Dan Levin - NYT
Ruth Fremson/The New York Times
Menos de um ano depois que sua prima de 15 anos desapareceu, Delphine Nikal, 16, foi vista pela última vez pedindo carona nesta isolada cidade no norte do Canadá em uma manhã da primavera de 1990.
Ruth Fremson/The New York Times
Menos de um ano depois que sua prima de 15 anos desapareceu, Delphine Nikal, 16, foi vista pela última vez pedindo carona nesta isolada cidade no norte do Canadá em uma manhã da primavera de 1990.
Ramona
Wilson, 16, que jogava no time de basquete do colégio, saiu de casa em
uma noite de sábado em 1994 para ir a uma festa numa cidade próxima. Não
chegou. Seus restos foram encontrados dez meses depois perto do
aeroporto local.
Tamara Chipman, 22, desapareceu em 2005, deixando um bebê. "Ela continua desaparecida", disse sua tia, Gladys Radek. "Vai fazer 11 anos em setembro."
Dezenas de mulheres e meninas canadenses, na maioria indígenas, desapareceram ou foram assassinadas perto da Rodovia 16, uma faixa de asfalto remota que corta a Colúmbia Britânica e serpenteia por florestas densas, cidades madeireiras e reservas indígenas pobres a caminho do oceano Pacífico.
Tantas mulheres e meninas desapareceram ou foram encontradas mortas em um trecho da estrada que os moradores a chamam de Rodovia das Lágrimas.
Uma unidade especial formada pela Real Polícia Montada do Canadá ligou 18 desses casos de 1969 a 2006 a essa parte da estrada e duas vias secundárias. Outras mulheres sumiram desde então, e ativistas comunitários e parentes das desaparecidas dizem acreditar que o total chega perto de 50. Quase todos os casos continuam sem solução.
A Rodovia das Lágrimas e o desaparecimento das indígenas se tornaram um escândalo político na Colúmbia Britânica.
Mas esses casos são apenas uma fração do número das que foram assassinadas ou desapareceram em todo o país. A Política Montada do Canadá contou oficialmente cerca de 1.200 casos nas últimas três décadas, mas pesquisas da Associação de Mulheres Nativas do Canadá sugerem que o número total pode chegar a 4 mil.
Em dezembro, depois de anos de recusas de seu antecessor conservador, o primeiro-ministro Justin Trudeau anunciou um inquérito nacional muito aguardado sobre o desaparecimento e assassinato de mulheres indígenas.
O inquérito, que custará 40 milhões de dólares canadenses (cerca de R$ 110 milhões), faz parte da promessa de Trudeau de uma "renovação total" da relação entre o Canadá e seus cidadãos indígenas e chega em um momento crítico.
As mulheres e meninas nativas formam cerca de 4% da população feminina do país, mas 16% de todos os homicídios femininos, segundo estatísticas do governo.
Carolyn Bennett, a ministra de Assuntos Indígenas e Setentrionais, passou meses viajando pelo país em consultas às comunidades indígenas. Durante suas reuniões, famílias e sobreviventes se queixaram de racismo e sexismo por parte da polícia, que segundo ela trata as mortes de mulheres indígenas como "inevitáveis, como se suas vidas fossem menos importantes".
"O que está claro é a aplicação desigual da justiça", disse Bennett.
Um motivo para duvidar da estimativa da polícia, segundo ela, é que a força muitas vezes considera imediatamente as mortes das mulheres como suicídios, overdoses de drogas ou acidentes, contra os protestos de parentes que suspeitam de injustiça. "Não houve investigação", disse ela, citando um caso recente. "A pasta do caso está vazia."
Percorrendo 720 km entre a cidade de Príncipe George e o porto de Príncipe Rupert, no Pacífico, a Rodovia das Lágrimas é ao mesmo tempo um microcosmo do doloroso legado indígena do Canadá e um sério teste para Trudeau, que tenta reparar o relacionamento do país com os povos aborígines.
Em uma viagem recente pela Rodovia 16, cenas de natureza deslumbrante eram salpicadas de comunidades indígenas que sofrem com a decadência econômica e a terrível memória das mulheres desaparecidas e assassinadas.
A alguns quilômetros de Príncipe George, a estrada mergulha em espessas florestas cortadas por trilhas de madeireiros e algumas placas que advertem para a travessia de animais.
"Meninas, não peçam carona na Rodovia das Lágrimas", diz um grande outdoor amarelo na lateral da estrada, mais ao norte. "Assassino à solta!"
Enquanto uma águia voava acima, Brenda Wilson, 49, coordenadora na Rodovia das Lágrimas dos Serviços Familiares Carrier e Sekani [povos nativos] e irmã de uma das vítimas, indicou com um gesto o muro de pinheiros que ladeia a estrada.
"A floresta é realmente fechada aqui, por isso se você procura alguém é difícil encontrar", disse ela, citando o nome de várias mulheres que continuam desaparecidas.
