Kimiko de Freytas Tamura - NYT
Andrew Testa/The New York Times
Steven Askew, padeiro que afirma pagar mais impostos do que o Facebook no Reino Unido
Cinquenta pequenas empresas margeiam as ruas de paralelepípedos de Crickhowell. Há uma livraria, uma padaria, um defumadora de salmão e um pub. E há o café de Steven Lewis, Number 18 Cafe & Brasserie, que, como muitos outros negócios familiares em Crickhowell, nutre uma queixa que repercute muito além das divisas da cidade.
Lewis, 63, um
ex-militar de peito largo, ajudou a transformar Crickhowell no ponto
zero de uma revolta dos proprietários de pequenos negócios no Reino
Unido contra um sistema tributário que consideram manipulado a favor de
multinacionais como Facebook, Google e Starbucks. A cidade de 2.063
habitantes se tornou famosa por ser um dos últimos redutos no Reino
Unido contra o avanço de lojas de grandes redes.
Lewis disse ter pago 21% em impostos sobre seus lucros no ano passado, o equivalente a 31 mil libras, ou cerca de R$ 173.300. Em comparação, o Facebook –que tem sede nos Estados Unidos, mas realiza negócios no Reino Unido, portanto está sujeito aos impostos britânicos– pagou apenas 4.327 libras, ou cerca de R$ 24.100, em impostos, aproximadamente um sétimo do que Lewis pagou.
O imposto pago pelo Facebook também foi menor do que o pagamento médio de imposto de renda e contribuições do seguridade social nacionais pelos trabalhadores britânicos individuais, que chegam ao equivalente a cerca de US$ 7.800 (cerca de R$ 30.700) por ano para uma pessoa com renda média anual de US$ 40 mil (cerca de R$ 157.500).
Esse é apenas um exemplo flagrante, disseram Lewis e os demais lojistas em Crickhowell, do que representa uma sonegação fiscal multinacional em escala colossal, deixando a conta para as pessoas comuns. E o protesto deles é um pequeno caso de estudo de como o populismo econômico está se desenvolvendo por todo o mundo, mobilizando apoio popular para contestar tanto os governos quanto os interesses empresariais.
Lewis, que se aposentou do Exército como major e lutou na Irlanda do Norte e no Oriente Médio, está trabalhando com seu regimento de lojistas para incitar a indignação popular por todo o Reino Unido, para que os consumidores, e no final os acionistas, pressionem os executivos das empresas a mudarem a forma como realizam seus negócios. Ele planeja usar as redes sociais e protestos de porta em porta para "dar nome e intimidar" os presidentes das empresas e aqueles que os apoiam, chegando até mesmo aos seus contadores.
"Sempre lute no terreno de sua escolha, nunca no terreno do inimigo", ele disse, empregando uma metáfora militar.
Seu esforço mais recente de conscientização ocorreu no final do ano passado, quando ele tentou reproduzir uma das táticas financeiras favoritas das multinacionais e registrar Crickhowell e suas empresas em paraísos fiscais. De jeito nenhum, disseram as autoridades tributárias britânicas: as cidades, diferente de empresas, não podem se registrar no exterior, e suas pequenas empresas não atendem às definições legais necessárias para se qualificarem para uma mudança dessas.
Mas Lewis prometeu continuar lutando, empregando as táticas que aprendeu combatendo terroristas.
"Nós seremos brutais", ele disse recentemente. "Nós visaremos a garganta."
A autoridade tributária do Reino Unido, a Receita e Aduana de Sua Majestade, disse em um relatório recente que a quantidade de impostos perdidos pelo Reino Unido devido a esquemas de evasão foi estimada em cerca de US$ 4,3 bilhões (cerca de R$ 17 bilhões) em 2014, apesar disso ter caído acentuadamente nos últimos anos à medida que o governo fecha as brechas.
Mas as autoridades são atacadas rotineiramente por não fazerem o bastante. No exemplo mais recente, um acordo com o Google de US$ 288 milhões (cerca de R$ 1,1 bilhão) em impostos atrasados foi altamente criticado devido às vendas e lucros da empresas chegarem a bilhões de dólares. Muitas empresas americanas que realizam negócios no Reino Unido se beneficiam de impostos para pessoas jurídicas que são muito inferiores aos pagos nos Estados Unidos, onde o total de impostos federais e estaduais chega a 39,1%. O Facebook disse que "cumpre a lei tributária britânica" e enfatizou que os funcionários que residem no Reino Unido pagam o imposto de renda devido.
