Governo não quer atrapalhar impeachment e trabalhos no Senado. Em tese, claro
Felipe Moura Brasil - VEJA
Situação:
Michel Temer precisa do apoio do Senado para aprovar medidas de seu governo emergencial e evitar a volta de Dilma Rousseff.
O ministro da Transparência, Fiscalização e Controle, Fabiano Silveira, foi indicado à pasta (que substituiu a Controladoria-Geral da União) pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, aliado do PT durante o governo Dilma.
A participação de Silveira em conversa gravada pelo ex-presidente da Transpetro, Sergio Machado, e revelada na noite de domingo (29) pelo programa Fantástico, da TV Globo, deixou um novo pepino na mão de Temer:
Demitir ou não demitir mais um ministro gravado em diálogo sobre a Lava Jato com gente investigada pela operação?
Gravação:
No áudio, Renan se diz preocupado com um recibo (“Isso me preocupa pra c…”) relativo ao inquérito que apura o recebimento de propina para facilitar a vitória de um consórcio de empresas em licitação para renovar a frota da Transpetro, subsidiária da Petrobras.
Silveira, que ainda atuava no Conselho Nacional de Justiça também por indicação de Renan, aconselha o padrinho a não entregar sua versão à Procuradoria-Geral da República, pois isso daria à PGR condições de rebater detalhes da defesa. Ele também afirma que Rodrigo Janot e seus auxiliares “estão perdidos nesta questão”.
Depois da conversa de 24 de fevereiro, segundo o Fantástico, Silveira procurou Janot e integrantes da Lava Jato para inteirar-se das investigações sobre Renan e repassar-lhe informações.
Como os procuradores foram evasivos, Renan comemora com Machado em outra conversa, gravada em 11 de março, sem a presença de Silveira:
Renan Calheiros: Ele disse ao Fabiano: “Ó, o Renan… Se o Renan tiver feito alguma coisa que eu não sei… Mas esse cara, p…, é um gênio”, usou essa expressão. “Porque nós não achamos nada”.
Sérgio Machado: Já procuraram tudo.
Renan Calheiros: Tudo.
Riscos:
Um interlocutor de Temer admitiu à repórter Andréia Sadi, da Globonews, que Silveira “foi uma indicação de risco, assim como (Romero) Jucá” – afastado do ministério do Planejamento após a revelação de um dos áudios de Machado – “e Henrique” Eduardo Alves, atual ministro do Turismo também investigado.
Durante a montagem de seu governo, Temer quis nomear a ex-ministra do STF Ellen Gracie para o ministério da Transparência, mas sua recusa à proposta resultou na nomeação de Silveira, então considerada por aliados de Temer “uma escolha pessoal de Renan”.
O ministério da Transparência é responsável, entre outras tarefas, por tocar acordos de leniência com empresas encrencadas com a Lava Jato. José Sarney, em outra gravação, prega a aprovação da medida provisória que Dilma baixou sobre esses acordos para facilitar que empresas admitam meras irregularidades e possam voltar a fazer negócios com o setor público.
Sérgio Machado: Outro caminho que tem que ter. É a aprovação desse projeto de leniência na Câmara o mais rápido possível, porque aí livra o criminal. Livra tudo.
José Sarney: Tem que lembrar o Renan disso. Para ele aprovar o negócio da leniência.
Pontos de decisão:
O mais prudente para qualquer presidente, em condições normais, seria demitir Fabiano Silveira.
Manter à frente logo da Transparência(!) um ministro que, no mínimo, orientou e forneceu informações de bastidores da PGR a um investigado (Renan) cujo afilhado (Machado) incluía entre as medidas para se livrar da Lava Jato a pressa em aprovar um mecanismo a ser tocado pela própria Transparência compromete a credibilidade do governo em sua garantia de não interferir no combate à corrupção.
(Detalhe: Márcio Tancredi e Claudia Tavares, respectivamente assessor legislativo e assessora de imprensa de Renan no Senado, estão prestes a serem nomeados como secretário-executivo e secretária de comunicação da nova pasta.)
Silveira garantiu a Temer em reunião na noite de domingo que não haveria mais nada contra ele – e obviamente suas falas gravadas não caracterizam crime algum –, mas servidores (organizados pelo Unicom Sindical, presidido por Rudinei Marques, ligado ao PT) já fizeram um ato de “higienização” no gabinete de Silveira para exigir sua saída; e chefes regionais da pasta estão entregando cargos em protesto contra a sua permanência.
O problema é que derrubar um indicado de Renan não é tão simples quanto derrubar Jucá, que havia sido escolhido pessoalmente pelo próprio Temer.
Entre o desgaste político de manter Silveira e o risco de retaliação de Renan por afastá-lo, Temer evita escolher apenas o mal menor e, decerto, tenta minimizar os males, articulando uma saída que o livre ao máximo do desgaste, sem abalar as relações com o presidente do Senado.
Decisão do governo:
Temer e o ministro Eliseu Padilha se reuniram no começo da tarde e vazaram a avaliação de que “até agora”, no conteúdo dos diálogos, não há “nada que determine a saída dele”, pois ele somente teria dado “opiniões esperadas” de uma pessoa do meio jurídico.
