Mistificação eficiente
Merval Pereira - O Globo
Mas na oposição, não se vexam com as revelações de seus crimes e
partem para o ataque como se não tivessem nenhuma culpa pelo que
aconteceu na Petrobras, assaltada e dilapidada por uma quadrilha de
políticos comandada pelo próprio presidente Lula, como mais uma delação
premiada, a do ex-deputado Pedro Correa, confirma.
Ninguém se mexeu para dar um abraçaço na estatal, mas para impedir a
fusão do ministério da Cultura com o da Educação, a indignação cívica
tomou conta de nossos intelectuais. A lista de salários astronômicos
pagos pela estatal Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), falida e sem
audiência, talvez explique a gana com que defendem um governo
criminoso.
Ninguém se mexeu para protestar pelos escândalos do mensalão e do
petrolão, muito menos contra o desastroso governo de Dilma Rousseff, mas
para espalhar pelo mundo afora a honestidade da presidente afastada,
mesmo diante de diversas delações sobre sua atuação pessoal no uso de
verbas desviadas pela corrupção na Petrobras e outras estatais nas
campanhas presidenciais que a elegeram.
Agora mesmo, uma conversa do ex-presidente Sarney gravada pelo
delator Sérgio Machado revela uma faceta dessa atuação: foi a própria
Dilma quem pediu à Odebrecht que pagasse por fora ao marqueteiro João
Santana, cuja mulher está fazendo delação premiada e confessando que
recebeu propina da empreiteira no exterior. CQD.
No mensalão ainda houve um grupo de deputados petistas que acabou se
retirando do partido para criar o PSOL, um dos poucos não envolvidos
nesse esquema de corrupção que atinge praticamente todos os partidos
políticos.
A Rede de Marina Silva é outro, embora se beneficie de ter sido
criado mais recentemente. Mas pelo menos tem um sistema de triagem que
até o momento parece funcionar. E Marina sai ilesa dessa geleia geral da
corrupção em que se transformou o país, pronta para se apresentar como
das poucas alternativas para uma mudança de atitudes.
Embora minoritários, os petistas conseguem se mobilizar
nacionalmente, e até pelo mundo, em demonstrações que sugerem haver uma
revolta contra os "golpistas" que assumiram o poder, como se esses
mesmos "golpistas", a começar pelo presidente interino, não fossem
íntimos parceiros dos petistas nos últimos 13 anos, e não dividissem o
butim das estatais em partes iguais.
Todos os que hoje fazem parte do governo interino do PMDB e estão
enrolados nas investigações foram líderes de governos petistas, foram
ministros de governos petistas, foram parceiros de falcatruas. Nas
gravações, vê-se que Renan Calheiros é o Eduardo Cunha do PT.
O que fragiliza o governo interino de Michel Temer, mas tira também a
credibilidade dos movimentos petistas que, no entanto, parecem não ser
afetados pelas evidências. Se sentem no direito de acusar de "golpistas"
os cúmplices de ontem, e tudo fica semelhante a uma briga de bandidos
em que todos têm razão.
Os petistas tiveram um ganho formidável com o impeachment de Dilma: a
oposição atingiu seu objetivo, mas não tem empolgação (nem razão) para
ir para as ruas defender o governo Temer, cheio de dívidas com o seu
passado e incertezas quanto ao presente.
Apoiar o impeachment, por ser uma solução constitucional para o
descalabro do país, deu à oposição uma vitória que periga não ser
consolidada pela história pregressa que vem sendo revelada nas
investigações da Lava-Jato, atingindo inclusive líderes do DEM e do
PSDB, e ao PT uma palavra de ordem mentirosa, mas eficiente ("não vai
ter golpe"), como as campanhas dos marqueteiros petistas presos.
O presidente interino Michel Temer, tolhido por compromissos
políticos que refletem os velhos vícios em que o PMDB foi cevado,
precisa ainda provar que pode vir a ser um Itamar Franco, embora se
aproxime mais de um José Sarney, pela história política que liga os dois
caciques do PMDB, mais uma vez reafirmada nas conversas gravadas
clandestinamente, mais reveladoras da alma dos interlocutores do que as
declarações formais.
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