Documento vazado por engano revela que ministro quer usurpar de novo poderes da Câmara e forçar a tramitação de uma denúncia contra o vice-presidente. Desta vez, o doutor passou dos limites
Reinaldo Azevedo - VEJA
Perdi a
paciência com Marco Aurélio. Que diferença isso faz pra ele? Que seja
nenhuma! Para mim, faz toda. E isso me basta. Mas vou contar por quê. Há
categorias nas quais não admito zonas cinzentas. A honestidade
intelectual é uma delas. Ou se é honesto intelectualmente ou não se é.
Este
senhor saltou o muro cá na minha classificação. É raro alguém me enganar
nessa área, mas impossível não é. Já cheguei a elogiar o que me parecia
a coragem do doutor de andar na contramão, mesmo quando discordei dele.
O arquivo esta aí. Agora vejo o que coragem não era, mas desejo de
aparecer — isso na hipótese virtuosa.
Há um tipo
de oportunismo que cresce à sombra da generosidade alheia. Cedo ou
tarde, a fraude se revela. Já me livrei, no terreno intelectual,
precocemente de algumas farsas. Outras duraram mais tempo. É o caso. E
aí a admiração cede ao fastio. As características que antes pareciam
interessantes se revelam só a reiteração da fraude. É chato! Prefiro
admirar as pessoas a desprezá-las.
Marco
Aurélio surpreendeu o direito, a lógica e o bom senso, há dois dias, ao
convidar Dilma a recorrer ao Supremo contra a eventual aprovação da
denúncia do impeachment pela Câmara, antecipando desavergonhadamente seu
voto.
Deixou
claro não ver crime de responsabilidade e ainda convidou a todos a um
convescote. O ministro que, não raro, faz questão de ser do contra,
convidou Executivo e Legislativo a se sentar à volta da mesa para
resolver suas diferenças. Com mais ousadia, incluiria também o
Judiciário, entregando o país ao comando do “PUN”: o Partido Único.
Eu estava
ontem no médico quando mensagens começaram a pulular no meu celular.
“Viu o que fez Marco Aurélio?” “E Marco Aurélio, hein?” “O Temer também
vai ser impichado”? Como Cid Gomes, o não-alfa da Família Gomes, havia
decidido também pedir o impeachment do vice, fiquei lá pensando,
deitadão: “Mas que diabos Marcos Aurélio tem a ver com isso?”
Bem, o
caso não estava relacionado aos chiliques dos Irmãos Gomes. Era outra
coisa. No começo da madrugada, em casa, fui me informar a respeito. É
estupefaciente!
Vamos ao caso
Qual é o busílis? Um advogado chamado Mariel Márley Marra havia protocolado há tempos na Câmara uma denúncia por crime de responsabilidade contra Michel Temer, acusando-o de responsável por algumas pedaladas fiscais.
Qual é o busílis? Um advogado chamado Mariel Márley Marra havia protocolado há tempos na Câmara uma denúncia por crime de responsabilidade contra Michel Temer, acusando-o de responsável por algumas pedaladas fiscais.
Cunha, sem
ver motivos para tanto, mandou arquivar o pedido. O doutor Mariel
resolveu entrar com um mandado de segurança, com pedido de liminar, para
obrigar o presidente da Câmara a aceitar o pedido, mandando constituir a
comissão para avaliar o caso.
E o que
fez Marco Aurélio? Resolveu ser a notícia do fim de semana. Encaminhou
um despacho, que acabou sendo divulgado precocemente, sem a sua
assinatura — e aí o troço foi recolhido —, em que escreve o seguinte:
“Ante o quadro, defiro parcialmente a liminar para, afastando os efeitos do ato impugnado, determinar o seguimento da denúncia, vindo a desaguar na formação da Comissão Especial, a qual emitirá parecer”.
“Ante o quadro, defiro parcialmente a liminar para, afastando os efeitos do ato impugnado, determinar o seguimento da denúncia, vindo a desaguar na formação da Comissão Especial, a qual emitirá parecer”.
O senhor
Marco Aurélio parece querer usurpar para si e para o STF uma função que,
por determinação do Parágrafo 2º do Artigo 218 do Regimento da Câmara, é
exclusiva da Presidência da Casa, a saber:
“§ 2º Recebida a denúncia pelo Presidente, verificada a existência dos requisitos de que trata o parágrafo anterior, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada à Comissão Especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os Partidos.”
“§ 2º Recebida a denúncia pelo Presidente, verificada a existência dos requisitos de que trata o parágrafo anterior, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada à Comissão Especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os Partidos.”
Mas não é
só isso, não. Lembram-se das liminares concedidas por Teori Zavascki e
Rosa Weber contra o rito do impeachment que havia sido decidido por
Cunha? Pois é… Elas fizeram duas coisas, confirmadas pela maioria dos
ministros: suspenderam o rito, MAS REAFIRMARAM QUE É PRERROGATIVA DO
PRESIDENTE DA CÂMARA RECEBER OU RECUSAR A DENÚNCIA. E FIM DE PAPO.
