Acidente de trem na Argentina evidencia a precariedade da rede ferroviária
Christine Legrand - Le Monde
Já era de se esperar. É o que comentam a mídia, os sindicatos e os usuários após o acidente ferroviário que resultou em 51 mortos e 703 feridos, na quarta-feira (22), em uma estação de Buenos Aires. Com a abertura de uma investigação, os observadores apontam as falhas da companhia privada Trenes de Buenos Aires (TBA) e as do governo, na parte de fiscalização.
Na segunda-feira (27), após vários dias de silêncio, a presidente Cristina Kirchner pediu para que a Justiça se pronuncie rapidamente para determinar os responsáveis, afirmando que ela “não hesitaria em tomar todas as providências necessárias”. O Estado entrou com uma ação ao lado das vítimas, mas não cancelou o contrato da TBA.
O trem que não freou tinha mais de 50 anos de idade. Ele transportava 2.000 pessoas, ou seja, o dobro de sua capacidade. Seis meses atrás, um acidente na mesma linha, que atende o subúrbio pobre do oeste de Buenos Aires, havia resultado em 11 mortes e 212 feridos.
Entre 2002 e 2008, o auditor-geral da nação havia emitido quatro relatórios advertindo sobre o não cumprimento das normas elementares de segurança e de manutenção dos trens, e alertando sobre “os riscos para os usuários”. O maquinista afirma ter avisado que tinha problemas para frear. A TBA nega esse depoimento, sugerindo uma “falha humana” do jovem. Funcionários da ferrovia afirmam ter denunciado regularmente falhas mecânicas, além de sofrerem punições caso se recusassem a operar os trens. Os sindicatos não estão acima de qualquer suspeita.
A oposição fala em corrupção. Um juiz, próximo do governo, acaba de invalidar como provas e-mails que reforçavam as acusações que pesavam sobre o ex-ministro dos Transportes, Ricardo Jaime – que teve de renunciar, em 2009, depois de se ver envolvido em quinze casos de corrupção. Entre eles, o uso de um avião particular pago pela TBA, cujos proprietários, aliados do governo, exploram diversas concessões de transporte público.
Os argentinos se queixam das condições de segurança a bordo de trens decrépitos e lotados, alguns passageiros são obrigados a se equilibrar nas soleiras ou sobre os tetos. Às vezes, eles protestam bloqueando vias férreas ou incendiando vagões. Três dias após o acidente, a descoberta em um carro do 51º corpo – um jovem de 20 anos – intensificou a fúria: a estação foi tomada por manifestantes.
A Argentina tinha a melhor rede ferroviária da América Latina e uma das mais extensas do mundo. Ela foi privatizada nos anos 1990 pelo presidente peronista Carlos Menem (1989-1999). O desmantelamento dos trens condenou as populações do interior ao isolamento. Quando chegou ao poder em 2003, o peronista Néstor Kirchner prometeu a nacionalização dos trens. Mas depois os Kirchner se entusiasmaram com o projeto de um trem-bala por uma extensão de 700 quilômetros. Estimado em 2,5 bilhões de euros, o projeto foi abandonado diante das críticas que lembravam o péssimo estado de toda a rede.
Tradutor: Lana Lim
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