“Ele fica, porque não faz juízo nenhum da operação, não fala mal da Lava Jato, não faz críticas objetivas”, disse um interlocutor presidencial ao Globo.
De fato, dizer que a equipe da PGR está perdida em determinada questão, como fez Silveira, é mais uma constatação, mesmo que eventualmente imprecisa, do que uma crítica à operação, de modo que o governo usa o discurso possível para justificar a permanência do ministro, ainda que o desgaste seja inevitável.
O Planalto não descarta, no entanto, rever sua posição de acordo com os desdobramentos dos fatos.
“Agora é aguardar cenas dos próximos áudios”, disse outro interlocutor de Temer a Andréia Sadi.
Poucas horas depois, assessores alegaram à repórter da Globonews que “pesou o padrinho poderoso” e que o governo não quer confusão com Renan que possa atrapalhar o impeachment e os trabalhos no Senado.
É uma alegação verossímil, claro. Se o governo também terceiriza a responsabilidade para se eximir de qualquer má intenção, ainda é cedo para saber.
A margem de Temer:
Quando cerca de 300 deputados exigiram a nomeação para a liderança do governo na Câmara de André Moura (PSC-SE), réu em três ações penais no STF e condenado em segunda instância por improbidade administrativa, Temer bancou a escolha, ciente do desgaste político com a opinião pública, para garantir a necessária aprovação da nova meta fiscal que, depois, foi de fato aprovada.
Sem a nova meta, não haveria governo. Se tampouco haverá sem a colaboração política (não criminal) de Renan, mesmo que senadores do próprio PMDB (como Simone Tebet) sejam favoráveis ao afastamento de Silveira, também cabe ao governo avaliar, sob a vigilância da sociedade.
O fato de ser melhor para o Brasil que Dilma jamais volte à presidência vem dando a Temer uma margem mínima para fazer escolhas indigestas que tornem seu governo sustentável no Congresso, especialmente durante a interinidade, mas cabe ao presidente reconhecer o limite do grau de concessões para não chafurdar ele próprio na podridão alheia, inclusive do PMDB.
No poder, Temer ainda se passa por refém circunstancial da ala mais podre do partido e do Congresso – só não pode é ser nem se deixar passar por parte interessada em atrapalhar a Lava Jato ou por cúmplice dessas tentativas (ainda que eventualmente ineficazes), como uma espécie de versão peemedebista de Dilma Rousseff.
Para evitar isto, honradez, coragem e jogo de cintura são mais imprescindíveis do que nunca.
Ninguém disse que seria fácil ser presidente interino da República.
O ministro da Transparência, Fiscalização e Controle, Fabiano Silveira, foi indicado à pasta (que substituiu a Controladoria-Geral da União) pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, aliado do PT durante o governo Dilma.
A participação de Silveira em conversa gravada pelo ex-presidente da Transpetro, Sergio Machado, e revelada na noite de domingo (29) pelo programa Fantástico, da TV Globo, deixou um novo pepino na mão de Temer:
Demitir ou não demitir mais um ministro gravado em diálogo sobre a Lava Jato com gente investigada pela operação?
Gravação:
No áudio, Renan se diz preocupado com um recibo (“Isso me preocupa pra c…”) relativo ao inquérito que apura o recebimento de propina para facilitar a vitória de um consórcio de empresas em licitação para renovar a frota da Transpetro, subsidiária da Petrobras.
Silveira, que ainda atuava no Conselho Nacional de Justiça também por indicação de Renan, aconselha o padrinho a não entregar sua versão à Procuradoria-Geral da República, pois isso daria à PGR condições de rebater detalhes da defesa. Ele também afirma que Rodrigo Janot e seus auxiliares “estão perdidos nesta questão”.
Depois da conversa de 24 de fevereiro, segundo o Fantástico, Silveira procurou Janot e integrantes da Lava Jato para inteirar-se das investigações sobre Renan e repassar-lhe informações.
Como os procuradores foram evasivos, Renan comemora com Machado em outra conversa, gravada em 11 de março, sem a presença de Silveira:
Renan Calheiros: Ele disse ao Fabiano: “Ó, o Renan… Se o Renan tiver feito alguma coisa que eu não sei… Mas esse cara, p…, é um gênio”, usou essa expressão. “Porque nós não achamos nada”.
Sérgio Machado: Já procuraram tudo.
Renan Calheiros: Tudo.
Riscos:
Um interlocutor de Temer admitiu à repórter Andréia Sadi, da Globonews, que Silveira “foi uma indicação de risco, assim como (Romero) Jucá” – afastado do ministério do Planejamento após a revelação de um dos áudios de Machado – “e Henrique” Eduardo Alves, atual ministro do Turismo também investigado.
Durante a montagem de seu governo, Temer quis nomear a ex-ministra do STF Ellen Gracie para o ministério da Transparência, mas sua recusa à proposta resultou na nomeação de Silveira, então considerada por aliados de Temer “uma escolha pessoal de Renan”.
O ministério da Transparência é responsável, entre outras tarefas, por tocar acordos de leniência com empresas encrencadas com a Lava Jato. José Sarney, em outra gravação, prega a aprovação da medida provisória que Dilma baixou sobre esses acordos para facilitar que empresas admitam meras irregularidades e possam voltar a fazer negócios com o setor público.
Sérgio Machado: Outro caminho que tem que ter. É a aprovação desse projeto de leniência na Câmara o mais rápido possível, porque aí livra o criminal. Livra tudo.
José Sarney: Tem que lembrar o Renan disso. Para ele aprovar o negócio da leniência.
Pontos de decisão:
O mais prudente para qualquer presidente, em condições normais, seria demitir Fabiano Silveira.
Manter à frente logo da Transparência(!) um ministro que, no mínimo, orientou e forneceu informações de bastidores da PGR a um investigado (Renan) cujo afilhado (Machado) incluía entre as medidas para se livrar da Lava Jato a pressa em aprovar um mecanismo a ser tocado pela própria Transparência compromete a credibilidade do governo em sua garantia de não interferir no combate à corrupção.
(Detalhe: Márcio Tancredi e Claudia Tavares, respectivamente assessor legislativo e assessora de imprensa de Renan no Senado, estão prestes a serem nomeados como secretário-executivo e secretária de comunicação da nova pasta.)
Silveira garantiu a Temer em reunião na noite de domingo que não haveria mais nada contra ele – e obviamente suas falas gravadas não caracterizam crime algum –, mas servidores (organizados pelo Unicom Sindical, presidido por Rudinei Marques, ligado ao PT) já fizeram um ato de “higienização” no gabinete de Silveira para exigir sua saída; e chefes regionais da pasta estão entregando cargos em protesto contra a sua permanência.
O problema é que derrubar um indicado de Renan não é tão simples quanto derrubar Jucá, que havia sido escolhido pessoalmente pelo próprio Temer.
Entre o desgaste político de manter Silveira e o risco de retaliação de Renan por afastá-lo, Temer evita escolher apenas o mal menor e, decerto, tenta minimizar os males, articulando uma saída que o livre ao máximo do desgaste, sem abalar as relações com o presidente do Senado.
Decisão do governo:
Temer e o ministro Eliseu Padilha se reuniram no começo da tarde e vazaram a avaliação de que “até agora”, no conteúdo dos diálogos, não há “nada que determine a saída dele”, pois ele somente teria dado “opiniões esperadas” de uma pessoa do meio jurídico.
“Ele fica, porque não faz juízo nenhum da operação, não fala mal da Lava Jato, não faz críticas objetivas”, disse um interlocutor presidencial ao Globo.
De fato, dizer que a equipe da PGR está perdida em determinada questão, como fez Silveira, é mais uma constatação, mesmo que eventualmente imprecisa, do que uma crítica à operação, de modo que o governo usa o discurso possível para justificar a permanência do ministro, ainda que o desgaste seja inevitável.
O Planalto não descarta, no entanto, rever sua posição de acordo com os desdobramentos dos fatos.
“Agora é aguardar cenas dos próximos áudios”, disse outro interlocutor de Temer a Andréia Sadi.
Poucas horas depois, assessores alegaram à repórter da Globonews que “pesou o padrinho poderoso” e que o governo não quer confusão com Renan que possa atrapalhar o impeachment e os trabalhos no Senado.
É uma alegação verossímil, claro. Se o governo também terceiriza a responsabilidade para se eximir de qualquer má intenção, ainda é cedo para saber.
A margem de Temer:
Quando cerca de 300 deputados exigiram a nomeação para a liderança do governo na Câmara de André Moura (PSC-SE), réu em três ações penais no STF e condenado em segunda instância por improbidade administrativa, Temer bancou a escolha, ciente do desgaste político com a opinião pública, para garantir a necessária aprovação da nova meta fiscal que, depois, foi de fato aprovada.
Sem a nova meta, não haveria governo. Se tampouco haverá sem a colaboração política (não criminal) de Renan, mesmo que senadores do próprio PMDB (como Simone Tebet) sejam favoráveis ao afastamento de Silveira, também cabe ao governo avaliar, sob a vigilância da sociedade.
O fato de ser melhor para o Brasil que Dilma jamais volte à presidência vem dando a Temer uma margem mínima para fazer escolhas indigestas que tornem seu governo sustentável no Congresso, especialmente durante a interinidade, mas cabe ao presidente reconhecer o limite do grau de concessões para não chafurdar ele próprio na podridão alheia, inclusive do PMDB.
No poder, Temer ainda se passa por refém circunstancial da ala mais podre do partido e do Congresso – só não pode é ser nem se deixar passar por parte interessada em atrapalhar a Lava Jato ou por cúmplice dessas tentativas (ainda que eventualmente ineficazes), como uma espécie de versão peemedebista de Dilma Rousseff.
Para evitar isto, honradez, coragem e jogo de cintura são mais imprescindíveis do que nunca.
Ninguém disse que seria fácil ser presidente interino da República.
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