CLÁUDIA COLLUCCI - FSP
Grávidas com diagnóstico de infecção pelo vírus da zika estão recorrendo ao aborto clandestino antes mesmo da confirmação se o feto tem ou não microcefalia.
Os preços do procedimento em clínicas particulares variam entre R$ 5.000
e R$ 15 mil, dependendo da estrutura e do estágio da gestação.
Três médicos relataram à Folha casos de mulheres que já tomaram essa decisão. Todas são casadas, têm educação de nível superior, boas condições financeiras e tinham planejado a gravidez, mas se desesperaram com a possibilidade de a criança desenvolver a má-formação.
As gestações estavam entre a sexta e oitava semana e foram interrompidas com o misoprostol (Citotec). O medicamento é obtido no mercado ilegal, já que sua disponibilização é limitada a hospitais. A venda é proibida nas farmácias desde 1998.
Segundo o infectologista Artur Timerman, duas grávidas de São Paulo o procuraram nas últimas semanas com sintomas de zika.
MICROCEFALIA
A doença foi confirmada com uma técnica chamada PCR, que pesquisa
diretamente no sangue da paciente a presença de material genético do
vírus da zika.
"Elas me perguntaram se havia risco de o bebê desenvolver microcefalia. Eu disse que sim, mas não saberia estimar quanto [seria o risco]. A decisão [do aborto] foi delas. Em nenhum momento eu disse faça ou não faça", disse Timerman. Ele afirmou ter sabido depois que as pacientes tinham feito o aborto com outros profissionais.
A ginecologista Ana (prefere não dar o sobrenome), do Nordeste do país, relata situação parecida: três pacientes, após confirmação do zika, decidiram abortar. "Não quiseram esperar para ver."
Em novembro, o infectologista Roberto Badaró, da Bahia, relatou à reportagem que soube de "abortos preventivos" após detecção do vírus.
No início do mês, a Folha mostrou casos de aborto após confirmada a microcefalia, que costuma ser diagnosticada por volta da 28ª semana de gravidez.
Nessas situações, devido ao estágio da gestação, o procedimento é complexo: aplica-se uma injeção de cloreto de potássio no coração do feto e, então, induz-se o parto.
A médica Fátima Oliveira soube de três mulheres que abortaram após o diagnóstico. Uma, do Mato Grosso, foi a uma clínica de São Paulo. "Quem pode aborta com segurança", afirma.
O obstetra Thomas Gollop, professor da USP, diz que as lesões associadas ao zika são mais graves do que se imagina. "Há muitas repercussões neurológicas, cegueira, surdez, sem perspectiva de cura ou melhora. O termo mais apropriado é 'síndrome fetal do zika', não só microcefalia."
Para Paulo Leão, procurador do Estado no Rio e membro do movimento Brasil sem Aborto, interromper a gravidez por causa de microcefalia ou outra má-formação é "eugenia" (seleção da espécie).
No Brasil, o aborto só é permitido em casos de estupro, risco de vida da mãe e quando o feto é anencéfalo.
Com o aumento de casos suspeitos de microcefalia associados ao vírus da zika (são 3.448 no país), um grupo de advogados, acadêmicos e ativistas articula uma ação pedindo ao STF (Supremo Tribunal Federal) o direito ao aborto quando há a má-formação.
É o mesmo grupo que propôs a ação para interrupção da gravidez de anencéfalos, acatada pelo STF em 2012.
Segundo a antropóloga Debora Diniz, do instituto de bioética Anis, o argumento no STF será que o Estado deve se responsabilizar pelos surtos de zika. "Mulheres não podem ser penalizadas por políticas falhas. Obrigá-las [a ter o filho com microcefalia] representa grave dano à saúde mental."
Para ela, o princípio não é o mesmo da anencefalia (má-formação incompatível com a vida), já que bebês microcéfalos em geral sobrevivem.
Debora diz que o aborto é um dos pontos de um projeto que envolverá ações contra o Aedes aegypti, acesso a contraceptivos e inclusão de crianças microcéfalas.
DIAGNÓTICO TARDIO
O diagnóstico da microcefalia é tardio, diferentemente do da anencefalia, que é feito a partir da 12ª semana de gestação.
Os casos de microcefalia associados ao zika no Nordeste estão sendo constatados na 28ª semana de gravidez, em média, com desvio padrão de cinco semanas (para mais ou menos).
Isso dificulta, tecnicamente, a interrupção da gravidez. Mesmo abortos legais costumam ocorrer por volta da 20ª semana, quando não há chance de o bebê sobreviver, ainda que horas, fora do útero.
A exceção são casos de risco à mãe. Nessas situações, o procedimento é feito a qualquer momento.
Segundo o obstetra Manoel Sarno, que já acompanhou 80 casos de microcefalia na Bahia, é possível que, a partir de agora, com a experiência, a idade gestacional na hora do diagnóstico seja reduzida.
"Mas a maioria [das lesões] só vai aparecer depois da 24ª semana." Para ele, isso se deve ao tempo que leva entre a gestante ser infectada pelo zika e o aparecimento das lesões cerebrais no ultrassom.
A obstetra Adriana Melo, que acompanhou 17 casos de microcefalia na Paraíba, também diz que o diagnóstico está sendo feito por volta da 30ª semana, mas houve casos em que a suspeita apareceu na 20ª.
Três médicos relataram à Folha casos de mulheres que já tomaram essa decisão. Todas são casadas, têm educação de nível superior, boas condições financeiras e tinham planejado a gravidez, mas se desesperaram com a possibilidade de a criança desenvolver a má-formação.
As gestações estavam entre a sexta e oitava semana e foram interrompidas com o misoprostol (Citotec). O medicamento é obtido no mercado ilegal, já que sua disponibilização é limitada a hospitais. A venda é proibida nas farmácias desde 1998.
Segundo o infectologista Artur Timerman, duas grávidas de São Paulo o procuraram nas últimas semanas com sintomas de zika.
MICROCEFALIA
"Elas me perguntaram se havia risco de o bebê desenvolver microcefalia. Eu disse que sim, mas não saberia estimar quanto [seria o risco]. A decisão [do aborto] foi delas. Em nenhum momento eu disse faça ou não faça", disse Timerman. Ele afirmou ter sabido depois que as pacientes tinham feito o aborto com outros profissionais.
A ginecologista Ana (prefere não dar o sobrenome), do Nordeste do país, relata situação parecida: três pacientes, após confirmação do zika, decidiram abortar. "Não quiseram esperar para ver."
Em novembro, o infectologista Roberto Badaró, da Bahia, relatou à reportagem que soube de "abortos preventivos" após detecção do vírus.
No início do mês, a Folha mostrou casos de aborto após confirmada a microcefalia, que costuma ser diagnosticada por volta da 28ª semana de gravidez.
Nessas situações, devido ao estágio da gestação, o procedimento é complexo: aplica-se uma injeção de cloreto de potássio no coração do feto e, então, induz-se o parto.
A médica Fátima Oliveira soube de três mulheres que abortaram após o diagnóstico. Uma, do Mato Grosso, foi a uma clínica de São Paulo. "Quem pode aborta com segurança", afirma.
O obstetra Thomas Gollop, professor da USP, diz que as lesões associadas ao zika são mais graves do que se imagina. "Há muitas repercussões neurológicas, cegueira, surdez, sem perspectiva de cura ou melhora. O termo mais apropriado é 'síndrome fetal do zika', não só microcefalia."
Para Paulo Leão, procurador do Estado no Rio e membro do movimento Brasil sem Aborto, interromper a gravidez por causa de microcefalia ou outra má-formação é "eugenia" (seleção da espécie).
No Brasil, o aborto só é permitido em casos de estupro, risco de vida da mãe e quando o feto é anencéfalo.
Com o aumento de casos suspeitos de microcefalia associados ao vírus da zika (são 3.448 no país), um grupo de advogados, acadêmicos e ativistas articula uma ação pedindo ao STF (Supremo Tribunal Federal) o direito ao aborto quando há a má-formação.
É o mesmo grupo que propôs a ação para interrupção da gravidez de anencéfalos, acatada pelo STF em 2012.
Segundo a antropóloga Debora Diniz, do instituto de bioética Anis, o argumento no STF será que o Estado deve se responsabilizar pelos surtos de zika. "Mulheres não podem ser penalizadas por políticas falhas. Obrigá-las [a ter o filho com microcefalia] representa grave dano à saúde mental."
Para ela, o princípio não é o mesmo da anencefalia (má-formação incompatível com a vida), já que bebês microcéfalos em geral sobrevivem.
Debora diz que o aborto é um dos pontos de um projeto que envolverá ações contra o Aedes aegypti, acesso a contraceptivos e inclusão de crianças microcéfalas.
DIAGNÓTICO TARDIO
O diagnóstico da microcefalia é tardio, diferentemente do da anencefalia, que é feito a partir da 12ª semana de gestação.
Os casos de microcefalia associados ao zika no Nordeste estão sendo constatados na 28ª semana de gravidez, em média, com desvio padrão de cinco semanas (para mais ou menos).
Isso dificulta, tecnicamente, a interrupção da gravidez. Mesmo abortos legais costumam ocorrer por volta da 20ª semana, quando não há chance de o bebê sobreviver, ainda que horas, fora do útero.
A exceção são casos de risco à mãe. Nessas situações, o procedimento é feito a qualquer momento.
Segundo o obstetra Manoel Sarno, que já acompanhou 80 casos de microcefalia na Bahia, é possível que, a partir de agora, com a experiência, a idade gestacional na hora do diagnóstico seja reduzida.
"Mas a maioria [das lesões] só vai aparecer depois da 24ª semana." Para ele, isso se deve ao tempo que leva entre a gestante ser infectada pelo zika e o aparecimento das lesões cerebrais no ultrassom.
A obstetra Adriana Melo, que acompanhou 17 casos de microcefalia na Paraíba, também diz que o diagnóstico está sendo feito por volta da 30ª semana, mas houve casos em que a suspeita apareceu na 20ª.
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