esconde um nervosismo crescente sobre essa questão que há cinco anos mistura política, religião e arquitetura. Uma reunião emergencial no Palácio do Eliseu, organizada no dia 16 de novembro entre representantes da embaixada russa, do Ministério da Cultura e das Relações Exteriores, foi necessária para se chegar a um acordo. Oficialmente, o adiamento é somente uma questão de ajustes técnicos, para evitar qualquer risco de disputa jurídica, em caso de possível queixa de uma associação de moradores. Mas no Ministério da Cultura o tom é mais bélico. “Esse projeto é absolutamente abominável,” solta um conselheiro. “Então não será esse. Os russos devem voltar para a prancheta”.
O caso começou em 2007. O patriarca russo Alexei 2º encontrou Nicolas Sarkozy em Paris. O religioso expressou na época seu desejo de erguer um centro cultural e religioso ortodoxo, no coração da capital. A igreja e o Estado russo viam ali um meio de promover a influência da ortodoxia pela Europa ocidental, uma política iniciada por Moscou cerca de dez anos antes. O presidente francês concordou. Em 2010, a Rússia venceu a licitação aberta para a venda do amplo terreno, onde se encontrava a sede da Météo France, próximo à Torre Eiffel.
Um concurso internacional de arquitetura foi lançado. As especificações russas queriam casar as formas ortodoxas tradicionais com uma certa modernidade. A equipe do arquiteto espanhol Manuel Nuñez Yanowsky, sócio de um escritório russo (Arch Group), foi a vencedora, batendo seu famoso colega Jean-Michel Wilmotte, muito ativo na Rússia, e Frédéric Borel. O projeto vencedor propunha um edifício de cinco cúpulas douradas, sendo a mais alta com 27 metros, com um longo véu de vidro, cercado de aço. Um centro cultural e um jardim também estão previstos. O grupo Bouygues foi escolhido para realizar as obras, cuja duração está estimada em dois anos. Em janeiro de 2012, foi feito um pedido de autorização de construção junto à administração regional.
Já em fevereiro, Bertrand Delanoë, o prefeito de Paris, que só dispõe de um parecer consultivo – uma vez que o terreno não pertence à cidade – exprimiu sua oposição.
Ele criticou “uma arquitetura de pastiche e medíocre”, “uma ostentação totalmente inadequada para as margens do Sena, classificados como patrimônio mundial da Unesco”. Do lado russo, ninguém se comoveu. “Delanoë não é contrário à igreja, mas ele se mostrou um mau perdedor, pois o arquiteto Frédéric Borel, que é amigo seu, não foi escolhido”, especulam. No Ministério da Cultura, a análise é mais política. “Houve um acordo entre Nicolas Sarkozy e Vladimir Putin”, garantem. “Antes da eleição presidencial, o Eliseu [sede do governo francês] exerceu pressões enormes sobre os Architectes des Bâtiments de France (ABF, arquitetos do Estado responsáveis pelo patrimônio nacional) para que eles não expressassem reservas”.
A volta da esquerda ao poder provocou uma revisão da questão. “Mas a França deu sua palavra e ela deve ser respeitada”, lembra Romain Nadal, porta-voz diplomático do Eliseu. François Hollande confirmou o mesmo a Putin no primeiro encontro deles, no dia 1º de junho. Mas a realização técnica pode ser modificada. Ponto-chave das negociações: o famoso véu que recobre a catedral. Colocado horizontalmente, ele esconderia a vista da Torre Eiffel. A parte russa aceitou então que se voltasse à versão original: um véu descendo ao longo da fachada. Para isso, afirma a embaixada russa, especialistas franceses foram solicitados para propor um outro material além do vidro: uma mistura de titânio e de carbono.
Será que essas modificações bastarão para acalmar os críticos, que questionam “a inserção do projeto no espaço urbano”? A prefeitura de Paris por ora se abstém de qualquer comentário. De qualquer forma, o contratempo pode aumentar o custo desse projeto faraônico. A compra do terreno custou 70 milhões de euros à Federação da Rússia. A construção da catedral deverá no final custar entre 30 e 50 milhões.
Mas, preocupados em reforçar a renovação da espiritualidade ortodoxa, a Igreja e o Estado russos parecem determinados e estão multiplicando as iniciativas. Um ano atrás, a Federação da Rússia obteve por via judicial a volta da igreja russa de Nice – reivindicada como propriedade do Estado - , ao seio do patriarcado de Moscou. Uma mesma iniciativa foi tentada, em vão, para recuperar a catedral russa de Biarritz, outro local de culto histórico da diáspora do século 20. Por fim, um seminário russo, o maior da Europa Ocidental, foi aberto no ano de 2009 em Epinay-sous-Sénart (Essonne), para formar um clero francófono, mais bem adaptado à pequena comunidade ortodoxa francesa, avaliada em dezenas de milhares de pessoas.
Em Paris, fiéis já possuem vários locais de culto. Mas a mais famosa, a catedral Saint-Alexandre Nevski da Rua Daru, que acaba de comemorar seus 150 anos, fica sob autoridade espiritual do patriarcado de Constantinopla, concorrente histórica da de Moscou. Ademais, ela por muito tempo representou uma ortodoxia “à moda francesa”, ancorada na laicidade, evitando ser vista como a extensão identitária e nacionalista da diáspora russa.
