As bruxas estão soltas
A liminar do ministro do
Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki, mais tarde confirmada por
unanimidade pelo plenário do STF, atropelou outra ação impetrada pelo
partido Rede Sustentabilidade, que objetivava o mesmo fim, ou seja,
tirar Cunha da presidência da Câmara sob a alegação de que, sendo réu no
Supremo, não poderia assumir numa eventualidade a presidência da
República.
Assim como a ação da Rede, uma Arguição de Descumprimento
de Preceito Fundamental (ADPF) foi colocada na pauta do Supremo pelo
presidente Ricardo Lewandowski repentinamente na noite anterior, também a
liminar do ministro Teori Zavascki, de madrugada, apanhou de surpresa
seus companheiros, como revelou o ministro Marco Aurélio Mello, que
relataria a ação a Rede, com um sorriso amarelo.
A partir daí, as
teorias conspiratórias tomaram conta de Brasília. O ministro Zavascki me
disse que estava se preparando para dar a liminar nos próximos dias, e
resolveu antecipá-la por que seu caso era muito mais amplo do que a ADPF
da Rede, com o objetivo de impedir que o STF se ocupasse de assuntos
semelhantes inutilmente.
Mas a versão conspiratória, que ele nega
peremptoriamente, reza que ao notar que a ADPF da Rede podia ser usada
para outros fins, Zavascki resolveu se antecipar para abortar o que
seria uma tentativa de anular o processo de impeachment da presidente
Dilma.
Qual seria essa manobra? O pedido principal da Rede era o
afastamento de Eduardo Cunha da presidência da Câmara, ou que ele fosse
impedido de assumir a presidência da República. Uma liminar, como regra,
tem efeito para o futuro, mas o problema é que, como qualquer ação de
controle de constitucionalidade, o STF pode decidir dar efeito
retroativo a ela, desde o surgimento da situação inconstitucional.
Como
a petição inicial da ADPF alega que a partir do momento em que o STF
transformou Cunha em réu ele não poderia mais continuar como presidente
da Câmara, seria possível uma interpretação de que todos os atos desde
então estariam nulos.
A petição inicial da Rede considera “lesiva a
preceitos fundamentais a interpretação constitucional e a prática
institucional, prevalentes na Câmara dos Deputados, pela qual se tem
admitido que o Presidente daquela Casa permaneça no exercício de suas
funções a despeito de passar a figurar na condição de réu em ação penal
instaurada perante o Supremo Tribunal Federal”.
O texto fala de “atos
comissivos praticados cotidianamente por agente político que não
poderia prosseguir na função de Presidente da Câmara dos Deputados”.
Os
advogados fazem a ressalva de que não cogitam “de nulidade dos atos
praticados até o reconhecimento da inconstitucionalidade ora
questionada”, mas juristas consultados atestam que, mesmo sem que peçam,
abrem caminho para que o relator da ADPF, no caso o ministro Marco
Aurélio Mello, pudesse eventualmente considerar adequada uma liminar
retroativa.
Seria uma solução atípica e de difícil aceitação pela
maioria do plenário, pois existem antecedentes de decisões de
magistrados, por exemplo, que são mantidas mesmo depois que são
considerados incapacitados. Mas o ministro José Eduardo Cardozo, da
Advocacia- Geral da União, pretende usar a decisão do STF para anular o
impeachment da presidente Dilma Rousseff: "A decisão do Supremo mostra
clarissimamente que Eduardo Cunha agia em desvio de poder", disse
Cardozo.
A ADPF da Rede Sustentabilidade foi arquitetada na Faculdade
de Direito da UERJ, onde o deputado federal Alessandro Molon faz um
doutorado com o professor Daniel Sarmento, principal autor da ação no
Supremo.
Também o advogado Eduardo Mendonça, que ficou com o
escritório de advocacia do hoje ministro do STF Luis Roberto Barroso,
assina a ADPF.
O deputado Molon votou contra o impeachment da
presidente Dilma, e é um dos principais ativistas contra a permanência
de Eduardo Cunha na presidência da Câmara.
Prosseguindo na questão
das bruxas, é possível usar uma metáfora, de cunho futebolístico, mais
brasileira: pode ter sido bola na mão ou mão na bola. Se foi bola na
mão, pode ter sido apenas uma imperícia de advogados que, sem intenção,
deixaram uma brecha para especulações.
Mas muita gente que acredita em bruxas acha que foi mesmo mão na bola. Aí é pênalti.
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