Revendo a coalizão
Temer andou flertando com um ministério que seria mais do
mesmo, e até com algumas extravagâncias adicionais, como entregar a
pasta de Ciência e Tecnologia ao Bispo Macedo ou nomear para a Justiça
um advogado que já se declarara contrário à Operação Lava-Jato.
Seria
uma ducha de água fria nos que aguardam um recomeço em novas bases do
governo, mesmo que o PMDB não inspire confiança no quesito combate à
fisiologia, embora seja fundamental na garantia da democracia, que
sempre foi seu compromisso histórico.
A reação da sociedade,
refletida nos principais meios de comunicação do país e nas redes
sociais, fez com que Temer e seu grupo mais próximo se sentissem
incentivados a enfrentar a mudança de hábitos exigida pelo momento.
Compatibilizar
a necessidade de reformas estruturais com a governabilidade no
Congresso é uma tarefa complexa, que terá em Temer, presidente da Câmara
três vezes, o artífice ideal. Ontem na Academia Brasileira de Letras,
em sequência do ciclo de palestras sobre Os papéis dos Poderes, o
cientista político Sérgio Abranches analisou as características do
presidencialismo de coalizão, expressão que ele criou em artigo de 1988,
depois que a Constituição promulgada estabeleceu as condições de
governo da redemocratização.
De lá para cá o sistema foi sendo
distorcido pelas peculiaridades político-partidárias em vigor, e
acabamos tendo um ministério hipertrofiado que, como explicou Abranches,
em vez de auxiliar na governabilidade, coloca obstáculos a ela.
A
base de comparação com os diversos governos europeus que são de coalizão
mostra que quando eles são montados por poucos partidos, mas com
substância programática, é mais fácil ao governante traçar as linhas de
conduta. Quanto mais partidos fizerem parte da base governista, mais o
governante ficará refém das diversas facções nela representadas.
A
situação brasileira é exemplar disso, pois a partir do episódio do
mensalão, os governos petistas optaram por ampliar sua base de apoio,
não com o objetivo de aprovar reformas, mas, como classifico, de montar
uma coalizão defensiva, que evite CPIs ou processos de impeachment o
que, como estamos vendo, nem mesmo isso evita.
A coalizão montada
para os governos Dilma, por receio de Lula de que ela não tivesse apoio
parlamentar, foi das maiores já montadas em governos brasileiros o que,
em vez de garantir a governabilidade, fez com que a presidente ficasse
refém, e por fim fosse abandonada, pelos partidos da base assim que
sentiram para que lado o vento estava soprando.
Como Sérgio Abranches
lembrou, um governo montado à base de programas partidários pode até
mesmo acomodar forças políticas antagônicas, como aconteceu na Alemanha
de Angela Merkel. A reforma da Previdência, que era prioritária para seu
partido, acabou saindo da negociação da coalizão por pressão dos
aliados, que acabaram ficando com o ministério da Previdência justamente
para garantir que ela não seria realizada.
Aqui, no provável governo
Temer, aconteceu o contrário. Como nenhum partido quis assumir a
reforma que precisa ser feita, a Previdência ficará sob o comando do
Ministério da Fazenda, e caberá Henrique Meirelles criar as condições
favoráveis à sua aprovação no Congresso.
O cientista político Sérgio
Abranches lembrou ainda que para governar, não é preciso ter uma maioria
que abranja 60% ou 70% do Congresso, como vem acontecendo. Quando
chegar a hora de fazer uma reforma constitucional, é possível criar uma
maioria qualificada eventual para resolver aquela reforma específica.
Outro
exemplo interessante é o do ministério da Saúde, que embora tenha
ficado com um deputado do PP que nada tem a ver com o assunto, ele foi
obrigado a buscar apoio na área médica e assumiu compromissos com
importantes especialistas do setor, que participarão da gestão.
Ontem
Temer garantiu a interlocutores que fará uma reforma administrativa no
Estado, reduzindo os cargos comissionados. Os partidos da base aliada
estão inquietos com as novidades, mas pode ser que a pressão da
sociedade, e os sustos que os políticos estão tomando com as ações
policiais em diversos setores, comecem a fazer efeito no relacionamento
do Legislativo com o Executivo.
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