Presidente afastada prepara carta em que defende plebiscito, proposta que é recusada até por seu partido
Reinaldo Azevedo - VEJA
O conjunto da obra é tragicômico. Tem seu lado trágico porque personagens que já tiveram certa grandeza — hoje todos heróis de si mesmos — estão sendo severamente punidos pela realidade em razão de seu excesso de ambição. E a situação não deixa de ter a sua graça porque se mostram uns notáveis trapalhões. De certo modo, cada um deles articula a sua própria solidão, simulando um poder que não tem e emprestando à própria atuação a grandiloquência de uma farsa. É triste de ver.
A obra de
referência aqui deve ser o magnífico filme “Sunset Boulevard”, dirigido
por Billy Wilder, conhecido entre nós como “Crepúsculo dos Deuses”. Os
personagens centrais deste drama cômico não viram o tempo passar. Estão
todos mortos, mas ainda aspiram a uma grandeza e a um glamour que hoje
só existem na memória e na vontade.
Falando a
Natuza Nery, na Folha, Dilma, abandonada pelo PT, recebe versões e mais
versões de uma carta em que vai anunciar seu apoio a um plebiscito. A
população seria consultada sobre a conveniência de novas eleições.
Que
importa que a proposta seja, sob qualquer ponto de vista que se queira,
inviável? Há muito Dilma rompeu os fios que a ligavam à realidade. Tal
uma Norma Desmond, a protagonista de “O Crepúsculo dos Deuses”,
magnificamente interpretada por Gloria Swason, ela segue se comportando
como estrela, ainda que tudo à sua volta já tenha ruído e só a
irrelevância a aguarde, com seus enormes e terríveis tentáculos.
No dia 31
de agosto, mais tardar 1º de setembro, Norma deixará o Palácio da
Alvorada e se mudará para lugar nenhum. Ocupará o rodapé da história
como a presidente deposta que chamou o cumprimento da Constituição de
golpe.
Enquanto
ela insistia na tese do plebiscito, Rui Falcão, o presidente do PT,
sustentava justamente o contrário. O partido não quer saber dessa
história. Para todos os efeitos, continuará a advogar a volta de Dilma.
Sabendo que isso não vai acontecer, Falcão já antecipa: a legenda fará
uma espécie de memorial exaltando a obra de Lula e dará todo o suporte
para o chefão do PT defender o seu legado. Ou por outra: o partido
impichou Dilma da sua história antes que o Senado a tenha impichado do
governo.
E Lula?
Ah, este resolveu lançar candidaturas à Prefeitura em Cubatão e Santos.
Mal tocou no nome do Dilma — também ele já se cansou desse assunto.
Aquele que se imaginava uma espécie de reencarnação de Buda com Jesus
Cristo foi flagrado sugerindo a meia-dúzia de petistas em Cubatão que
não votem em senadores que forem favoráveis ao impeachment… Para que
isso fizesse ao menos algum sentido teórico, seria preciso que a maioria
da população fosse contrária ao impedimento de Dilma. Ocorre que é a
favor.
Arre! Essa
gente tem de sair logo de cena e nos deixar em paz! Em uma coisa, a
turma jamais lembrará “O Crepúsculo dos Deuses”: sua decadência não tem
estilo; é de uma assombrosa vulgaridade.
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