Christoph Reuter - NYT
Eles escolheram o momento perfeito. No momento em que a Europa deixava escapar um suspiro de alívio, ao capturar um dos terroristas de Paris após meses de caçada, estes detonaram seus explosivos. O sinal enviado pela prisão era de que o Estado Islâmico (EI) pode ser derrotado. Mas o ataque em Bruxelas nos diz que não é o caso. Quando você pensa que nos derrotou, nós atacaremos bem em seu coração.
Os investigadores e
agências de inteligência concordam que os preparativos para os ataques
em Bruxelas devem ter começado há muito tempo. As bombas belgas anunciam
assim uma nova abordagem para o Estado Islâmico na Europa, uma que
representa um mau agouro para aqueles que tentam prevenir atos de
terrorismo, porque a ameaça não mais se limita a indivíduos conhecidos
pela polícia ou já presentes em listas de procurados, mas também vem
daqueles nas sombras, no segundo ou terceiro escalão. Até mesmo
jihadistas que ainda não foram identificados pelas autoridades agora são
capazes de atacar.
Essa abordagem reflete a utilizada nos principais campos de batalha do EI na Síria e no Iraque. Por algum tempo ali, agressores insuspeitos, que foram treinados discretamente, se infiltraram nos círculos visados e desenvolveram células dormentes de longo prazo. Ou homens de regiões vizinhas ao alvo são recrutados para aguardar e atacar no momento certo.
Um comandante rebelde, que fugiu após o Estado Islâmico tomar Raqqa, foi abduzido por seu próprio motorista na Turquia, que estava trabalhando sob ordens do EI. E o fundador da rede ativista secreta Raqqa Está Sendo Massacrada Silenciosamente foi morto em seu apartamento na cidade turca de Sanliurfa por um agente do EI, que se infiltrou nos oponentes meses antes, passando-se por um apoiador.
As pessoas por trás desse terror estão provando ser planejadoras surpreendentemente previdentes, pacientes, e não agentes precipitados, algo que se aplica tanto na Europa quanto na Síria. Esse é um lado novo e muito subestimado do EI.
O quão longe o Estado Islâmico vai para instalar células dormentes é ilustrado por um caso menos conhecido, um no qual o EI tentou se infiltrar nas forças de oposição.
Jamil Mahmoud, um homem jovem curdo de Afrin, que trabalhava como pintor de móveis em Beirute, foi selecionado para se inserir nas fileiras das Unidades de Proteção do Povo (YPG) no distrito no norte da Síria de onde veio. Assim que seus recrutadores ficaram confiantes o bastante de que ele agiria de acordo com seus interesses, Mahmoud foi levado pelo porto em Trípoli até a Turquia, sem precisar mostrar seu passaporte.
Depois do mar, ele foi levado de carro para o interior por quatro horas, contou posteriormente um curdo para a "Spiegel". "Até chegarmos a uma grande e isolada casa de fazenda. Lá se encontravam 25 homens, árabes e turcos. Fomos treinados no uso de (fuzis) Kalashnikovs e pistolas Glock."
Eles nunca saíram do campo. Mas a área de Gaziantep surgia com frequência na conversa. Após dois meses, ele foi designado para se juntar à milícia das YPG em Afrin (um grupo próximo do Partido dos Trabalhadores do Curdistão, ou PKK) e instruído a aguardar novas ordens. "Eles apenas disseram que sempre estariam por perto e que entrariam em contato quando fosse hora de entrar em ação." Mahmoud foi levado de carro até a fronteira, de onde viajou para Afrin e se juntou à milícia, como ordenado. Após alguns meses, entretanto, ele se entregou para as autoridades curdas, antes de receber a ordem para atacar.
O depoimento de desertores sugere que a organização terrorista começou a estabelecer células dormentes em múltiplos países europeus desde cedo, em particular na Turquia. Segundo ex-combatentes do EI, elas costumam ser compostas por homens que não estão em quaisquer listas de suspeitos. Isso permite ao EI se livrar da vulnerabilidade sofrida por muitos baseados na Europa, a de serem terroristas conhecidos. As biografias de muitos terroristas são muito semelhantes: um período inicial de radicalização precede um período de preparação antes de um ataque. A essa altura, entretanto, muitos já passam a ser conhecidos pelas autoridades como perigosos e costumam ser colocados sob vigilância. Isso inclui os belgas que, em janeiro de 2015, queriam atacar delegacias de polícia em Bruxelas logo depois do massacre no jornal satírico "Charlie Hebdo". Apartamentos, telefones e carros foram grampeados. As autoridades sempre tinham um quadro claro do que estava acontecendo.
Os ataques puderam ser repetidamente impedidos porque os agressores deixavam rastros. Pouco depois dos ataques de julho de 2005 em Londres, um investigador britânico alertou que as investigações davam pouca ênfase aos terroristas atuando fora do radar dos serviços de segurança. Naquele momento, grande parte da atenção era voltada aos "terroristas domésticos", homens jovens que se radicalizaram sem entrar em contato com a liderança da Al Qaeda ou pregadores de ódio proeminentes. Essa categoria se aplicava a cada um dos quatro homens que explodiram a si mesmos em Londres.
O terrorismo se tornou mais profissional de lá para cá. Os mentores do EI agora formam redes de células dormentes desde cedo visando atacar sem obstáculos a qualquer momento. É bem documentado que estão fazendo isso na Síria. E é muito provável que estejam fazendo o mesmo na Europa.
