sexta-feira, 6 de maio de 2016

Os tropeços de Mercadante sobre Galileu
Numa única frase, o ministro da Educação conseguiu reunir três erros sobre a história do astrônomo florentino
Leandro Narloch - VEJA
O ministro da Educação precisa voltar para a escola. Na quarta-feira, comentando o projeto de lei que impede professores da rede pública de emitirem opiniões ideológicas durante a aula, Mercadante disse o seguinte:
Não podemos voltar ao tempo da Inquisição, em que Galileu Galilei foi queimado porque achava que a Terra era redonda e a ‘Fé’, não.
É difícil achar uma frase tão curta e tão cheia de mitos. Vamos lá:
  1. Galileu não tentava convencer ninguém de que a Terra era redonda. Isso todo mundo já sabia no século 17 (mais de um século depois da descoberta da América). O que Galileu defendia é que a Terra se move.
  2. Galileu não foi queimado pela Inquisição. Todo mundo sabe que, pouco antes de ser condenado pela Igreja, ele voltou atrás e jurou ter abandonado a ideia do movimento da Terra. Tampouco foi torturado ou preso em masmorras. Durante o julgamento em Roma, ficou hospedado na casa do embaixador de Toscana e, depois, em aposentos do Santo Ofício reservado a visitantes ilustres. Tinha acesso ao pátio e era servido por funcionários da casa.
  3. É verdade que a Igreja cometeu uma lamentável perseguição a Galileu, mas é impreciso dizer que “a Fé” não acreditava no movimento da Terra. Essa polêmica dividia opiniões dentro e fora da Igreja. O dinamarquês Tycho Brahe, o astrônomo mais conceituado na época, concordava com o movimento de todos os planetas – menos o da Terra, que para ele estava parada no centro do Universo. Na Itália, os melhores amigos de Galileu eram bispos; os dois principais opositores eram professores universitários. Ludovico delle Colombe, autor de uma crítica a Galileu chamada “Contra o movimento da Terra”, era um filósofo natural; Cesare Cremonini, que se recusou a olhar no telescópio por acreditar que Galileu era um charlatão que criava ilusões de óticas, era professor da Universidade de Pádua.
De fato há problemas no projeto de lei que limita opiniões religiosas e políticas dos professores da rede pública. Seria preciso definir o que é uma opinião neutra e limitar a liberdade em sala de aula. Mercadante tinha argumentos de sobra para criticar o projeto – não precisava se atrapalhar com a história que não conhece.

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