O governo provincial anunciou em dezembro planos para melhorar a segurança na Rodovia 16, incluindo verbas para câmeras de tráfego e veículos para as comunidades indígenas. Mas pouco mudou na estrada, que não tem iluminação a gás ou qualquer transporte público além do inconstante serviço de ônibus Greyhound que não chega às comunidades remotas.
Os perigos não impedem que pessoas desesperadas peçam carona. Junto à aldeia de Burns Lake, Drucella Joseph, 25, uma indígena desempregada, subiu rapidamente na traseira de um carro que parou, juntamente com seu namorado, Corey Coombes.
"Os amigos me levam quando eu realmente preciso de uma carona, ou nós simplesmente pedimos carona", disse ela ao motorista. O casal vive da pensão que ele recebe por deficiência e de alimentos doados por entidades. Nenhum deles tem celular. Coombes diz que quando pedem carona ele leva um bastão ou uma chave de parafuso para se proteger.
Depois que sua filha Ramona desapareceu, em 1994, disse Matilda Wilson, membro da primeira nação Gitxsan, a polícia se recusou a agir.
"Eles nos deram várias desculpas diferentes de que ela voltaria amanhã ou na semana seguinte", disse Wilson. "Não havia pressa ou alarme, por isso nós mesmos começamos a procurar."
Apesar de diversas buscas, Wilson, uma mãe solteira de seis filhos que hoje tem 65 anos, disse que não surgiu sinal de Ramona até vários meses após seu sumiço, quando Wilson recebeu um telefonema anônimo dizendo que o corpo da menina estava perto do aeroporto. Policiais vasculharam a área, mas nada encontraram, disse a mãe.
Em abril de 1995, dois homens com veículos 4x4 descobriram os restos de Ramona enterrados embaixo de algumas árvores perto do aeroporto. Flores de plástico e uma cruz de vidro hoje decoram seu túmulo em um cemitério em Smithers, a alguns quarteirões do trailer-casa muito bem cuidado de Wilson.
Irritada com a polícia por não ter encontrado a adolescente ou alertar as pessoas sobre a história das mulheres desaparecidas na Rodovia 16, Wilson e sua família organizaram uma caminhada memorial em junho de 1995 que se tornou um evento anual, atraindo a atenção da mídia e inspirando a atuação de famílias de outras desaparecidas.
"Queremos uma solução, e não vamos desistir", disse Wilson enquanto varria folhas do túmulo de sua filha.
Em uma tarde recente, três jovens irmãs indígenas e sua prima caminhavam pela reserva indígena Moricetown, que dá frente para a estrada. Perguntada sobre a Rodovia das Lágrimas, uma delas, Rochelle Joseph, 21 e desempregada, disse que as irmãs nunca pedem carona porque cresceram ouvindo falar nas vítimas, incluindo sua prima, Chipman.
Mas a ameaça na rodovia assombra suas vidas.
"As histórias nos tornaram cautelosas", disse Joseph em voz baixa, manifestando o medo de que um assassino em série esteja por trás do volante de qualquer carro desconhecido. "Ele provavelmente ainda está por aí."
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Tamara Chipman, 22, desapareceu em 2005, deixando um bebê. "Ela continua desaparecida", disse sua tia, Gladys Radek. "Vai fazer 11 anos em setembro."
Dezenas de mulheres e meninas canadenses, na maioria indígenas, desapareceram ou foram assassinadas perto da Rodovia 16, uma faixa de asfalto remota que corta a Colúmbia Britânica e serpenteia por florestas densas, cidades madeireiras e reservas indígenas pobres a caminho do oceano Pacífico.
Tantas mulheres e meninas desapareceram ou foram encontradas mortas em um trecho da estrada que os moradores a chamam de Rodovia das Lágrimas.
Uma unidade especial formada pela Real Polícia Montada do Canadá ligou 18 desses casos de 1969 a 2006 a essa parte da estrada e duas vias secundárias. Outras mulheres sumiram desde então, e ativistas comunitários e parentes das desaparecidas dizem acreditar que o total chega perto de 50. Quase todos os casos continuam sem solução.
A Rodovia das Lágrimas e o desaparecimento das indígenas se tornaram um escândalo político na Colúmbia Britânica.
Mas esses casos são apenas uma fração do número das que foram assassinadas ou desapareceram em todo o país. A Política Montada do Canadá contou oficialmente cerca de 1.200 casos nas últimas três décadas, mas pesquisas da Associação de Mulheres Nativas do Canadá sugerem que o número total pode chegar a 4 mil.
Em dezembro, depois de anos de recusas de seu antecessor conservador, o primeiro-ministro Justin Trudeau anunciou um inquérito nacional muito aguardado sobre o desaparecimento e assassinato de mulheres indígenas.
O inquérito, que custará 40 milhões de dólares canadenses (cerca de R$ 110 milhões), faz parte da promessa de Trudeau de uma "renovação total" da relação entre o Canadá e seus cidadãos indígenas e chega em um momento crítico.
As mulheres e meninas nativas formam cerca de 4% da população feminina do país, mas 16% de todos os homicídios femininos, segundo estatísticas do governo.