Tradutor: George El Khouri Andolfato
Essa abordagem reflete a utilizada nos principais campos de batalha do EI na Síria e no Iraque. Por algum tempo ali, agressores insuspeitos, que foram treinados discretamente, se infiltraram nos círculos visados e desenvolveram células dormentes de longo prazo. Ou homens de regiões vizinhas ao alvo são recrutados para aguardar e atacar no momento certo.
Surpreendentemente previdente
Trata-se de um "modus operandi" empregado múltiplas vezes por terroristas contra oponentes proeminentes e com frequência bem defendidos, a forma como Abu Khalid al Suri, o emissário sírio do chefão da Al Qaeda, Aiman al-Zawahiri, foi traído por um de seus próprios funcionários e morto no início de 2014 pelo EI, apesar de todas as medidas protetoras possíveis adotadas em seu esconderijo altamente secreto.Um comandante rebelde, que fugiu após o Estado Islâmico tomar Raqqa, foi abduzido por seu próprio motorista na Turquia, que estava trabalhando sob ordens do EI. E o fundador da rede ativista secreta Raqqa Está Sendo Massacrada Silenciosamente foi morto em seu apartamento na cidade turca de Sanliurfa por um agente do EI, que se infiltrou nos oponentes meses antes, passando-se por um apoiador.
As pessoas por trás desse terror estão provando ser planejadoras surpreendentemente previdentes, pacientes, e não agentes precipitados, algo que se aplica tanto na Europa quanto na Síria. Esse é um lado novo e muito subestimado do EI.
O quão longe o Estado Islâmico vai para instalar células dormentes é ilustrado por um caso menos conhecido, um no qual o EI tentou se infiltrar nas forças de oposição.
Jamil Mahmoud, um homem jovem curdo de Afrin, que trabalhava como pintor de móveis em Beirute, foi selecionado para se inserir nas fileiras das Unidades de Proteção do Povo (YPG) no distrito no norte da Síria de onde veio. Assim que seus recrutadores ficaram confiantes o bastante de que ele agiria de acordo com seus interesses, Mahmoud foi levado pelo porto em Trípoli até a Turquia, sem precisar mostrar seu passaporte.
Depois do mar, ele foi levado de carro para o interior por quatro horas, contou posteriormente um curdo para a "Spiegel". "Até chegarmos a uma grande e isolada casa de fazenda. Lá se encontravam 25 homens, árabes e turcos. Fomos treinados no uso de (fuzis) Kalashnikovs e pistolas Glock."
Eles nunca saíram do campo. Mas a área de Gaziantep surgia com frequência na conversa. Após dois meses, ele foi designado para se juntar à milícia das YPG em Afrin (um grupo próximo do Partido dos Trabalhadores do Curdistão, ou PKK) e instruído a aguardar novas ordens. "Eles apenas disseram que sempre estariam por perto e que entrariam em contato quando fosse hora de entrar em ação." Mahmoud foi levado de carro até a fronteira, de onde viajou para Afrin e se juntou à milícia, como ordenado. Após alguns meses, entretanto, ele se entregou para as autoridades curdas, antes de receber a ordem para atacar.
Células dormentes na Europa
O comportamento do EI é de muitas formas mais parecido com o de um serviço secreto do que de fanáticos. A Al Qaeda cometia seus ataques como razão de ser, o resultado sendo o de não terem ocorrido ataques subsequentes muito fora de seus teatros de guerra habituais, após seus atos de violência em Nova York e Washington em 2001, em Casablanca, Madri, Amã e outros lugares. A Al Qaeda agia, não reagia. Mas o EI parece capaz de fazê-lo.O depoimento de desertores sugere que a organização terrorista começou a estabelecer células dormentes em múltiplos países europeus desde cedo, em particular na Turquia. Segundo ex-combatentes do EI, elas costumam ser compostas por homens que não estão em quaisquer listas de suspeitos. Isso permite ao EI se livrar da vulnerabilidade sofrida por muitos baseados na Europa, a de serem terroristas conhecidos. As biografias de muitos terroristas são muito semelhantes: um período inicial de radicalização precede um período de preparação antes de um ataque. A essa altura, entretanto, muitos já passam a ser conhecidos pelas autoridades como perigosos e costumam ser colocados sob vigilância. Isso inclui os belgas que, em janeiro de 2015, queriam atacar delegacias de polícia em Bruxelas logo depois do massacre no jornal satírico "Charlie Hebdo". Apartamentos, telefones e carros foram grampeados. As autoridades sempre tinham um quadro claro do que estava acontecendo.
Os ataques puderam ser repetidamente impedidos porque os agressores deixavam rastros. Pouco depois dos ataques de julho de 2005 em Londres, um investigador britânico alertou que as investigações davam pouca ênfase aos terroristas atuando fora do radar dos serviços de segurança. Naquele momento, grande parte da atenção era voltada aos "terroristas domésticos", homens jovens que se radicalizaram sem entrar em contato com a liderança da Al Qaeda ou pregadores de ódio proeminentes. Essa categoria se aplicava a cada um dos quatro homens que explodiram a si mesmos em Londres.
O terrorismo se tornou mais profissional de lá para cá. Os mentores do EI agora formam redes de células dormentes desde cedo visando atacar sem obstáculos a qualquer momento. É bem documentado que estão fazendo isso na Síria. E é muito provável que estejam fazendo o mesmo na Europa.
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