O peso da História
Merval Pereira - O Globo
Para
o economista José Roberto Afonso, um dos autores da lei, depois de tudo
o que aconteceu, o importante agora é refundar a LRF, fechar brechas, e
evitar que erros se repitam. Não basta mudar nomes, precisamos mudar
regras, diz ele.
“Insisto que urge endurecer a LRF, uma tarefa
chave para Temer”. O senador Anastasia chamou a atenção em seu relatório
para o espírito da Lei de Responsabilidade Fiscal, que visa
especialmente o uso desmedido de força do controlador para se financiar
pelos bancos públicos.
Essa é a explicação técnica para o fato
de o Tribunal de Contas da União não ter considerado os atrasos pontuais
dos governos de Fernando Henrique Cardoso ou Lula como enquadráveis na
vedação do dispositivo. A explicação é um contraponto à alegação do
Advogado-Geral da União José Eduardo Cardozo de que não há meia operação
de crédito, como não há meia gravidez.
José Roberto Afonso vai
mais longe, não aceita a tese de que Fernando Henrique "pedalou". Ele
diz que tanto FH quanto Lula, “atrasaram dias, quanto muito; e sobrava
saldo nos outros dias; no governo Dilma, o atraso foi longo, crescente, e
não compensado”.
Como ficou demonstrado no relatório do senador
Antonio Anastasia, não faz sentido usar o critério da anualidade para
afirmar que a meta fiscal foi cumprida por que, no final do ano, o
governo, com maioria no Congresso, conseguiu mudar a meta de um
superávit para déficit. Seria dar um cheque em branco para o governante,
que poderia estourar todas as metas fiscais e justificar no final do
exercício com uma mudança radical de meta.
Da mesma maneira, o
senador Anastasia aproveitou o relatório para dar uma lição de
democracia ao refutar a tese do golpe. Segundo ele, a responsabilização
faz parte da própria idéia de Estado de Direito e de República. "Se não,
teríamos um poder absoluto do governante."
Citando Rui Barbosa, o
tucano disse que o impeachment "é um mecanismo que dá ao
presidencialismo uma possibilidade – ainda que tímida – de
responsabilização política do presidente, sem rupturas institucionais".
Presidencialismo
sem impeachment é querer, mais uma vez, o melhor de dois mundos para o
governo, ressaltou Anastasia: o Executivo forte do presidencialismo, mas
sem a possibilidade de retirada do poder em caso de abuso.
“Presidencialismo sem possibilidade de impeachment é monarquia absoluta,
é ditadura, por isso que o mecanismo foi previsto em todas as nossas
Constituições, e inclusive já utilizado sem traumas institucionais”.
Anastasia
refutou também como não sendo razoável a suposição de que a presidente
da República “não soubesse que uma dívida da ordem de R$ 50 bilhões
junto a bancos públicos federais pairava na atmosfera fiscal da União”.
Até mesmo porque, lembrou, esse endividamento foi utilizado como forma
de financiamento de políticas públicas prioritárias.
"Não se
trata, portanto, no presente caso, de se 'pedir um impeachment, porque
alguém rouba um grampeador', tal como afirmou o Advogado-Geral da União,
rebateu o relator. O relatório, embora se circunscreva aos atos
cometidos em 2015, lembra que esses procedimentos vinham de antes.
Apesar
da vedação imposta pelo art. 36 da LRF, a União acumulou um passivo de
R$ 17,5 bilhões ao final de 2014 junto ao BNDES. Os montantes devidos
continuam a crescer ao longo de 2015 até alcançarem o valor de R$ 21,3
bilhões em novembro.
Ao contrário do relatório do deputado Jovair
Arantes na Câmara, o de Anastasia foi sóbrio e técnico, sem entrar mais
profundamente em questões políticas ou se aprofundar no “conjunto da
obra”, embora a ligação dos atos de 2015 com os de anos anteriores,
caracterizando um método de governo, tenha sido ressaltada.
Não
ficou muito espaço para os governistas contestarem as razões para a
aceitação do impeachment, embora seja previsível que hoje o
Advogado-Geral da União, José Eduardo Cardozo, em mais uma defesa,
tentará manter a tese de nulidade das acusações.
Nada, porém, que
mude o rumo dos acontecimentos, especialmente depois que o próprio
Cardozo, e a presidente Dilma, foram denunciados pelo Procurador-Geral
da República por tentativas de obstrução da Justiça nas investigações da
Operação Lava-Jato.
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