"É simplesmente errado", disse Steven Askew, o padeiro de Crickhowell, enquanto fazia uma pausa no trabalho, com seus braços cobertos de farinha. Ele e sua mulher trabalham cada um 80 horas por semana, ele disse, e pagam mais imposto de renda que o Facebook.
"Alguém precisa se erguer e dar um basta. Basta de injustiça", ele acrescentou.
Rose Tabb, que trabalha em uma chocolateria de Crickhowell próxima das ruínas de um castelo do século 13, foi veemente. "Ou todos nós pagamos ou não pagamos", ela disse.
Jo Carthew é dona da defumaria Black Mountains nos arredores da cidade. As empresas multinacionais podem reinvestir o que não pagam em impostos, ela disse, o que permite que cresçam ainda mais e fiquem ainda mais fortes. Ela não conseguiu arcar com um aumento de seu quadro de funcionários desde que a empresa foi aberta há mais de 10 anos, ela disse. "Quanto mais fico sabendo sobre quão disseminadas são essas estratégias de evasão, mais indignada eu fico."
É claro, os evasores fiscais não são apenas americanos. Há a Caffè Nero, uma rede de cafés com sede em Londres que não paga um centavo em impostos de pessoa jurídica há uma década. Cadbury, a confeitaria britânica comprada pela Mondelez International dos Estados Unidos em 2010, na época chamada Kraft, não paga impostos há cinco anos, apesar de ter tido lucros de US$ 144 milhões (cerca de R$ 567 milhões) em cada ano.
As grandes empresas, especialmente aquelas que atuam ao redor do mundo, geralmente empregam táticas financeiras complexas, agressivas e às vezes criativas para pagar o mínimo de impostos, com frequência transferindo parte dos lucros de países com impostos mais altos para aqueles com impostos mais baixos. A autoridades tributária do Reino Unido define a prática como "operar de acordo com a letra –mas não com o espírito– da lei".
Muitas lojas em Crickhowell têm adesivos colados em suas janelas que se declaram parte de uma "Cidade de Impostos Justos", e outras 27 cidades por todo o Reino Unido aderiram à iniciativa, disse Lewis. Outra de suas metas é fazer com que as autoridades tributárias implantem um sistema cinco estrelas que classifique as empresas que pagam devidamente os impostos e torne o resultado público.
"As multinacionais querem permanecer no incrível nevoeiro de complexidade técnica porque querem se esconder nele", ele disse. "Logo, o que quero fazer é provocar uma forte rajada de vento para dispersar esse nevoeiro."
Tradutor: George El Khouri Andolfato
Lewis disse ter pago 21% em impostos sobre seus lucros no ano passado, o equivalente a 31 mil libras, ou cerca de R$ 173.300. Em comparação, o Facebook –que tem sede nos Estados Unidos, mas realiza negócios no Reino Unido, portanto está sujeito aos impostos britânicos– pagou apenas 4.327 libras, ou cerca de R$ 24.100, em impostos, aproximadamente um sétimo do que Lewis pagou.
O imposto pago pelo Facebook também foi menor do que o pagamento médio de imposto de renda e contribuições do seguridade social nacionais pelos trabalhadores britânicos individuais, que chegam ao equivalente a cerca de US$ 7.800 (cerca de R$ 30.700) por ano para uma pessoa com renda média anual de US$ 40 mil (cerca de R$ 157.500).
Esse é apenas um exemplo flagrante, disseram Lewis e os demais lojistas em Crickhowell, do que representa uma sonegação fiscal multinacional em escala colossal, deixando a conta para as pessoas comuns. E o protesto deles é um pequeno caso de estudo de como o populismo econômico está se desenvolvendo por todo o mundo, mobilizando apoio popular para contestar tanto os governos quanto os interesses empresariais.
Lewis, que se aposentou do Exército como major e lutou na Irlanda do Norte e no Oriente Médio, está trabalhando com seu regimento de lojistas para incitar a indignação popular por todo o Reino Unido, para que os consumidores, e no final os acionistas, pressionem os executivos das empresas a mudarem a forma como realizam seus negócios. Ele planeja usar as redes sociais e protestos de porta em porta para "dar nome e intimidar" os presidentes das empresas e aqueles que os apoiam, chegando até mesmo aos seus contadores.