Tradutor: Lana Lim
Por trás dessas declarações duramente negociadas pelas duas partes se esconde um nervosismo crescente sobre essa questão que há cinco anos mistura política, religião e arquitetura. Uma reunião emergencial no Palácio do Eliseu, organizada no dia 16 de novembro entre representantes da embaixada russa, do Ministério da Cultura e das Relações Exteriores, foi necessária para se chegar a um acordo. Oficialmente, o adiamento é somente uma questão de ajustes técnicos, para evitar qualquer risco de disputa jurídica, em caso de possível queixa de uma associação de moradores. Mas no Ministério da Cultura o tom é mais bélico. “Esse projeto é absolutamente abominável,” solta um conselheiro. “Então não será esse. Os russos devem voltar para a prancheta”.
O caso começou em 2007. O patriarca russo Alexei 2º encontrou Nicolas Sarkozy em Paris. O religioso expressou na época seu desejo de erguer um centro cultural e religioso ortodoxo, no coração da capital. A igreja e o Estado russo viam ali um meio de promover a influência da ortodoxia pela Europa ocidental, uma política iniciada por Moscou cerca de dez anos antes. O presidente francês concordou. Em 2010, a Rússia venceu a licitação aberta para a venda do amplo terreno, onde se encontrava a sede da Météo France, próximo à Torre Eiffel.
Um concurso internacional de arquitetura foi lançado. As especificações russas queriam casar as formas ortodoxas tradicionais com uma certa modernidade. A equipe do arquiteto espanhol Manuel Nuñez Yanowsky, sócio de um escritório russo (Arch Group), foi a vencedora, batendo seu famoso colega Jean-Michel Wilmotte, muito ativo na Rússia, e Frédéric Borel. O projeto vencedor propunha um edifício de cinco cúpulas douradas, sendo a mais alta com 27 metros, com um longo véu de vidro, cercado de aço. Um centro cultural e um jardim também estão previstos. O grupo Bouygues foi escolhido para realizar as obras, cuja duração está estimada em dois anos. Em janeiro de 2012, foi feito um pedido de autorização de construção junto à administração regional.
Já em fevereiro, Bertrand Delanoë, o prefeito de Paris, que só dispõe de um parecer consultivo – uma vez que o terreno não pertence à cidade – exprimiu sua oposição.
Ele criticou “uma arquitetura de pastiche e medíocre”, “uma ostentação totalmente inadequada para as margens do Sena, classificados como patrimônio mundial da Unesco”. Do lado russo, ninguém se comoveu. “Delanoë não é contrário à igreja, mas ele se mostrou um mau perdedor, pois o arquiteto Frédéric Borel, que é amigo seu, não foi escolhido”, especulam. No Ministério da Cultura, a análise é mais política. “Houve um acordo entre Nicolas Sarkozy e Vladimir Putin”, garantem. “Antes da eleição presidencial, o Eliseu [sede do governo francês] exerceu pressões enormes sobre os Architectes des Bâtiments de France (ABF, arquitetos do Estado responsáveis pelo patrimônio nacional) para que eles não expressassem reservas”.
A volta da esquerda ao poder provocou uma revisão da questão. “Mas a França deu sua palavra e ela deve ser respeitada”, lembra Romain Nadal, porta-voz diplomático do Eliseu. François Hollande confirmou o mesmo a Putin no primeiro encontro deles, no dia 1º de junho. Mas a realização técnica pode ser modificada. Ponto-chave das negociações: o famoso véu que recobre a catedral. Colocado horizontalmente, ele esconderia a vista da Torre Eiffel. A parte russa aceitou então que se voltasse à versão original: um véu descendo ao longo da fachada. Para isso, afirma a embaixada russa, especialistas franceses foram solicitados para propor um outro material além do vidro: uma mistura de titânio e de carbono.
Será que essas modificações bastarão para acalmar os críticos, que questionam “a inserção do projeto no espaço urbano”? A prefeitura de Paris por ora se abstém de qualquer comentário. De qualquer forma, o contratempo pode aumentar o custo desse projeto faraônico. A compra do terreno custou 70 milhões de euros à Federação da Rússia. A construção da catedral deverá no final custar entre 30 e 50 milhões.
Mas, preocupados em reforçar a renovação da espiritualidade ortodoxa, a Igreja e o Estado russos parecem determinados e estão multiplicando as iniciativas. Um ano atrás, a Federação da Rússia obteve por via judicial a volta da igreja russa de Nice – reivindicada como propriedade do Estado - , ao seio do patriarcado de Moscou. Uma mesma iniciativa foi tentada, em vão, para recuperar a catedral russa de Biarritz, outro local de culto histórico da diáspora do século 20. Por fim, um seminário russo, o maior da Europa Ocidental, foi aberto no ano de 2009 em Epinay-sous-Sénart (Essonne), para formar um clero francófono, mais bem adaptado à pequena comunidade ortodoxa francesa, avaliada em dezenas de milhares de pessoas.
Em Paris, fiéis já possuem vários locais de culto. Mas a mais famosa, a catedral Saint-Alexandre Nevski da Rua Daru, que acaba de comemorar seus 150 anos, fica sob autoridade espiritual do patriarcado de Constantinopla, concorrente histórica da de Moscou. Ademais, ela por muito tempo representou uma ortodoxia “à moda francesa”, ancorada na laicidade, evitando ser vista como a extensão identitária e nacionalista da diáspora russa.
Tradutor: Lana Lim
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