Ora, foi
por isso que, à época, escrevi aqui que os dois ministros não tinham
tirado poder nenhum de Cunha. Só tinham cassado mesmo o de a oposição
recorrer caso o presidente da Câmara tivesse rejeitado a denúncia. O
texto está aqui.
Aliás,
houve até uma coisa engraçada. Deputados petistas resolveram recorrer ao
Supremo contra a decisão de Eduardo Cunha. Anunciaram depois a
desistência porque o relator seria Gilmar Mendes. Com a maledicência
costumeira, afirmaram que não adiantaria mesmo, já que o ministro iria
votar contra o interesse do PT. Era pura patranha. Eles sabiam não haver
a menor chance. Escrevi a respeito aqui no dia 3 de dezembro.
A trapalhada
Parece que Marco Aurélio havia preparado o factoide para este fim de semana, provocando, como se diz, acalorado debate. Talvez seja coincidência, talvez não, que a peça tenha ficado pronta ao mesmo tempo em que Cid, o El Gomes, também resolve pedir o impeachment do vice. Mas aí houve o erro. Veio a público antes que ele pudesse assiná-la. Teve de retirar. Mas ninguém mais duvida do conteúdo da liminar.
Parece que Marco Aurélio havia preparado o factoide para este fim de semana, provocando, como se diz, acalorado debate. Talvez seja coincidência, talvez não, que a peça tenha ficado pronta ao mesmo tempo em que Cid, o El Gomes, também resolve pedir o impeachment do vice. Mas aí houve o erro. Veio a público antes que ele pudesse assiná-la. Teve de retirar. Mas ninguém mais duvida do conteúdo da liminar.
Se Marco
Aurélio realmente conceder a liminar, restará à Presidência da Câmara
entrar com agravo regimental para que os demais ministros decidam. E é
claro que a liminar será derrubada com base no Regimento Interno da
Câmara e na jurisprudência.
Que pena!
Que pena Marco Aurélio estar a desempenhar esse papel! Há um grande estranhamento em certos nichos do direito com o seu exótico comportamento. Há, no entanto, quem o ache explicável e aponte a guinada, vamos dizer, pró-Planalto de Marco Aurélio depois que a filha, de apenas 37 anos, foi nomeada pela presidente Dilma desembargadora do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que abrange o Rio de Janeiro e o Espírito Santo.
Que pena Marco Aurélio estar a desempenhar esse papel! Há um grande estranhamento em certos nichos do direito com o seu exótico comportamento. Há, no entanto, quem o ache explicável e aponte a guinada, vamos dizer, pró-Planalto de Marco Aurélio depois que a filha, de apenas 37 anos, foi nomeada pela presidente Dilma desembargadora do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que abrange o Rio de Janeiro e o Espírito Santo.
Sim, ela
foi a mais votada de uma listra tríplice enviada pelo tribunal à
presidente. Venceu dois profissionais bem mais experientes: Rosane
Thomé, de 52 anos, e Luiz Henrique Alochio, de 43. Comenta-se que o
Planalto se movimentou para conquistar esse resultado.
Que chato!
Prefiro admirar as pessoas a desprezá-las; apontar-lhes o talento a
lhes perceber a falseta. Desta feita, o ministro foi um pouco longe
demais. Ainda que seja só pelo desejo de aparecer.
Coisas estranhas
É bom que fiquemos atentos. Num dia, um dos integrantes da corte, como Roberto Barroso, deixa claro que não considera o PMDB uma alternativa de poder — como se lhe coubesse tal papel. E o fez nas dependências do Supremo, como ministro do Supremo. No outro, essa peça lamentável produzida por Marco Aurélio.
É bom que fiquemos atentos. Num dia, um dos integrantes da corte, como Roberto Barroso, deixa claro que não considera o PMDB uma alternativa de poder — como se lhe coubesse tal papel. E o fez nas dependências do Supremo, como ministro do Supremo. No outro, essa peça lamentável produzida por Marco Aurélio.
Há dois
dias, este senhor estava vituperando contra o impeachment de Dilma. Mas
resolve usurpar uma competência do presidente da Câmara para dar
sequência a um absurdo pedido de impeachment de Temer.
Por que absurdo?
Notem! Estou me referindo à denúncia apresentada. Numa curta vacância em que exerceu a Presidência, Temer também teria assinado decretos irregulares na área fiscal.
Notem! Estou me referindo à denúncia apresentada. Numa curta vacância em que exerceu a Presidência, Temer também teria assinado decretos irregulares na área fiscal.
É um
despropósito: todo mundo sabe que vice assina em lugar do titular,
quando este não está, por mera formalidade burocrática. O ato de ofício
que chega à sua mesa teve semanas — e até meses — de preparação. Nunca é
uma decisão pessoal. Faz parte do decoro não interferir na gestão, a
não ser em situações de emergência, geralmente relacionadas à segurança
coletiva.
Lamento muito ter de escrever assim. Mas o bom senso lamenta muito mais os atos recentes de Marco Aurélio.
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