sábado, 2 de abril de 2016

Ministro das Cidades associa Molenbeek a bairros da periferia na França
Declarações do ministro das Cidades francês, Patrick Kanner, dividem a esquerda e provocam críticas de pesquisadores
Julia Pascual e Sylvia Zappi - Le Monde
VTM/Reuters
20.mar.2016 - Salah Abdeslam, suspeito por participação em atentados a Paris em novembro de 2015, é preso por policiais belgas em Molenbeek, na Bélgica20.mar.2016 - Salah Abdeslam, suspeito por participação em atentados a Paris em novembro de 2015, é preso por policiais belgas em Molenbeek, na Bélgica
"Sabemos hoje que há uma centena de bairros na França que apresentam potenciais similaridades com o que aconteceu em Molenbeek", na periferia de Bruxelas (Bélgica), que abriga um grande número de jihadistas. As declarações do ministro das Cidades, Patrick Kanner, no domingo (27), durante o programa Grand Rendez-Vous Europe 1-Le Monde-i-Télé, logo causaram polêmica.
Considerado "lúcido" pelos republicanos Eric Ciotti e Hervé Mariton ou por Florian Philippot, da Frente Nacional, o socialista foi severamente criticado pelo presidente da UDI, Jean-Christophe Lagarde, "porque é o tipo de frase que desvirtua o debate político francês".
O primeiro-secretário do Partido Socialista (PS), Jean-Christophe Cambadélis, também lamentou uma "estigmatização" da periferia, enquanto Julien Dray, conselheiro regional (PS) de Île-de-France, considerou que, "através de frases de efeito, não se resolve nenhum problema e cede-se às facilidades da comunicação, não fornecendo nenhuma informação real".
Para Patrick Kanner, "Molenbeek (...) é uma concentração enorme de pobreza e de desemprego, é um sistema ultrasegregacionista, é um sistema mafioso com uma economia subterrânea, é um sistema onde os serviços públicos quase desapareceram, é um sistema onde os políticos desistiram."
Então, haveria "uma centena" de bairros que reúnem essas características na França. Mas não se sabe de onde saiu esse número, uma vez que ele não remete a nenhum estudo específico. O Ministério das Cidades dá a entender que se trata de lugares que acumulam "deficiências sociais", que figuram ao mesmo tempo no ranking dos 1.500 bairros prioritários da política da cidade, das 150 REP+, o núcleo duro da educação prioritária, ou ainda das 80 zonas de segurança prioritária.
Mas só por isso eles seriam potenciais redutos terroristas?
François Pupponi, presidente da Agência Nacional de Renovação Urbana, acredita que sim: "A França e a Bélgica criaram guetos sociais, comunitários e étnicos. O Estado Islâmico entendeu que, dentro desses guetos, havia algumas dezenas de indivíduos que poderiam se tornar bombas humanas. Não é nada mais do que disse Manuel Valls quando falou em política de apartheid."

"Como ameaças"

Essa interpretação está longe de ser unanimidade. Primeiro porque ela não se sustenta diante da diversidade sociológica dos jovens da França que partiram para a jihad na Síria, que são tanto oriundos da classe média e recém-convertidos ao islamismo quanto originários de comunas rurais. Para Renaud Epstein, professor de ciências políticas na Universidade de Nantes, "falar de bairros como Molenbeek não tem sentido". Ele vê ali um discurso oportunista político que denota "uma estigmatização da periferia como ameaça para a República".
"É possível comparar os bairros com base em suas características sociais, mas não se pode dizer que essas características sejam fatores que determinem o terrorismo", diz Antoine Jardin, pesquisador e co-autor de "Terreur dans l'Hexagone: Genèse du djihad français" ("Terror na França: gênese da jihad francesa", em tradução livre).
O sociólogo Mohamed Ali-Adraoui concorda: "São mais grupos de colegas, de irmãos que se radicalizam. O ponto comum entre Mohammed Atta, o coordenador dos atentados do 11 de Setembro, e Salah Abdeslam não é a origem social deles, mas sim seu imaginário religioso e político." O autor de "Du Golfe aux banlieus: le salafisme mondialisé" ("Do Golfo à periferia: o salafismo globalizado", em tradução livre, Ed. PUF, 2013) critica ainda a "figura imposta" da guetificação. Segundo ele, na verdade, o jihadismo seria um "hiper-individualismo".
Kanner pode ter misturado duas problemáticas que lhe foram expostas pela União Social pela Habitação: a dos bairros onde a criminalidade é tanta que a vida se tornou difícil para os moradores, e a das cidades onde a presença salafista é preocupante. A organização que representa os conjuntos habitacionais compilou, nos últimos três anos, 60 bairros de moradias sociais corroídos pelo tráfico de drogas e pela economia paralela. Ela ainda criou um grupo de trabalho em meados de 2015 sobre os problemas encontrados por seus agentes, que precisam enfrentar o proselitismo religioso em certas comunidades.
"Nunca associamos os dois", afirma Béatrice Morra, diretora do departamento de políticas urbanas e sociais. "A entrada no jihadismo não é exclusiva da periferia. Nós assinalamos 60 bairros que têm grandes problemas de segurança, mas não é a mesma coisa", concorda Marie-Noëlle Lienemann, vice-presidente da União Social pela Habitação.
Na segunda-feira, o Ministério do Interior não quis comentar as declarações de Patrick Kanner, assim como a Secretaria de Cidades: "Não estamos à vontade porque esta não é nossa linha", explicaram.

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