sexta-feira, 6 de maio de 2016

As bruxas estão soltas
Merval Pereira O Globo
“Yo no creo en brujas, pero que las hay las hay”. Nunca o ditado galego serviu tanto quanto ontem, em meio ao afastamento de Eduardo Cunha de seu mandato de deputado federal e, em consequência, da presidência da Câmara dos Deputados.
A liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki, mais tarde confirmada por unanimidade pelo plenário do STF, atropelou outra ação impetrada pelo partido Rede Sustentabilidade, que objetivava o mesmo fim, ou seja, tirar Cunha da presidência da Câmara sob a alegação de que, sendo réu no Supremo, não poderia assumir numa eventualidade a presidência da República.
Assim como a ação da Rede, uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) foi colocada na pauta do Supremo pelo presidente Ricardo Lewandowski repentinamente na noite anterior, também a liminar do ministro Teori Zavascki, de madrugada, apanhou de surpresa seus companheiros, como revelou o ministro Marco Aurélio Mello, que relataria a ação a Rede, com um sorriso amarelo.
A partir daí, as teorias conspiratórias tomaram conta de Brasília. O ministro Zavascki me disse que estava se preparando para dar a liminar nos próximos dias, e resolveu antecipá-la por que seu caso era muito mais amplo do que a ADPF da Rede, com o objetivo de impedir que o STF se ocupasse de assuntos semelhantes inutilmente.
Mas a versão conspiratória, que ele nega peremptoriamente, reza que ao notar que a ADPF da Rede podia ser usada para outros fins, Zavascki resolveu se antecipar para abortar o que seria uma tentativa de anular o processo de impeachment da presidente Dilma.
Qual seria essa manobra?  O pedido principal da Rede era o afastamento de Eduardo Cunha da presidência da Câmara, ou que ele fosse impedido de assumir a presidência da República. Uma liminar, como regra, tem efeito para o futuro, mas o problema é que, como qualquer ação de controle de constitucionalidade, o STF pode decidir dar efeito retroativo a ela, desde o surgimento da situação inconstitucional.
 Como a petição inicial da ADPF alega que a partir do momento em que o STF transformou Cunha em réu ele não poderia mais continuar como presidente da Câmara, seria possível uma interpretação de que todos os atos desde então estariam nulos.
A petição inicial da Rede considera “lesiva a preceitos fundamentais a interpretação constitucional e a prática institucional, prevalentes na Câmara dos Deputados, pela qual se tem admitido que o Presidente daquela Casa permaneça no exercício de suas funções a despeito de passar a figurar na condição de réu em ação penal instaurada perante o Supremo Tribunal Federal”.
O texto fala de “atos comissivos praticados cotidianamente por agente político que não poderia prosseguir na função de Presidente da Câmara dos Deputados”.
Os advogados fazem a ressalva de que não cogitam “de nulidade dos atos praticados até o reconhecimento da inconstitucionalidade ora questionada”, mas juristas consultados atestam que, mesmo sem que peçam, abrem caminho para que o relator da ADPF, no caso o ministro Marco Aurélio Mello, pudesse eventualmente considerar adequada uma liminar retroativa.
Seria uma solução atípica e de difícil aceitação pela maioria do plenário, pois existem antecedentes de decisões de magistrados, por exemplo, que são mantidas mesmo depois que são considerados incapacitados. Mas o ministro José Eduardo Cardozo, da Advocacia- Geral da União, pretende usar a decisão do STF para anular o impeachment da presidente Dilma Rousseff: "A decisão do Supremo mostra clarissimamente que Eduardo Cunha agia em desvio de poder", disse Cardozo.
A ADPF da Rede Sustentabilidade foi arquitetada na Faculdade de Direito da UERJ, onde o deputado federal Alessandro Molon faz um doutorado com o professor Daniel Sarmento, principal autor da ação no Supremo.
 Também o advogado Eduardo Mendonça, que ficou com o escritório de advocacia do hoje ministro do STF Luis Roberto Barroso, assina a ADPF.
O deputado Molon votou contra o impeachment da presidente Dilma, e é um dos principais ativistas contra a permanência de Eduardo Cunha na presidência da Câmara.
 Prosseguindo na questão das bruxas, é possível usar uma metáfora, de cunho futebolístico, mais brasileira: pode ter sido bola na mão ou mão na bola. Se foi bola na mão, pode ter sido apenas uma imperícia de advogados que, sem intenção, deixaram uma brecha para especulações.
Mas muita gente que acredita em bruxas acha que foi mesmo mão na bola. Aí é pênalti.      

Nenhum comentário: