Eleições russas: Putin vencerá, mas a democracia pode triunfar
Mikhail Khodorkovski - Le Monde
O ano será repleto de eleições presidenciais. Mas, enquanto na França e nos Estados Unidos a disputa promete ser acirrada, o resultado da votação do dia 4 de março na Rússia praticamente não tem mistério. No entanto, essa falta de suspense quanto ao resultado não deve passar a ideia de que é pouca coisa que está em jogo.
Do ponto de vista ocidental, a troca de postos de Vladimir Putin, que deverá deixar suas funções de primeiro-ministro para voltar a ser presidente – o que lhe permitiria contornar a regra que proíbe o presidente de exercer mais de dois mandatos consecutivos – poderia dar a entender que se trata de um “business as usual” no mundinho fechado do Kremlin.
Mas não é assim que enxergam meus compatriotas, insultados por essa perspectiva inacreditável de ter de apoiar um presidente irremovível pela próxima década, ou até mais. Os pobres, a classe média e os ricos saíram às ruas, enfurecidos pelas manobras baixas e outros acordos que marcaram as eleições legislativas de dezembro de 2011. Esse movimento, apoiado até pelas elites, mudou a equação e acabou com o persistente mito segundo o qual as massas apoiariam Putin porque ele representaria a estabilidade.
Putin reagiu zombando dos manifestantes, chegando ao ponto de fingir que havia confundido a fita branca, símbolo dessa oposição, com a fita usada para promover o uso de preservativos. Os poderes públicos reagiram com discrição, lançando reformas que permitiriam o registro de novos partidos políticos para as próximas eleições à Duma [parlamento], e a volta à eleição, no lugar das nomeações, para a designação de governadores de regiões. Sem querer, essas úteis reformas poderiam ser o catalisador de transformações mais fundamentais.
Elas dão a esperança de que as sementes da modernidade possam ser plantadas em solo russo sob a forma de candidatos valiosos para o alto funcionalismo público. Personalidades da oposição capazes de aceitar o desafio imposto pelas estruturas do poder poderiam emergir. Até lá, a oposição política deverá se reunir em dois ou três novos partidos, com capacidade suficiente para ir além do status quo e permitir que se evite a armadilha do Kremlin, que consiste em dividir para melhor reinar sobre uma miríade de pequenos partidos rivais.
Se essa é uma visão a longo prazo, o que se pode esperar da eleição? Minha esperança é que a participação seja forte e que meus caros compatriotas estudem com cuidado os quatro candidatos que participam da eleição, mesmo que muitos eleitores preferissem encontrar outros nomes, que não foram autorizados a participar. Em 2004, a última vez que Putin foi candidato à presidência, ele venceu no primeiro turno. Veremos o que acontecerá desta vez. Mas sejamos claros: se houver um segundo turno, a situação será diferente.
Um segundo turno significaria que a mudança que estamos esperando está a caminho: que uma evolução, e não uma revolução, é possível. Não queremos o sangue que tomou conta das ruas de diferentes capitais, mas queremos que as coisas mudem. É missão de nossa geração mudar os paradigmas da Rússia sem uma guerra civil.
Os abusos de poder dos dirigentes foram nosso destino por muito tempo. Precisamos modernizar nossa economia, construir uma sociedade civil autêntica, acabar com o niilismo legal e erradicar a corrupção. Devemos fazer isso para que nossos filhos e netos possam ter uma vida melhor. Precisamos fazer isso também pelo nosso país, esse país que amamos e que deve prosperar e se adaptar a um mundo em movimento.
Para ter certeza disso, basta analisar as circunstâncias das revoluções árabes. As situações desses países e da Rússia são diferentes, mas é possível encontrar pontos em comum. Primeiro, do Cairo até Damasco, de Moscou até Magadan, os cidadãos querem ser tratados com respeito e dignidade – meu país não é exceção!
Segundo, as revoluções árabes nos mostraram que ninguém pode conter o poder das novas tecnologias para informar e mobilizar. A tecnologia devolveu o poder ao povo. Daqui a dez anos, as classes médias russas instruídas representarão a maioria da população. Elas exigirão seu lugar em torno da mesa, em um sistema democrático e pluralista, e não aceitarão que lhe neguem isso.
Ninguém espera que isso aconteça de um dia para outro, mas o pleito do dia 4 de março oferece uma chance de se acabar com o monopólio do poder do provável presidente. Não deveríamos temer isso. Ao forçar a realização de um segundo turno, colocaremos o país no caminho certo. O governo presidencial, que até então não ouvia ninguém, será obrigado a começar a escutar a vontade do povo, a quem ele deveria servir. O Estado, que até agora dava como certo seu poder monopolístico, deverá moderar seu comportamento. Os políticos, que se agruparam em oposição, poderão se tornar uma força com quem conversar, uma voz para exprimir os pensamentos e os pontos de vista daqueles que até então eram ignorados. O governo seria obrigado a iniciar negociações com a oposição e uma transição suave, real, poderia ter início.
Eu também gostaria de ver uma mudança de comportamento por parte dos países ocidentais. Eles deveriam parar de fazer a dança do ventre diante de um cano de gás! Eles precisam falar em alto e bom som, em uníssono, para exigir verdadeiras reformas democráticas. Está na hora de eles reconhecerem que o único meio de garantir, a longo prazo, um desenvolvimento harmonioso de nossas relações é parar de se esconder atrás do mito da estabilidade para legitimar um regime que decepciona seu próprio povo – um povo que está despertando.
Então, eu lhes peço para olharem de perto os resultados desta eleição. Na França e nos Estados Unidos, o voto equivale a escolher entre verdadeiras visões políticas alternativas. Em meu país, o cálculo eleitoral é mais simples: escolher Putin no primeiro ou no segundo turno. Mas não se deixem enganar! A volta do “presidente Putin” ao Kremlin, seja pela manipulação de votos no primeiro turno, seja depois de ele ter sido forçado a passar por um segundo turno, alertará o mundo de que verdadeiras mudanças estão em andamento na Rússia. Uma mudança política inevitável.
Ex-presidente da petroleira Yukos, Mikhail Khodorkovski foi condenado a 14 anos de prisão em uma penitenciária de Carélia. Ele foi reconhecido como prisioneiro político pela Anistia Internacional.
Tradutor: Lana Lim
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