"Sempre lute no terreno de sua escolha, nunca no terreno do inimigo", ele disse, empregando uma metáfora militar.
Seu esforço mais recente de conscientização ocorreu no final do ano passado, quando ele tentou reproduzir uma das táticas financeiras favoritas das multinacionais e registrar Crickhowell e suas empresas em paraísos fiscais. De jeito nenhum, disseram as autoridades tributárias britânicas: as cidades, diferente de empresas, não podem se registrar no exterior, e suas pequenas empresas não atendem às definições legais necessárias para se qualificarem para uma mudança dessas.
Mas Lewis prometeu continuar lutando, empregando as táticas que aprendeu combatendo terroristas.
"Nós seremos brutais", ele disse recentemente. "Nós visaremos a garganta."
A autoridade tributária do Reino Unido, a Receita e Aduana de Sua Majestade, disse em um relatório recente que a quantidade de impostos perdidos pelo Reino Unido devido a esquemas de evasão foi estimada em cerca de US$ 4,3 bilhões (cerca de R$ 17 bilhões) em 2014, apesar disso ter caído acentuadamente nos últimos anos à medida que o governo fecha as brechas.
Mas as autoridades são atacadas rotineiramente por não fazerem o bastante. No exemplo mais recente, um acordo com o Google de US$ 288 milhões (cerca de R$ 1,1 bilhão) em impostos atrasados foi altamente criticado devido às vendas e lucros da empresas chegarem a bilhões de dólares. Muitas empresas americanas que realizam negócios no Reino Unido se beneficiam de impostos para pessoas jurídicas que são muito inferiores aos pagos nos Estados Unidos, onde o total de impostos federais e estaduais chega a 39,1%. O Facebook disse que "cumpre a lei tributária britânica" e enfatizou que os funcionários que residem no Reino Unido pagam o imposto de renda devido.
"É simplesmente errado", disse Steven Askew, o padeiro de Crickhowell, enquanto fazia uma pausa no trabalho, com seus braços cobertos de farinha. Ele e sua mulher trabalham cada um 80 horas por semana, ele disse, e pagam mais imposto de renda que o Facebook.
"Alguém precisa se erguer e dar um basta. Basta de injustiça", ele acrescentou.
Rose Tabb, que trabalha em uma chocolateria de Crickhowell próxima das ruínas de um castelo do século 13, foi veemente. "Ou todos nós pagamos ou não pagamos", ela disse.
Jo Carthew é dona da defumaria Black Mountains nos arredores da cidade. As empresas multinacionais podem reinvestir o que não pagam em impostos, ela disse, o que permite que cresçam ainda mais e fiquem ainda mais fortes. Ela não conseguiu arcar com um aumento de seu quadro de funcionários desde que a empresa foi aberta há mais de 10 anos, ela disse. "Quanto mais fico sabendo sobre quão disseminadas são essas estratégias de evasão, mais indignada eu fico."
É claro, os evasores fiscais não são apenas americanos. Há a Caffè Nero, uma rede de cafés com sede em Londres que não paga um centavo em impostos de pessoa jurídica há uma década. Cadbury, a confeitaria britânica comprada pela Mondelez International dos Estados Unidos em 2010, na época chamada Kraft, não paga impostos há cinco anos, apesar de ter tido lucros de US$ 144 milhões (cerca de R$ 567 milhões) em cada ano.
As grandes empresas, especialmente aquelas que atuam ao redor do mundo, geralmente empregam táticas financeiras complexas, agressivas e às vezes criativas para pagar o mínimo de impostos, com frequência transferindo parte dos lucros de países com impostos mais altos para aqueles com impostos mais baixos. A autoridades tributária do Reino Unido define a prática como "operar de acordo com a letra –mas não com o espírito– da lei".
Muitas lojas em Crickhowell têm adesivos colados em suas janelas que se declaram parte de uma "Cidade de Impostos Justos", e outras 27 cidades por todo o Reino Unido aderiram à iniciativa, disse Lewis. Outra de suas metas é fazer com que as autoridades tributárias implantem um sistema cinco estrelas que classifique as empresas que pagam devidamente os impostos e torne o resultado público.
"As multinacionais querem permanecer no incrível nevoeiro de complexidade técnica porque querem se esconder nele", ele disse. "Logo, o que quero fazer é provocar uma forte rajada de vento para dispersar esse nevoeiro."
Tradutor: George El Khouri Andolfato
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