Carolyn Bennett, a ministra de Assuntos Indígenas e Setentrionais, passou meses viajando pelo país em consultas às comunidades indígenas. Durante suas reuniões, famílias e sobreviventes se queixaram de racismo e sexismo por parte da polícia, que segundo ela trata as mortes de mulheres indígenas como "inevitáveis, como se suas vidas fossem menos importantes".
"O que está claro é a aplicação desigual da justiça", disse Bennett.
Um motivo para duvidar da estimativa da polícia, segundo ela, é que a força muitas vezes considera imediatamente as mortes das mulheres como suicídios, overdoses de drogas ou acidentes, contra os protestos de parentes que suspeitam de injustiça. "Não houve investigação", disse ela, citando um caso recente. "A pasta do caso está vazia."
Percorrendo 720 km entre a cidade de Príncipe George e o porto de Príncipe Rupert, no Pacífico, a Rodovia das Lágrimas é ao mesmo tempo um microcosmo do doloroso legado indígena do Canadá e um sério teste para Trudeau, que tenta reparar o relacionamento do país com os povos aborígines.
Em uma viagem recente pela Rodovia 16, cenas de natureza deslumbrante eram salpicadas de comunidades indígenas que sofrem com a decadência econômica e a terrível memória das mulheres desaparecidas e assassinadas.
A alguns quilômetros de Príncipe George, a estrada mergulha em espessas florestas cortadas por trilhas de madeireiros e algumas placas que advertem para a travessia de animais.
"Meninas, não peçam carona na Rodovia das Lágrimas", diz um grande outdoor amarelo na lateral da estrada, mais ao norte. "Assassino à solta!"
Enquanto uma águia voava acima, Brenda Wilson, 49, coordenadora na Rodovia das Lágrimas dos Serviços Familiares Carrier e Sekani [povos nativos] e irmã de uma das vítimas, indicou com um gesto o muro de pinheiros que ladeia a estrada.
"A floresta é realmente fechada aqui, por isso se você procura alguém é difícil encontrar", disse ela, citando o nome de várias mulheres que continuam desaparecidas.
O governo provincial anunciou em dezembro planos para melhorar a segurança na Rodovia 16, incluindo verbas para câmeras de tráfego e veículos para as comunidades indígenas. Mas pouco mudou na estrada, que não tem iluminação a gás ou qualquer transporte público além do inconstante serviço de ônibus Greyhound que não chega às comunidades remotas.
Os perigos não impedem que pessoas desesperadas peçam carona. Junto à aldeia de Burns Lake, Drucella Joseph, 25, uma indígena desempregada, subiu rapidamente na traseira de um carro que parou, juntamente com seu namorado, Corey Coombes.
"Os amigos me levam quando eu realmente preciso de uma carona, ou nós simplesmente pedimos carona", disse ela ao motorista. O casal vive da pensão que ele recebe por deficiência e de alimentos doados por entidades. Nenhum deles tem celular. Coombes diz que quando pedem carona ele leva um bastão ou uma chave de parafuso para se proteger.
Depois que sua filha Ramona desapareceu, em 1994, disse Matilda Wilson, membro da primeira nação Gitxsan, a polícia se recusou a agir.
"Eles nos deram várias desculpas diferentes de que ela voltaria amanhã ou na semana seguinte", disse Wilson. "Não havia pressa ou alarme, por isso nós mesmos começamos a procurar."
Apesar de diversas buscas, Wilson, uma mãe solteira de seis filhos que hoje tem 65 anos, disse que não surgiu sinal de Ramona até vários meses após seu sumiço, quando Wilson recebeu um telefonema anônimo dizendo que o corpo da menina estava perto do aeroporto. Policiais vasculharam a área, mas nada encontraram, disse a mãe.
Em abril de 1995, dois homens com veículos 4x4 descobriram os restos de Ramona enterrados embaixo de algumas árvores perto do aeroporto. Flores de plástico e uma cruz de vidro hoje decoram seu túmulo em um cemitério em Smithers, a alguns quarteirões do trailer-casa muito bem cuidado de Wilson.
Irritada com a polícia por não ter encontrado a adolescente ou alertar as pessoas sobre a história das mulheres desaparecidas na Rodovia 16, Wilson e sua família organizaram uma caminhada memorial em junho de 1995 que se tornou um evento anual, atraindo a atenção da mídia e inspirando a atuação de famílias de outras desaparecidas.
"Queremos uma solução, e não vamos desistir", disse Wilson enquanto varria folhas do túmulo de sua filha.
Em uma tarde recente, três jovens irmãs indígenas e sua prima caminhavam pela reserva indígena Moricetown, que dá frente para a estrada. Perguntada sobre a Rodovia das Lágrimas, uma delas, Rochelle Joseph, 21 e desempregada, disse que as irmãs nunca pedem carona porque cresceram ouvindo falar nas vítimas, incluindo sua prima, Chipman.
Mas a ameaça na rodovia assombra suas vidas.
"As histórias nos tornaram cautelosas", disse Joseph em voz baixa, manifestando o medo de que um assassino em série esteja por trás do volante de qualquer carro desconhecido. "Ele provavelmente ainda está por aí."
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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